|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Cantor participa de discussão sobre "Cinema Falado", dirigido por ele, na Sala Cinemateca Folha, anteontem
Caetano Veloso debate idéias e filme
da Reportagem Local
Numa entrevista em 1993, Caetano Veloso criticava algumas das letras de suas músicas, que seriam
muito cheias de opiniões: "Coisas
que eu quero falar em conversa e
que eu acabo botando nas letras,
para ir desabafando, para não encher demais o saco dos meus amigos", dizia.
Na noite de anteontem, apesar da
chuva forte, faltaram lugares na sala Cinemateca Folha, na Vila Mariana, para acomodar todos os que
foram assistir a apresentação do
filme "Cinema Falado" (1986), dirigido por Caetano, no encerramento do ciclo "Cinema e Psicanálise - 100 anos", promovido em
conjunto pela Sociedade Amigos
da Cinemateca e a Sociedade Brasileira de Psicanálise.
O próprio diretor e compositor
participou do debate ocorrido
após o filme, dividindo a mesa
com os psicanalistas Luiz Tenório
Oliveira Lima e Leopold Nosek, a
presidente da Sociedade, Cosette
Alves, e o mediador Matinas Suzuki Jr., diretor editorial-adjunto da
editora Abril.
O filme mescla monólogos, diálogos, com textos de Caetano e de
outros autores. Aborda questões
estéticas e existenciais apresentadas na forma de textos de vários
autores, além de paródias de autoria do próprio Caetano e performances musicais, agrupados como
se o autor procurasse concentrar
no filme suas idéias e, talvez sem
razão, evitar "encher demais o saco dos amigos" nas conversas.
De plano, no início do debate,
Caetano assinalou ter feito o filme
com pouco planejamento e produção, deixado "correr fora do controle", pois desejava mais "saber se
dava para fazer".
O psicanalista Tenório Lima, em
seguida, levou a película ao divã
ou, ao contrário, a psicanálise para
a sala escura. Segundo ele, a obra
tem duas vertentes. A primeira é a
preocupação com a linguagem, a
protagonista presente em todos os
blocos aparentemente desconectados do filme.
Exemplo dessa preocupação seria uma fala inicial, feita pelo cineasta Júlio Bressane, sobre o significado da palavra prosa no português, em que, além de designar
um gênero literário, o termo se
confunde com a própria fala.
A outra -e aí ele estabeleceu ligações com a construção teórica
de Freud, o fundador da psicanálise, e sua teoria da sexualidade infantil- é a primazia do corpo dos
"atores", expressa nas falas, danças e músicas. Destacou ainda o
viés autobiográfico do trabalho,
confrontando-o com o livro "Verdade Tropical", cuja narrativa segue mais uma linha cronológica.
Concordando, Caetano disse ter
registrado no filme a maneira como ele se relaciona com as idéias
presentes nos textos que lê. Numa
das sequências, por exemplo, o ensaísta e tradutor Paulo Cesar Souza
declama em alemão (com legendas) um texto em que o escritor
alemão Thomas Mann problematiza as relações entre amor, fidelidade, homossexualismo e estética.
Mann diz que só há erotismo na
homossexualidade, na masculina,
a bem dizer, terreno em que existem as condições para uma relação
estético-orgiástica. Embora discorde de Mann, Caetano declara
que a presença dessa discussão sobre homossexualismo corresponde à relevância que o tema tem em
suas preocupações intelectuais.
Segundo o diretor, o maior fracasso do filme foi que as pessoas ligadas à produção de cinema e à
crítica cinematográfica não se dispuseram a aproveitar as sugestões
presentes no trabalho. Caetano
disse não ter sentido que o "organismo" dos que fazem cinema no
Brasil tenha reagido ao filme.
Desde junho, o ciclo promoveu
nove exibições seguidas de debates. Para o ano, uma nova versão
do evento será planejada.
(MVS)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|