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TEATRO
Encenação busca traduzir imagens das palavras em espetáculo mais recente do poeta e ator cearense Gero Camilo
"Aldeotas" apreende retalhos da memória
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Homem da palavra, o ator e
poeta cearense Gero Camilo roça
com ela na música, no cinema, no
teatro. É dizer que é assim desde a
adolescência no Conjunto Esperança, periferia de Fortaleza.
Em garoto, questionava-se o
tempo todo, no ato precoce da escrita, sobre a "afirmativa da literatura". "Algo que as pessoas tivessem mais sabor no falar, no dizer.
Porque eu mesmo não tinha, não
agüentava os clássicos pelos clássicos", diz Camilo, 33.
Essa espécie de condição de ourives, negociante paciencioso do
verbo que deita no papel ou se
propaga em gotazinhas da língua
do ator, encontra morada na peça
"Aldeotas". Texto de sua autoria,
cartaz a partir de hoje no Sesc Belenzinho, constitui-se de retalhos
de memória dos amigos Levi (interpretado por ele, Camilo) e Elias
(Marat Descartes).
Ambos os personagens na casa
dos 50 anos, o reencontro trará recordações. Eles foram apartados
depois da conclusão do segundo
grau escolar em Coti das Fuças, a
pequena cidade imaginária erguida pela dramaturgia em fragmentos de infância e juventude.
"Fuças porque lá no oco do
mundo, lugar ao qual, em princípio, não se dá muita importância,
mas de onde se sai para a vida,
quando menos se vê", diz Camilo,
que procura distanciar a narrativa
do viés autobiográfico.
Despertar essas existências
adormecidas nas aldeias interiores de cada um, ainda que mergulhados na modernidade torta de
uma São Paulo, é o que almeja o
autor. "É estimulante essa dramaturgia não convencional do Gero,
profusão de memórias extremamente poética, que deixa a cargo
do ator traduzir suas imagens para a cena", diz Descartes, 28.
A encenadora Paoli Quito, 43,
destaca as sensações que emanam
das palavras a serem devidamente
valorizadas e equilibradas com
pouquíssimos objetos de cena,
como uma tela e um tapete. Busca-se o "jogo lírico" em composição com a luz desenhada por Marisa Bentivegna. Espera-se do espectador a construção do seu próprio espetáculo, a partir da trajetória de Levi e Elias.
"Aldeotas" é também o reencontro dos estudantes da Escola
de Artes Dramáticas (EAD-USP),
Camilo e Descartes, bem como o
da professora Paoli Quito com
eles, dedicada a trabalhos com ênfase na expressão corporal.
Essa parceria debutou num
projeto experimental dentro da
faculdade, "Prelúdico para
Clowns e Guitarra" (96), regido
pelo improviso. Um pouco daquele espírito é resgatado no galpão 2 do Sesc Belenzinho.
Intervalo no cinema
Camilo não freqüentará set de
filmagens nos próximos dias. Seu
nome consta dos créditos de sucessos recentes do cinema nacional, como "Bicho de Sete Cabeças", "Cidade de Deus" e "Narradores de Javé". Ora em diante,
reata fôlego com o teatro.
No mês que vem, duas peças
curtas de sua autoria, "Café com
Torradas" e "Quem Dará o Veredicto", entreatos presentes no livro "A Macaúba da Terra" (2002),
uma edição independente, vão
cumprir temporada no teatro de
Arena Eugênio Kusnet.
É do mesmo livro o texto de "As
Bastianas", espetáculo da cia. São
Jorge de Variedades, que também
reestréia em abril. As primeiras linhas de "Bastianas" evidenciam a
forma como Camilo maneja sua
linguagem de acento regionalista,
mas não só, ele que está radicado
em São Paulo há anos:
"Mato soou um canto de cegonha dia de lua piada com rastro
curto de nuvem e beirinha d'água
nos cantos, enquanto que lá nos
torrão-seco não chove nem de
agorinha nem nunca."
Em paralelo, no mesmo Arena,
a partir de 7/4, Camilo participa
do musical "O Canto de Cozinha", ao lado dos cantores Ceumar, Tata Fernandes, Kléber Albuquerque e Rubi. Aldeões da
música popular e brasileira.
ALDEOTAS. De: Gero Camilo. Direção:
Cristiane Paoli Quito. Com: Marat
Descartes e Gero Camilo. Onde: Sesc
Belenzinho - galpão 2 (av. Álvaro Ramos,
915, SP, tel. 0/xx/11/6602-3700).
Quando: estréia hoje, às 18h; sáb. e dom.,
às 18h; até 2/5. Quanto: R$ 15.
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