São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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MÚSICA
Bloco afro mais antigo e tradicional da Bahia lança CD comemorativo com participações de Milton e Daúde
Ilê Aiyê chega aos 25 e reclama da axé


SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada

O bloco afro Ilê Aiyê, uma das mais importantes entidades negras da Bahia (o nome significa "casa dos negros"), chega aos 25 anos lamentando que, entre os frutos de seu trabalho, tenha impulsionado a indústria da axé music.
"Introduzimos a batida afro e mudamos as cores do Carnaval, mas o que o mercado fez com a chamada "axé", colocando guitarra e teclado em tudo e associando a produção artística com o patrocínio de grandes empresas, tornou a disputa com nosso projeto cultural impossível", disse Antonio Carlos dos Santos, o Vovô, líder do grupo, em entrevista à Folha.
Apesar do lançamento do CD comemorativo "Ilê Aiyê - 25 Anos", com participações de Milton Nascimento e Daúde e produção de Arto Lindsay, o bloco tem pouco a comemorar. "A falta de patrocínio dificulta tudo, da gravação dos discos até a viabilização de shows", diz Vovô. "O fato de termos só quatro CDs é reflexo de nossa dificuldade em lidar com a mídia."

Batida baiana
O Ilê Aiyê é o bloco afro mais antigo e tradicional da Bahia. Vovô, ao lado de Apolinário de Jesus, criou o grupo em 1974, inspirado pelo movimento negro norte-americano "black power". Desde sua primeira aparição na avenida, em 1975, começou a transformar a musicalidade do Carnaval baiano. "Antes, a festa era com ritmos de pernambuco, como o frevo. Com o Ilê, a batida baiana ficou mais característica", diz Vovô. A inovação veio também nas cores da festa, com o surgimento dos abadás em preto, vermelho, amarelo e branco, em detrimento das mortalhas.
O Carnaval baiano era, nos seus primórdios e até o fim do século 19, uma festa das elites (chamava-se Entrudo). "Mudamos isso, valorizando um padrão musical e de beleza negros", diz Vovô.
O grupo atua, desde sua fundação, em outras áreas além da música, e tem o apoio de órgãos internacionais, como a Unicef, em alguns projetos. Esporadicamente, os membros do grupo dão workshops de percussão no exterior.
Mas, a maior preocupação do bloco é a transmissão da cultura negra.
O Ilê tem uma escola e já lançou três livros didáticos: "Organização de Resistência Negra", "Civilização Bantu" e um sobre a trajetória de Zumbi. Além disso, promove discussões e cursos sobre candomblé e cultura negra.

Racismo
Vovô tem participado de debates sobre a discriminação em relação ao negro no Carnaval baiano. A questão racial é um dos temas mais recorrentes do Ilê.
"O Brasil deveria se assumir racista de uma vez por todas, a discriminação disfarçada é a pior delas", completa.
Para ele, a criação do Ilê foi um ato político e defender a causa dos negros neste âmbito é uma obrigação, daí a participação no "Grito dos Excluídos" e a insistência de Vovô para que os integrantes do grupo sejam politizados.
No ano passado, o tema do desfile do bloco foi a República Popular da Guiné, ex-colônia francesa na África Ocidental que conquistou sua independência política em 1958.
Os 25 anos serão comemorados com desfile no circuito tradicional do Carnaval baiano (Campo Grande - Praça Castro Alves) e outro na Liberdade, bairro de maioria negra onde o grupo é sediado.
Há cinco anos atrás, o bloco havia preparado uma missa, para a comemoração dos seus 20 anos, que acabou não acontecendo pois o então arcebispo de Salvador, Dom Lucas Moreira Neves, vetou sua realização, alegando que haveria referências ao candomblé.
O Ilê Aiyê se distanciou dos outros blocos afro da Bahia, pregando um rigor maior nos seus preceitos, como não aceitar brancos e não se curvar ao mercado. Vovô foi um crítico severo, por exemplo, da gravação do clipe de Michael Jackson com o Olodum em 1996, no Pelourinho, em Salvador, alegando que o cantor norte-americano tinha "renegado sua raça".


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