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FOLCLORE
Artista pernambucano teve que vender seus bonecos há 18 anos e volta com a peça infantil "Cadê o Meu
Herói'
Mestre Saúba retoma a arte do mamulengo
VALMIR SANTOS
especial para a Folha
Carpina, cidade pernambucana
a 65 km de Recife, viveu nesta semana o seu dia mais animado de
Carnaval. O bloco do Papangu
atraiu milhares de pessoas, entre
elas mestre Saúba, o criador do boneco que dá nome ao bloco.
"Você aí em São Paulo já ouviu
falar de alguém ou alguma coisa
chamada Papangu?", pergunta
Saúba, ou Anttônio Elias da Silva,
46. "Não tem significado algum,
mas é o nome que o povo escolheu." O boneco Papangu mede 2
m de altura e pode dobrar de tamanho quando carregado no bloco.
Analfabeto, autodidata ("devo
parte do meu aprendizado a Deus e
a mestre Pedro Rosa, já morto"),
Saúba é um multiartista popular.
Atua como dançarino, músico,
compositor, poeta, ventríloquo,
artesão, enfim, habilidades gestadas a partir do seu ofício maior:
mamulengueiro.
Dona Quitéria, Mané Pacaru,
Dona Lilia, João Gago, Simão, Coquinho, Laré e Dona Liprosina são
alguns dos personagens nascidos
pelas "mãos molengas" desse pernambucano de Carpina que já trabalhou com Alceu Valença, Marisa
Monte e Antônio Nóbrega. Seus
bonecos também já apareceram na
Globo ("Roque Santeiro", "Som
Brasil") e exposições pelo mundo.
Mas sãos louros do passado. Faz
18 anos que Saúba (a saúva no Nordeste) não cria e nem brinca com
seus mamulengos.
Ele parou depois que se viu obrigado a vender duas caixas com 56
bonecos produzidos ao longo da
vida. Não recorda a quantia, mas
destinou o dinheiro para o pagamento de sua dívida com os "fogazões", como são chamados os artistas que se apresentavam (ou "jogavam") com ele em Carpina.
A prefeitura não lhe pagava pelas
apresentações contratadas, e ele
tampouco tinha condições de garantir o ganha-pão dos colegas.
"Para não fazer questão com ninguém", diz, vendeu tudo aos donos
de uma usina de açúcar da cidade.
"Foi uma loucura que fiz", diz.
Dias depois, em visita à casa dos
compradores, Saúba chorou quando viu alguns mamulengos pendurados na parede, "mortos, sem
mensagem alguma". "Era como se
cada um deles dissessem para
mim: "Rapaz, tu brincavas tanto
comigo e agora me deixas abandonado em casa de barão. Eu era satisfeito na vida e hoje me acho preso, acorrentado". Doeu muito."
"Cada mamulengo é como um
catimbó, uma magia; cada um tem
sua voz, sua música, sua embolada;
cada um dá a sua mensagem espiritual; cada um é uma vida."
Saúba descobriu São Paulo há
cinco anos. Mora em Itapecerica
da Serra (SP), cidade próxima a
Embu das Artes, onde vende esculturas na feira de artesanatos.
Somente no ano passado o fantasma dos bonecos vendidos começou a desassombrar o artista.
Convidado a trabalhar na montagem da peça infantil "Cadê o Meu
Herói", em cartaz no Centro Cultural São Paulo, ele enfim resgatou
a lida com a escultura de bonecos,
dessa vez em intercâmbio com os
bonequeiros Yang Feng (chinês) e
Horácio Tignarelli (argentino).
Foi a deixa para irromper a vontade de brincar. "Quero recriar todos os meus mamulengos, juntar
zabumbeiro, um "triangueiro" e
mostrar para o povo que a minha
arte não morreu", anuncia.
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