São Paulo, sexta, 13 de março de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Mostra descobre caminhos de Siron

CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

Outubro de 1987. Um acidente nuclear com Césio 137 contamina Goiânia e deixa mais de cem vítimas, várias delas fatais. Siron Franco, 51, cria então uma série de trabalhos sobre o tema, seis dos quais estão na mostra "Siron Franco - Pinturas dos 70 aos 90", que a Pinacoteca inaugura hoje em sua segunda sede, no parque Ibirapuera.
Localizadas no final da mostra, as seis telas servem como um resumo -embora frouxo- da trajetória e das atitudes do artista e cidadão goiano. Os trabalhos têm sim um certo caráter político, que poderia prejudicar ou direcionar demais o olhar. Observados de perto (e de longe, cronologicamente falando), porém, falam mais alto que a militância do artista, que já se rebelou contra a tortura durante os regimes militares, o assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos e as mazelas sofridas pelos povos indígenas.
"Rua 57", por exemplo, uma das telas da série sobre a tragédia do Césio, mostra com absoluta economia de meios uma das vítimas do acidente, morta simplesmente porque comeu um ovo. Isso mesmo, um ovo, mas contaminado. Algo que, na simplicidade de sua forma -sinônimo da vida-, pôde também se tornar o receptáculo perfeito do segredo e da morte.
"Sou engajado porque sou cidadão, mas isso não tem a ver com a minha pintura", já disse Siron, e "Rua 57" é um exemplo disso. Onze anos depois da tragédia, desvinculada de sua motivação empírica, a tela se torna mais impactante, sedimentada apenas em sua composição, coesão cromática e mistério.
Patrocinada pela Petrobrás, a mostra conta com outros 41 óleos sobre tela e sobre madeira e tem curadoria do editor de arte Charles Cosac. O curador não trata a mostra como uma retrospectiva, algo que exigiria muito mais obras, mas como um olhar sobre a produção do artista goiano.
Ali é possível encontrar obras da série "Madonas", em que faz leituras da religiosidade no Planalto Central; telas que retratam a tortura durante os regimes militares ("A idéia era fazer, mais que um registro, uma caricatura do momento" , disse); e exemplares da recente série "Peles", em que a figuração cede lugar à abstração. Essa última traz ainda números que representam calibres de armas recolhidos em notícias de jornal.
Siron não poupa padres, políticos ou profissionais liberais. Com rigor técnico, cria seus seres híbridos e antropomorfos, carregados de tragicidade e humor.
Sua inspiração vem de toda parte. Pode ser de lembranças, como em "Menino Morto", retrato do filho da empregada, morto ao nascer e sepultado por massas cromáticas horizontais. Já "Hábitos Estranhos" faz referências às histórias em quadrinhos e também às pinturas rupestres.
Nos últimos anos, tem se mostrado mais livre para aceitar o gesto em vez da narrativa. Em "Objeto Mágico", de 1994, por exemplo, beira a abstração total ao preencher uma tela azul com remissões a culturas ancestrais e indígenas. Em "Jardim da Infância", de 1996, o tema se revela nas pequenas mãos e na trama que a separa do mundo adulto.
Compacta, a mostra apresenta grande coerência. Pode ser apenas um olhar, mas enxerga longe.


Mostra: Siron Franco - Pinturas dos 70 aos 90 (42 óleos sobre tela e madeira) Onde: Pinacoteca do Estado (Pavilhão Manoel da Nóbrega, portão 10 do parque Ibirapuera, tel. 011/549-8073) Vernissage: hoje, às 19h30 Quando: de terça a domingo, das 10h às 18h. De amanhã a 3 de maio Quanto: R$ 5


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