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ARNALDO JABOR
Itamaraty tem de lutar contra a "síndrome do sapo"
Você já negociou com americano? Eu já. Claro que no
micromundo do cinema, quando
vendi filmes para eles. E vos digo:
não há a mais remota chance de
"colher-de-chá", de simpatia, de
"quebra-meu-galho". Não existe
isso. Os ingênuos marxistazinhos
do cinema viam neles complôs do
capitalismo querendo nos "alienar ideologicamente", e eles só
pensavam no tutu do mercado.
Ideologia para eles é só isso. Eles
não negociam para chegar a um
objetivo; o objetivo mercantil vem
antes, e tudo vale para alcançá-lo,
até a guerra.
Sobre isso, houve dois fatos importantíssimos.
Primeiro, um artigo extraordinário do embaixador Rubens Ricupero na Folha de 11 de fevereiro
de 2001, em plena guerra da vaca
louca. Depois, a entrevista para o
"Valor" do embaixador Samuel
Pinheiro Guimarães, autor do livro "500 Anos de Periferia", disponível no site www.global21.
com.br. Essa entrevista causou alvoroço entre os diplomatas, zonzos entre carreira e liberdade, hesitantes entre um chic internacionalismo e a dura defesa de nosso
país. Negam, desconversam, mas
essa entrevista quase causou a
"lei da mordaça" na casa de Rio
Branco, saudoso defensor de nossas fronteiras.
Claro que o "bullshit" neo-liberal-global condena falar em "imperialismo" hoje como sendo
uma gafe. Fazem boquinha de
nojo: "Ai, que antigo!!!". Mas imperialismo é ainda a melhor palavra. Que é, senão "imperialismo",
a política de sabotagem às patentes e aos nossos genéricos, pela indústria farmacêutica norte-americana, agora com apoio de Bush,
eleito com a grana deles? (Prepare-se, Zé Serra, que eles vêm aí
com a sétima cavalaria!) Os dois
embaixadores, Pinheiro Guimarães e Ricupero, alertam para a
necessidade de enfrentarmos o
que pode vir a ser a definição de
nosso desgraçado e dependente
destino no século 21 todo. A Alca
pode ser nossa sentença de morte
econômica.
Rubens Ricupero mostra que
não adianta nosso festivo nacionalismo contra a vaca louca, protestos contra protecionismo e tarifas se não atentarmos para regras gerais como as da OMC, leoninas e a favor do G7, regras que
já aceitamos de cara sorridente e
deslumbrada. Ele diz: "É preciso
vigilância reforçada na negociação de normas (gerais de comércio) se queremos, no futuro, evitar
sofrimentos como este que amargamos no momento. E jamais
aceitar de novo, sob qualquer pretexto, delegar a organizações de
que não fazemos parte (...) a tarefa de definir para nós as regras
que devemos seguir". Ele diz que,
com os subsídios proibidos hoje
pela OMC, "Delfim Neto não poderia ter estimulado a exportação
de manufaturados ou, se JK ressuscitasse, não poderia mais implantar a indústria automobilística..."
O embaixador Pinheiro Guimarães acrescenta seu alarme:
"A Alca dissolverá o Mercosul.
(...) O que está em jogo para o
Uruguai e o Paraguai e mesmo
para a Argentina não é o mesmo
que está em jogo estratégica e economicamente para o Brasil. O
projeto da Alca atende aos interesses estratégicos dos Estados
Unidos para a América do Sul,
mas afeta muito em especial o
Brasil, devido às nossas dimensões territoriais, populacionais e
ao PIB.(...) Com a Alca, os Estados Unidos realizariam seu desígnio histórico de incorporação subordinada da América Latina a
seu território econômico e à sua
área de influência político-militar.(...) Não há, na política e no
direito internacional, nenhum
processo de negociação, em nenhum foro, em nenhuma região,
em nenhuma organização, que
tenha de ser aceito passiva e de
forma submissa pela sociedade
como irreversível."
Ou seja, podemos dizer "não".
O sapo e a cobra
Acho que um "choque de capitalismo" pode nos arrancar do
atraso sim; acho que a "instantaneidade" do mundo de hoje pode
fazer algum bem ao caos paralítico do Brasil patrimonialista. Mas,
entre remédio e veneno, há quase
nada. Ignorantes de direita e de
esquerda não vêem isso. Saudosistas da utopia sabotam as reformas e se agarram ao passado, enquanto deslumbrados liberais
abrem as pernas e anseiam pelo
estupro do futuro.
A verdade óbvia, solar, é que o
plano da Alca traz embutido o
nosso destino -feito por eles. Isto
é o fato histórico mais grave, mais
assustador para nosso futuro.
A sensação que tenho é a história do sapo e da cobra. Já viram
como se alimentam as jibóias e as
jararacas? Joga-se um sapinho na
jaula. O bichinho pula de pânico
pra todo lado e a cobra fica imóvel, olhando. Ele pula daqui, pula
para lá e acaba hipnotizado, seduzido, entrando obediente na
boca aberta da serpente.
Tenho pavor de que isso nos
aconteça. Nossos 500 anos de dependência, de deslumbramento e
de ignorância apontam para isso.
Claro que há uma consciência difusa do perigo; claro que dentro e
fora do Itamaraty se fala em nossos "interesses comerciais", em
"integração com a Europa e a
Ásia", em "defesa do Mercosul",
mas o perigo é imenso porque os
brasileiros não sabem negociar e,
por abstratos, bacharelescos e
molengas, se perdem em bravatas
vazias para compensar medo e
despreparo técnico. Corremos o
grave risco da "síndrome do sapinho", de morrer seduzidos pela
boca da cobra, até vagamente
honrados com a devoração.
O essencial é considerar a Alca o
problema número um do país,
nosso terremoto, nosso dilúvio,
nosso perigo de extinção. É fundamental que o Itamaraty (e todos) se toque para o assustador
horizonte e não empurre nosso
destino histórico com a barriga.
O ministro Celso Lafer obtemperou: "A Alca não é destino, é
opção". Espero que sim. Negociadores, diplomatas progressistas,
uni-vos! Temos tudo a perder.
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