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Os mendigos são parnasianos
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Causou maior azáfama na imprensa a declaração do histriônico
ministro do Turismo e dos Esportes, Rafael Greca, estetizando o
quadro de miséria nas ruas das cidades brasileiras, como se cada
mendigo fosse um Charles Chaplin
jubiloso a nossos olhos e ouvidos.
De minha parte, nenhuma surpresa. O ministro do PFL é o "right
man in the right place". Sua linguagem kitsch e afrescalhada
-camp, diria minha amiga Susan
Sontag- é a lídima expressão da
civilidade hedonística e exibicionista que tomou conta das elites
empresariais e intelectuais nas últimas décadas, sobretudo a partir
dos anos 80, em que o rico-hombre
não terá nenhum pudor em exibir
seu consumo conspícuo em meio à
deprimente pindaíba generalizada
da sociedade brasileira.
Estamos condenados à civilidade
genocida, conivente e justificadora
da lamentável transição da pobreza à mendicância coletiva. A linguagem cínico-hedonística do ministro não é, pois, nenhuma exceção, pois a atitude esnobe do marajá brasileiro -a burguesia mais
gostosa e caliente do mundo, como
cantam os poetas eróticos da
MPB- faz parte da "cultura" desfrutável veiculada diuturnamente
pelos "medias", dando ênfase cada
vez mais à fotografia pornô, que
exibe o viver luxuoso e nababesco
do "carpe diem" made in Brasil.
Dom Miguel de Unamuno, o
grande escritor e filólogo espanhol, dizia que a linguagem é o
sangue do espírito, de modo que o
dândi rabelaisiano do Paraná, alçado ao Ministério do Desporto e
Turismo, é a estrela videomidiática que sobe no governo de FHC 2,
tendo como álibi ideológico a
"dolce vita" que se seguiu à decadência do marxismo e do ocaso do
Muro de Berlim.
Este seu nome engraçado e andrógino, que virou Rafael la Breca,
será o personagem católico subfelliniano da chanchada tucana, contracenando com o sóbrio e puritano protestante merquioriano, Celso Lafer, o ministro da Produção e
da mais valia relativa. Assim, entre
um e outro exemplar, há, no entanto, a convergência cultural: desculpabilizar os ricos de serem ricos, posto que os pobres são tidos
como responsáveis pela pobreza.
A mídia televisiva, tão ciosa do
talento operístico de Jô Soares, dará com certeza um close simpático
na figura do novo ministro sportman -o Alan Delon da nouvelle
vague de Curitiba.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor
de ciências sociais da Universidade Federal de
Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre outros
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