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MÚSICA
Bloco afro mais antigo e tradicional da Bahia lança CD comemorativo com participações de Milton e Daúde
Ilê Aiyê chega aos 25 e reclama da axé
SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada
O bloco afro Ilê Aiyê, uma das
mais importantes entidades negras da Bahia (o nome significa
"casa dos negros"), chega aos 25
anos lamentando que, entre os
frutos de seu trabalho, tenha impulsionado a indústria da axé music.
"Introduzimos a batida afro e
mudamos as cores do Carnaval,
mas o que o mercado fez com a
chamada "axé", colocando guitarra
e teclado em tudo e associando a
produção artística com o patrocínio de grandes empresas, tornou a
disputa com nosso projeto cultural impossível", disse Antonio
Carlos dos Santos, o Vovô, líder do
grupo, em entrevista à Folha.
Apesar do lançamento do CD comemorativo "Ilê Aiyê - 25 Anos",
com participações de Milton Nascimento e Daúde e produção de
Arto Lindsay, o bloco tem pouco a
comemorar. "A falta de patrocínio
dificulta tudo, da gravação dos
discos até a viabilização de
shows", diz Vovô. "O fato de termos só quatro CDs é reflexo de
nossa dificuldade em lidar com a
mídia."
Batida baiana
O Ilê Aiyê é o bloco afro mais antigo e tradicional da Bahia. Vovô,
ao lado de Apolinário de Jesus,
criou o grupo em 1974, inspirado
pelo movimento negro norte-americano "black power". Desde
sua primeira aparição na avenida,
em 1975, começou a transformar a
musicalidade do Carnaval baiano.
"Antes, a festa era com ritmos de
pernambuco, como o frevo. Com o
Ilê, a batida baiana ficou mais característica", diz Vovô. A inovação
veio também nas cores da festa,
com o surgimento dos abadás em
preto, vermelho, amarelo e branco, em detrimento das mortalhas.
O Carnaval baiano era, nos seus
primórdios e até o fim do século
19, uma festa das elites (chamava-se Entrudo). "Mudamos isso, valorizando um padrão musical e de
beleza negros", diz Vovô.
O grupo atua, desde sua fundação, em outras áreas além da música, e tem o apoio de órgãos internacionais, como a Unicef, em alguns projetos. Esporadicamente,
os membros do grupo dão workshops de percussão no exterior.
Mas, a maior preocupação do
bloco é a transmissão da cultura
negra.
O Ilê tem uma escola e já lançou
três livros didáticos: "Organização
de Resistência Negra", "Civilização Bantu" e um sobre a trajetória
de Zumbi. Além disso, promove
discussões e cursos sobre candomblé e cultura negra.
Racismo
Vovô tem participado de debates
sobre a discriminação em relação
ao negro no Carnaval baiano. A
questão racial é um dos temas mais
recorrentes do Ilê.
"O Brasil deveria se assumir racista de uma vez por todas, a discriminação disfarçada é a pior delas", completa.
Para ele, a criação do Ilê foi um
ato político e defender a causa dos
negros neste âmbito é uma obrigação, daí a participação no "Grito
dos Excluídos" e a insistência de
Vovô para que os integrantes do
grupo sejam politizados.
No ano passado, o tema do desfile do bloco foi a República Popular
da Guiné, ex-colônia francesa na
África Ocidental que conquistou
sua independência política em
1958.
Os 25 anos serão comemorados
com desfile no circuito tradicional
do Carnaval baiano (Campo
Grande - Praça Castro Alves) e outro na Liberdade, bairro de maioria negra onde o grupo é sediado.
Há cinco anos atrás, o bloco havia preparado uma missa, para a
comemoração dos seus 20 anos,
que acabou não acontecendo pois
o então arcebispo de Salvador,
Dom Lucas Moreira Neves, vetou
sua realização, alegando que haveria referências ao candomblé.
O Ilê Aiyê se distanciou dos outros blocos afro da Bahia, pregando um rigor maior nos seus preceitos, como não aceitar brancos e
não se curvar ao mercado. Vovô
foi um crítico severo, por exemplo, da gravação do clipe de Michael Jackson com o Olodum em
1996, no Pelourinho, em Salvador,
alegando que o cantor norte-americano tinha "renegado sua raça".
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