São Paulo, terça-feira, 13 de março de 2001

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LITERATURA
Vídeo acompanha livro da jornalista Denise Assis e traz 14 curtas esquecidos por três décadas no Arquivo Nacional

Obra liga cinema brasileiro a regime militar

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma parte pouco nobre da cinematografia nacional volta à cena com o lançamento hoje, no Rio, do livro "Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe", da jornalista Denise Assis. Uma fita de vídeo acompanha o livro e traz filmes esquecidos por 30 anos nas prateleiras do Arquivo Nacional.
São 14 curtas em preto-e-branco assinados pelo produtor Jean Manzon, sob os auspícios do Ipês (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), entre 1962 e 1964, com o objetivo de alertar o Brasil para a ameaça do comunismo e mostrar o "bom caminho" a ser seguido.
Para a jornalista, os filmetes fizeram mais: prepararam o terreno para o movimento militar de 1964. "Ninguém supõe a importância que teve o Ipês", diz Denise. "O golpe foi gerado, urdido, planejado, executado e concretizado pelo Ipês. Afirmo hoje que não foi um golpe militar. Foi um golpe da elite burguesa em defesa do capital privado."
No livro, o Ipês aparece como uma espécie de precursor das ONGs (Organizações Não-Governamentais), defendendo a democracia e fixando diretrizes para o país, mas com o objetivo oculto de propagandear a ação da sociedade contra a "ameaça" do comunismo.
Os textos dos filmes não trazem mensagens diretas contra o presidente João Goulart nem preconizam qualquer ação relacionada aos militares, mas seu anticomunismo convoca à mobilização, sobretudo em "O Que É o Ipês?", em que se esclarece o que o instituto quer do país e dos brasileiros.
As imagens de Fidel Castro e da revolução cubana são alternadas com as de Adolf Hitler na Alemanha, e logo Kruschev, Stálin e Lênin, todos sobrepostos em seguida com a suástica nazista. "Não há Fidel Castro sem (Fulgêncio) Baptista que o preceda", diz o locutor Luiz Jatobá, que narrou todos os filmes, alertando para que não se crie no Brasil situação propícia ao surgimento do comunismo. No final, sugere: "Ação!".
"Como fachada, era um instituto que pensava o país, que aprofundava as grandes reformas, que dava palestras, que formava os executivos da época, que importava as teorias econômicas e de gestão de grandes empresas norte-americanas para cá", diz a autora. "Mas, no bastidor, esses senhores sabiam muito bem o que queriam, a conspiração era feita na encolha."
O instituto era financiado por empresas privadas. As mais importantes delas, listadas no livro, foram as Listas Telefônicas Brasileiras, a Light, a empresa de transporte aéreo Cruzeiro do Sul, a Refinaria União e a Indústria e Comércio de Minerais (Icomi).
O autor dos roteiros não aparece nos filmes e a revelação, por Denise Assis, do nome por trás dos textos é responsável pela maior polêmica em torno do livro. Seria o escritor Rubem Fonseca, que na época integrava o comitê executivo do Ipês.
O nome do escritor não aparece muitas vezes, e a jornalista até teme que seu trabalho de pesquisa seja ofuscado por esse dado, que considera secundário. Afirma a autoria, com base em um bilhete em que são citadas as iniciais "JRF" (de José Rubem Fonseca) como sendo o responsável pelas modificações nos roteiros e no testemunho de um sobrevivente do instituto. "Tenho certeza de que foi o roteirista, mas o verdadeiro papel de Rubem Fonseca nos filmes quem deve dizer é ele", diz Denise.
Rubem Fonseca, que não dá entrevistas, procurado pela Folha por meio de sua editora, a Companhia das Letras, não se pronunciou sobre o assunto. Há duas semanas, em um fax enviado ao programa "Fantástico", da Rede Globo, ele não negou nem confirmou a autoria dos roteiros, mas desmentiu qualquer ligação com os que tramaram o movimento militar de 1964.
"Já ouvi histórias de que eu teria colaborado com o governo militar, o que é uma deslavada e estúpida falsidade. Se algum papel desempenhei durante a ditadura militar, foi o de vítima", afirma Fonseca no fax. Segundo ele, como um dos diretores da instituição, que deixou depois do golpe, atuava com o objetivo de "oferecer ao governo subsídios que contribuíssem para a solução dos problemas que o país enfrentava, ao mesmo tempo em que buscava mobilizar a opinião pública no sentido do fortalecimento dos valores democráticos".
Para o escritor José Louzeiro, que analisa os filmes do Ipês no livro, o roteirista fez bem mais do que isso. "O jornalista que funcionava como roteirista era um profissional competente e tinha muito cuidado com a sua imagem: nunca aparecia nos créditos", escreve Louzeiro, para quem a objetividade do roteirista era sua maior qualidade.
"Seus curtas batem na tecla do "é preciso mudar", do contrário, os "vermelhos" assumirão o comando do navio. E como mudar? Aí reside o talento do roteirista que, trabalhando num tempo limitadíssimo, conseguiu passar mensagens que, sem dúvida, tiveram o efeito que desejavam os patrocinadores."



Livro: Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe
Autora: Denise Assis
Editora: Mauad/Faperj Quanto: R$ 24 (100 págs.) Lançamento: hoje, às 19h, no Museu do Catete (r. do Catete, 153, tel. 0/xx/21/ 533-0161, Rio)




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