São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

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NINA HORTA

Perguntas e respostas


Saí da análise. Freud me aconselhou a tentar ganhar dinheiro com o que eu fazia melhor


BOM, ESTOU aqui respondendo, ainda, as perguntas que me foram feitas na Casa do Saber.
Como usar nossas potencialidades e ganhar dinheiro? Foi uma estudante de culinária, ansiosa, de óculos redondos, parecendo depender das minhas palavras para sobreviver, que me fez essa pergunta. Não tinha uma resposta pronta, para variar. Fui pensar em casa.
Bom, depois de criar os filhos, fazer uma faculdade, fui ao Freud. Como a estudante de óculos, eu também queria saber o que era melhor. Ficar cozinhando ou dar aulas de metodologia científica?
Saí da análise, filhos já na rua, madura para cair no mercado de trabalho. Freud me aconselhou a tentar ganhar dinheiro com o que eu fazia melhor, que era uma mistura das atividades anteriores. Família, bandeirantismo (comunidade, disciplina, trabalho em grupo, imaginação), comida. Abri um bufê, quem diria, sr. Freud! E escrever não dá quando a necessidade é sustento, mas faz toda a diferença na vida.
E, reparem, ansiosas mulheres que acham que perderam o bonde ficando em casa. Comecem agora! Aproveitem o que juntamos de sabedoria e... rua, pasta debaixo do braço, bater perna, atender clientes, enfrentar trânsito bravo, aporrinhar os homens, ganhar deles na "rat race", cair na cama exausta pelo dever cumprido.
Não há quem nos impeça de desenvolver nossas possibilidades. Se elas existem, é quase natural que desabrochem, se não existem, podadas por qualquer coisa que seja, vamos desenvolvê-las alegremente, com humor, só atentas para não cairmos na mesma cela com outra decoração.
E fazer o percurso inverso, como fiz, não foi ruim. Adorei casar com 19 anos. Adorei. Quem quer coisa melhor do que ficar casada com o homem de quem se gosta o maior tempo possível? E, se começa a não dar certo, você ainda é uma menina para começar tudo de novo... O mercado de trabalho foi um divertimento novo, um prazer, mas não me tirou dos trilhos. Acredito com fervor na domesticidade. (De homens e mulheres, tanto faz.)
Bem, no meu caso, o hobby foi contemplado. Tive sorte de achar uma sócia adorável, abrimos o negócio, sem capital e com poucos riscos e muita fé e garra. A Folha me convidou para escrever uma coluna. "Late bloomer" nos dois.
Sorte que o foco era o mesmo e daí nasceram as viagens para comer, a livralhada de culinária em busca de ideias novas, a ida a restaurantes bons, a atenção ilimitada nos novos ingredientes. Só pensava e só fazia isso, dia e noite. (Não fui uma avó como gostaria de ter sido).
Acompanhei a carreira de nossos cozinheiros, comecei a frequentar o seminário de Oxford, uma vez por ano, encontrei Jeffrey Steingarten, na sua fase mais curiosa, Alan Davidson, um homem excepcional, enquanto elaborava seu dicionário, Hervé This bolando químicas, tudo muito engraçado porque tremendamente teórico. Quando nós engatinhávamos nas receitas, eles bizantinamente se curvavam sobre a xícara de chá se perguntando se o leite deveria ir antes ou depois ou sobre os efeitos do rabo de carneiro gordo na Suméria.
O bufê já dura 26 anos, a Folha também. Espero que ainda durem por um bom tempo. Vantagens de se começar a trabalhar tarde.

ninahorta@uol.com.br


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