São Paulo, sábado, 13 de fevereiro de 2010

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Crítica/"Destino: Poesia"

Artificialismo marca antologia de poesia

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No ar, antes de mergulhar, é o tempo comum em que respira a poesia de Ana Cristina César, de Cacaso, de Paulo Leminski, de Torquato Neto e de Waly Salomão, agora reunidos na antologia "Destino: Poesia", selecionada e prefaciada por Italo Moriconi. Fora com o passado, refúgio sagrado da poesia de todos os tempos, e mesmo com o futuro, outro gancho escapista.
O não lugar dessa poesia é o agora -e nem mesmo o agora do presente, mas algum outro ainda mais inagarrável: o agora-já, a véspera do salto do trapezista, quando o risco e o prazer estão tão juntos que é impossível identificá-los.
O manifesto de Ana Cristina resume-se a um segura a bola. O coração de Cacaso segue cego e feliz como uma carta extraviada, na alegria insegura da desorientação. Em vez dos percalços, terreno difícil, mas de certa forma confortável, Leminski prefere os espasmos.
Na mesma tocada, Torquato Neto pede a quem perdeu a guerra, que agradeça aos vitoriosos. Perder, para quem habita esse tempo nodal, é certamente melhor do que ganhar, pois o tempo da vitória é calcado no futuro, em planejamentos e em progressões lineares.
E Waly Salomão não dá sopa, orgulha-se de ser preso por vadiagem, ama a algazarra -essa amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro e odeia a saudade, uma palavra a ser banida do uso corrente. Realmente, há um repertório comum na poesia entregue destes cinco poetas.
Embora os cinco tenham mesmo vivido poeticamente, no sentido de dedicarem-se de forma vital à poesia e também porque viveram do lado de fora do esquema utilitarista e mercantil da vida "normal", e embora todos eles tenham morrido precocemente, há algum artificialismo nesta reunião.
A utopia de suas vidas e de sua poesia e seu destino poético não são suficientes para agregar linguagens tão diferenciadas. Como comparar Ana Cristina, tão possuída pelo que vive e escreve, e Waly Salomão, tão lúcido do teatro de ser o outro de si? E o poema breve de Leminski, precioso e nipônico, ao poema breve de Cacaso, brincadeira à la Oswald de Andrade?
Da mesma forma, os poemas selecionados, além de chamarem atenção para o que é a poesia destes cinco poetas, acabam também por gritar pelo que ficou de fora. A palavra antologia, na verdade, tem uma derivação do ramo da botânica e referia-se, originalmente, ao gesto de colher flores. E até hoje, quando já não se refere mais às flores, fica a pergunta: como não escolher só as mais bonitas ou aquelas que servem ao arranjo desejado? "Destino: Poesia" caminha nesse fio de navalha.


DESTINO: POESIA

Organização: Italo Moriconi
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 28 (160 págs.)
Avaliação: bom




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