São Paulo, sexta, 13 de março de 1998

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INÉDITO

"Quando a Maricota fugiu com o trapezista, eu chorei tanto que minha mãe ficou preocupada, Menina ingrata aquela. Acho cachorro muito melhor do que gente, ela disse ao meu pai enquanto ia arrancando os carrapichos do pêlo de Volpi que já chegou gemendo, ele sofria com antecedência a dor da retiração de carrapichos e bernes. A pajem seguinte também era órfã mas branca. Era gorda, falava pouco e também não sabia ler mas ouvi minha mãe prometer como prometeu à outra. Eu vou te ensinar. Não sabia contar histórias nem se interessou pela cantiga de roda que aprendi com Maricota, Nesta rua nesta rua tem um bosque...Leocádia, vem brincar! eu chamava e ela ria e dava um adeusinho, Depois eu vou! Fiquei sondando, e o namorado? Banzei e não descobri nada. Morávamos agora em Apiaí depois daquela mudança tão comprida, com o piano no carro-de-boi e todos aqueles móveis e malas, isso sem falar nos vasos de plantas e na cachorrada que veio num caminhão com a Leocádia e mais a Custódia, uma cozinheira meio velha que mascava fumo e sabia fazer o peru de natal. Meu pai, a tia e minha mãe comigo no colo nos arrumamos no tal fordeco meio escangalhado que meu pai ganhou numa rifa. Com o carcereiro guiando, era o único que sabia guiar.
Apiaí e a escola das freirinhas. Quando cheguei nessa tarde em casa, encontrei todo mundo de olho arregalado e falando baixo. Os cachorros se engalfinhando no quintal. Por que Leocádia não foi me buscar? E cadê minha mãe? Tia Laura baixou a cabeça, cruzou no peito o xale e foi saindo assim meio de lado (...)."

Trecho do conto "Que se Chama Solidão", de "Invenções e Memória"



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