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Crítica/"O Leão e o Chacal Mergulhador"
Apesar do moralismo, clássico ainda é atual
RONALDO CORREIA DE BRITO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mamede Mustafa Jarouche deu uma contribuição de grande
valor à literatura brasileira, traduzindo o "Livro das Mil e Uma
Noites", trabalho que lhe rendeu várias premiações. Schopenhauer desprezava as obras
traduzidas, pois achava que os
tradutores pretendiam corrigir
e reelaborar os autores. O que
vemos em Jarouche é o cuidado
obsessivo em manter-se fiel aos
originais em árabe, dando-lhes
fluência e encantamento sem
escrever uma nova versão, como fez Antoine Galland.
A mais nova façanha de Jarouche é a tradução de "O Leão
e o Chacal Mergulhador", um
texto árabe sem assinatura de
um autor, que ganhou seu formato definitivo na Bagdá do século 12. Aqui não se trata de
uma coletânea de histórias do
gênero maravilhoso, como nas
"Mil e Uma Noites", mas de pequenas narrativas sapienciais,
ao estilo das fábulas clássicas,
contendo ensinamentos de toda natureza, provérbios e lições
morais.
O personagem a partir do
qual se elabora um fio narrativo, aglutinando inúmeras pequenas narrativas, é o Mergulhador, um chacal sábio, virtuoso, praticante do ascetismo,
que se aproximou do rei leão
com o fim de aconselhá-lo, ajudando-o na administração do
reino, em meio a uma corte de
intrigantes, sempre maquinando sua queda. O estilo narrativo, bem próprio da cultura árabe, pode tornar-se cansativo
para um leitor moderno, sobretudo ocidental.
Pegamos ao acaso a história
"O Carcereiro Corrupto", uma
trama em que se envolvem um
lobo e um tigre, servidores do
rei leão, suspeitos de deslealdade. Esses animais simbolizando
homens são postos à prova pelo
Mergulhador, que age como estrategista de guerra, discutindo
com o rei maneiras precisas de
bem governar. Por seu lado, os
nobres da corte montam ardis
para levar o Mergulhador à perdição, intrigando-o com o rei,
que nem sempre se mostra capaz de discernimento e bom
juízo.
A leitura claudica com a infinidade de sentenças, que de tão
repetidas se tornam maçantes:
o homem é morto por sua própria artimanha; tu és mais capaz de derrotar um inimigo poderoso que esteja descuidado
que um inimigo fraco vigilante;
não há como conviver com o
soberano e desconfiar dele; o
dotado de virtude está próximo
do coração do soberano tanto
na hora em que é desnecessário
como na hora em que é necessário; tu és mais capaz de não
fazer o que irás fazer do que reverter o que já fizeste.
Rudyard Kipling preconizava que ao escritor é dado criar a
fábula, mas não a moral da fábula. E Jean-Claude Carrière
eliminou da sua coleção de contos filosóficos do mundo inteiro todas as fábulas que sugerissem uma moral, uma recomendação de prudência comum,
criadas com o objetivo determinado de extrair uma conclusão, expressar uma pequena
ideia, associada à noção de conveniência ou de bom senso. Tudo o que "O Leão e o Chacal
Mergulhador" tem em excesso.
No entanto, é possível reconhecer no livro o mesmo conteúdo
de numerosos tratados de ética
e filosofia. Daí sua grande atualidade e mérito.
RONALDO CORREIA DE BRITO é escritor, autor
de "Galileia" (Alfaguara).
O LEÃO E O CHACAL MERGULHADOR
Tradução: Mamede Mustafa Jarouche
Editora: Globo
Quanto: R$ 30 (272 págs.)
Avaliação: ótimo
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