|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
Vídeo acompanha livro da jornalista Denise Assis e traz 14 curtas esquecidos por três décadas no Arquivo Nacional
Obra liga cinema brasileiro a regime militar
CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma parte pouco nobre da cinematografia nacional volta à cena
com o lançamento hoje, no Rio,
do livro "Propaganda e Cinema a
Serviço do Golpe", da jornalista
Denise Assis. Uma fita de vídeo
acompanha o livro e traz filmes
esquecidos por 30 anos nas prateleiras do Arquivo Nacional.
São 14 curtas em preto-e-branco assinados pelo produtor Jean
Manzon, sob os auspícios do Ipês
(Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais), entre 1962 e 1964, com o
objetivo de alertar o Brasil para a
ameaça do comunismo e mostrar
o "bom caminho" a ser seguido.
Para a jornalista, os filmetes fizeram mais: prepararam o terreno para o movimento militar de
1964. "Ninguém supõe a importância que teve o Ipês", diz Denise. "O golpe foi gerado, urdido,
planejado, executado e concretizado pelo Ipês. Afirmo hoje que
não foi um golpe militar. Foi um
golpe da elite burguesa em defesa
do capital privado."
No livro, o Ipês aparece como
uma espécie de precursor das
ONGs (Organizações Não-Governamentais), defendendo a democracia e fixando diretrizes para o
país, mas com o objetivo oculto
de propagandear a ação da sociedade contra a "ameaça" do comunismo.
Os textos dos filmes não trazem
mensagens diretas contra o presidente João Goulart nem preconizam qualquer ação relacionada
aos militares, mas seu anticomunismo convoca à mobilização, sobretudo em "O Que É o Ipês?", em
que se esclarece o que o instituto
quer do país e dos brasileiros.
As imagens de Fidel Castro e da
revolução cubana são alternadas
com as de Adolf Hitler na Alemanha, e logo Kruschev, Stálin e Lênin, todos sobrepostos em seguida com a suástica nazista. "Não há
Fidel Castro sem (Fulgêncio) Baptista que o preceda", diz o locutor
Luiz Jatobá, que narrou todos os
filmes, alertando para que não se
crie no Brasil situação propícia ao
surgimento do comunismo. No
final, sugere: "Ação!".
"Como fachada, era um instituto que pensava o país, que aprofundava as grandes reformas, que
dava palestras, que formava os
executivos da época, que importava as teorias econômicas e de
gestão de grandes empresas norte-americanas para cá", diz a autora. "Mas, no bastidor, esses senhores sabiam muito bem o que
queriam, a conspiração era feita
na encolha."
O instituto era financiado por
empresas privadas. As mais importantes delas, listadas no livro,
foram as Listas Telefônicas Brasileiras, a Light, a empresa de transporte aéreo Cruzeiro do Sul, a Refinaria União e a Indústria e Comércio de Minerais (Icomi).
O autor dos roteiros não aparece nos filmes e a revelação, por
Denise Assis, do nome por trás
dos textos é responsável pela
maior polêmica em torno do livro. Seria o escritor Rubem Fonseca, que na época integrava o comitê executivo do Ipês.
O nome do escritor não aparece
muitas vezes, e a jornalista até teme que seu trabalho de pesquisa
seja ofuscado por esse dado, que
considera secundário. Afirma a
autoria, com base em um bilhete
em que são citadas as iniciais
"JRF" (de José Rubem Fonseca)
como sendo o responsável pelas
modificações nos roteiros e no
testemunho de um sobrevivente
do instituto. "Tenho certeza de
que foi o roteirista, mas o verdadeiro papel de Rubem Fonseca
nos filmes quem deve dizer é ele",
diz Denise.
Rubem Fonseca, que não dá entrevistas, procurado pela Folha
por meio de sua editora, a Companhia das Letras, não se pronunciou sobre o assunto. Há duas semanas, em um fax enviado ao
programa "Fantástico", da Rede
Globo, ele não negou nem confirmou a autoria dos roteiros, mas
desmentiu qualquer ligação com
os que tramaram o movimento
militar de 1964.
"Já ouvi histórias de que eu teria
colaborado com o governo militar, o que é uma deslavada e estúpida falsidade. Se algum papel desempenhei durante a ditadura
militar, foi o de vítima", afirma
Fonseca no fax. Segundo ele, como um dos diretores da instituição, que deixou depois do golpe,
atuava com o objetivo de "oferecer ao governo subsídios que contribuíssem para a solução dos
problemas que o país enfrentava,
ao mesmo tempo em que buscava
mobilizar a opinião pública no
sentido do fortalecimento dos valores democráticos".
Para o escritor José Louzeiro,
que analisa os filmes do Ipês no livro, o roteirista fez bem mais do
que isso. "O jornalista que funcionava como roteirista era um profissional competente e tinha muito cuidado com a sua imagem:
nunca aparecia nos créditos", escreve Louzeiro, para quem a objetividade do roteirista era sua
maior qualidade.
"Seus curtas batem na tecla do "é
preciso mudar", do contrário, os
"vermelhos" assumirão o comando do navio. E como mudar? Aí
reside o talento do roteirista que,
trabalhando num tempo limitadíssimo, conseguiu passar mensagens que, sem dúvida, tiveram o
efeito que desejavam os patrocinadores."
Livro: Propaganda e Cinema a Serviço do
Golpe
Autora: Denise Assis
Editora: Mauad/Faperj
Quanto: R$ 24 (100 págs.)
Lançamento: hoje, às 19h, no Museu do
Catete (r. do Catete, 153, tel. 0/xx/21/
533-0161, Rio)
Texto Anterior: Download: O novo e o velho Radiohead Próximo Texto: Trechos Índice
|