São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 1998

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CINEMA
Cantor participa de discussão sobre "Cinema Falado", dirigido por ele, na Sala Cinemateca Folha, anteontem
Caetano Veloso debate idéias e filme


da Reportagem Local

Numa entrevista em 1993, Caetano Veloso criticava algumas das letras de suas músicas, que seriam muito cheias de opiniões: "Coisas que eu quero falar em conversa e que eu acabo botando nas letras, para ir desabafando, para não encher demais o saco dos meus amigos", dizia.
Na noite de anteontem, apesar da chuva forte, faltaram lugares na sala Cinemateca Folha, na Vila Mariana, para acomodar todos os que foram assistir a apresentação do filme "Cinema Falado" (1986), dirigido por Caetano, no encerramento do ciclo "Cinema e Psicanálise - 100 anos", promovido em conjunto pela Sociedade Amigos da Cinemateca e a Sociedade Brasileira de Psicanálise.
O próprio diretor e compositor participou do debate ocorrido após o filme, dividindo a mesa com os psicanalistas Luiz Tenório Oliveira Lima e Leopold Nosek, a presidente da Sociedade, Cosette Alves, e o mediador Matinas Suzuki Jr., diretor editorial-adjunto da editora Abril.
O filme mescla monólogos, diálogos, com textos de Caetano e de outros autores. Aborda questões estéticas e existenciais apresentadas na forma de textos de vários autores, além de paródias de autoria do próprio Caetano e performances musicais, agrupados como se o autor procurasse concentrar no filme suas idéias e, talvez sem razão, evitar "encher demais o saco dos amigos" nas conversas.
De plano, no início do debate, Caetano assinalou ter feito o filme com pouco planejamento e produção, deixado "correr fora do controle", pois desejava mais "saber se dava para fazer".
O psicanalista Tenório Lima, em seguida, levou a película ao divã ou, ao contrário, a psicanálise para a sala escura. Segundo ele, a obra tem duas vertentes. A primeira é a preocupação com a linguagem, a protagonista presente em todos os blocos aparentemente desconectados do filme.
Exemplo dessa preocupação seria uma fala inicial, feita pelo cineasta Júlio Bressane, sobre o significado da palavra prosa no português, em que, além de designar um gênero literário, o termo se confunde com a própria fala.
A outra -e aí ele estabeleceu ligações com a construção teórica de Freud, o fundador da psicanálise, e sua teoria da sexualidade infantil- é a primazia do corpo dos "atores", expressa nas falas, danças e músicas. Destacou ainda o viés autobiográfico do trabalho, confrontando-o com o livro "Verdade Tropical", cuja narrativa segue mais uma linha cronológica.
Concordando, Caetano disse ter registrado no filme a maneira como ele se relaciona com as idéias presentes nos textos que lê. Numa das sequências, por exemplo, o ensaísta e tradutor Paulo Cesar Souza declama em alemão (com legendas) um texto em que o escritor alemão Thomas Mann problematiza as relações entre amor, fidelidade, homossexualismo e estética.
Mann diz que só há erotismo na homossexualidade, na masculina, a bem dizer, terreno em que existem as condições para uma relação estético-orgiástica. Embora discorde de Mann, Caetano declara que a presença dessa discussão sobre homossexualismo corresponde à relevância que o tema tem em suas preocupações intelectuais.
Segundo o diretor, o maior fracasso do filme foi que as pessoas ligadas à produção de cinema e à crítica cinematográfica não se dispuseram a aproveitar as sugestões presentes no trabalho. Caetano disse não ter sentido que o "organismo" dos que fazem cinema no Brasil tenha reagido ao filme.
Desde junho, o ciclo promoveu nove exibições seguidas de debates. Para o ano, uma nova versão do evento será planejada. (MVS)


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