São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011

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CRÍTICA FAROESTE

Wayne moldou a imagem do Velho Oeste

Caixa com seis filmes do ator ajuda a afastar a ideia de que ele foi forjado pelo faroeste; na verdade, foi o contrário

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Ao longo dos anos, John Wayne (1907-1979) fez tantos faroestes que, ao fim, parecia um personagem moldado por eles. Na verdade, hoje é mais fácil perceber, filme após filme, "western" após "western", que John Wayne, o Duke como era conhecido, é que foi moldando o Velho Oeste à sua imagem.
A caixa da Paramount funciona como demonstração dessa evidência. A edição de "Terra Bruta" só enriquece a visão que se possa ter do Oeste e de seus heróis, já que impõe, também sob a direção de John Ford (1894-1973), uma outra personalidade essencial do cinema: James Stewart (1908-1997).
Começando pela caixa: pela primeira vez, um grupo de filmes com Wayne (e há vários) é composto, prioritariamente, por filmes bons ou ótimos, casos de "O Homem que Matou o Facínora" (1962), "El Dorado" (1966), "Rio Lobo" (1970), "Bravura Indômita" (1969), "Jake Grandão" (1971) e "Caminhos Ásperos" (1953).
Todos trazem um Duke maduro, imprimindo à maior parte dos personagens uma bem-humorada desilusão. Não, certamente, ao infeliz Tom Doniphon de "O Homem que Matou o Facínora", pistoleiro cujas habilidades (e prestígio) a chegada da lei formal relega ao passado.
É verdade que o Rooster Cogburn de "Bravura Indômita" não é também um otimista, mas o personagem recebe tratamento tímido em que o que mais conta é o humor e a rudeza.
O ex-militar de "Rio Lobo" também é um homem amargurado e com contas a acertar com o traidor que vendeu segredos da União aos Confederados na Guerra de Secessão. Mas, bem à moda de Hawks, ele pode ser amigo de um ex-soldado sulista. Não pode é conviver com traição.
"El Dorado", do mesmo Hawks, também é obra essencial, o que não é em parte pela fotografia do veterano Harold Rosson, que Hawks foi tirar da aposentadoria (seu fotógrafo habitual, Russell Harlan, estava ocupado).
Em compensação, a parceria com Robert Mitchum e a ideia do filme em torno da amizade de dois "cowboys" que envelhecem -com muito humor- fazem de "El Dorado" um filme obrigatório.

ÍNDIOS E BRANCOS
Bem mais delicado que o de "El Dorado" ou de um filme menor como "Jake Grandão" é o trajeto de Hondo Lane em "Caminhos Ásperos". Hondo, claro, é John Wayne, que deve ir a território apache em busca de uma mulher branca e de seu filho.
Se a caixa (que na verdade é uma lata onde espera-se mais encontrar biscoitos) merece ser vista, apenas "Caminhos Ásperos" traz extras dignos desse nome.
No entanto, a maior virtude do filme é nos levar a "Terra Bruta" (1961), de John Ford, que não faz parte do pacote e no qual quem responde pelo papel principal é James Stewart, e não Wayne.
Se no faroeste fordiano (e em todos os outros), John Wayne representa certa rudeza do homem do Oeste, se o traço forte de Henry Fonda é o idealismo, o que caracteriza Stewart é o cinismo. E é difícil imaginar alguém mais cínico, argentário e elegantemente corrupto que o xerife McCabe que ele interpreta.
Este faroeste de 1961 é, sem dúvida, um dos mais ricos da obra de Ford justamente por encarar a complexidade das relações entre brancos e índios sem facilitar a vida de nenhum deles.
Ou, para falar com franqueza: neste momento, Ford está reavaliando a tomada do território indígena pelo homem branco. E o civilizado (sobretudo o ultracristão, como é hábito no seu cinema) sairá dessa aventura, afinal, mais chamuscado que os comanches.


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