São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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Os mendigos são parnasianos

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

Causou maior azáfama na imprensa a declaração do histriônico ministro do Turismo e dos Esportes, Rafael Greca, estetizando o quadro de miséria nas ruas das cidades brasileiras, como se cada mendigo fosse um Charles Chaplin jubiloso a nossos olhos e ouvidos.
De minha parte, nenhuma surpresa. O ministro do PFL é o "right man in the right place". Sua linguagem kitsch e afrescalhada -camp, diria minha amiga Susan Sontag- é a lídima expressão da civilidade hedonística e exibicionista que tomou conta das elites empresariais e intelectuais nas últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 80, em que o rico-hombre não terá nenhum pudor em exibir seu consumo conspícuo em meio à deprimente pindaíba generalizada da sociedade brasileira.
Estamos condenados à civilidade genocida, conivente e justificadora da lamentável transição da pobreza à mendicância coletiva. A linguagem cínico-hedonística do ministro não é, pois, nenhuma exceção, pois a atitude esnobe do marajá brasileiro -a burguesia mais gostosa e caliente do mundo, como cantam os poetas eróticos da MPB- faz parte da "cultura" desfrutável veiculada diuturnamente pelos "medias", dando ênfase cada vez mais à fotografia pornô, que exibe o viver luxuoso e nababesco do "carpe diem" made in Brasil.
Dom Miguel de Unamuno, o grande escritor e filólogo espanhol, dizia que a linguagem é o sangue do espírito, de modo que o dândi rabelaisiano do Paraná, alçado ao Ministério do Desporto e Turismo, é a estrela videomidiática que sobe no governo de FHC 2, tendo como álibi ideológico a "dolce vita" que se seguiu à decadência do marxismo e do ocaso do Muro de Berlim.
Este seu nome engraçado e andrógino, que virou Rafael la Breca, será o personagem católico subfelliniano da chanchada tucana, contracenando com o sóbrio e puritano protestante merquioriano, Celso Lafer, o ministro da Produção e da mais valia relativa. Assim, entre um e outro exemplar, há, no entanto, a convergência cultural: desculpabilizar os ricos de serem ricos, posto que os pobres são tidos como responsáveis pela pobreza.
A mídia televisiva, tão ciosa do talento operístico de Jô Soares, dará com certeza um close simpático na figura do novo ministro sportman -o Alan Delon da nouvelle vague de Curitiba.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre outros

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