São Paulo, sábado, 13 de abril de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

A cultura da mordaça

Reprodução de "Minorias Silenciadas"
Desenho de Storni publicado na revista "Careta", em 1923, ironizando a chamada Lei Adolfo Gordo, que restringia a atuação da imprensa



Volume mostra como censura brasileira nasceu em 1517 e perseguiu, na era Vargas, até Peter Pan


DA REPORTAGEM LOCAL

Nem Peter Pan escapou dos aparatos de censura brasileiros. É, até mesmo o personagem que não queria crescer, criado pelo inglês J.M. Barrie e apadrinhado pelos traços de Disney, foi perseguido pela repressão de Getúlio Vargas.
A história de como os livros com a versão dessa história feita por Monteiro Lobato foram apreendidos pela Superintendência de Segurança Política e Social de GV é um dos exemplos reunidos em "Minorias Silenciadas" de até onde pode chegar a censura.
O artigo "Procura-se Peter Pan", de Vladimir Sacchetta e Marcia Mascarenhas Camargos, mostra como a manifestação de idéias contrárias ao regime podia levar um intelectual como Lobato (de quem os pesquisadores fizeram a biografia "Um Furacão na Botocundia") a seguidas visitas ao interior da Casa de Detenção.
A história, na verdade, começou bem antes dos "era uma vez" lobatianos, mostra o livro. Foi em 1517, com o Brasil ainda adolescente, que nasceram nossas primeiras regras de censura.
Nesse ano, os portugueses começam a montar o tripé institucional que regulamentaria a censura na metrópole (e consequentemente na colônia) até 1768.
A estrutura era formada por um tribunal de juízes eclesiásticos, denominado Ordinário, pelos representantes do Estado absolutista, instituição chamada de Mesa do Desembargo do Paço, e pelo Santo Ofício da Inquisição (que começa oficialmente em Portugal em 1536 e só é extinta em 1821).
Nesses primeiros séculos, tanto no Brasil quanto em Portugal, a censura seguia ditames religiosos (e de quebra amordaçava grandes literatos como Gil Vicente e até Camões). "O argumento usado para apreender e queimar livros é que eles feriam a verdadeira fé católica. É uma luta contra o herege, o inimigo número um deles", diz Maria Luiza Tucci Carneiro.
De acordo com a organizadora de "Minorias Silenciadas", a repressão só começaria a mudar de ritmo com a ascensão do marquês de Pombal ao poder português.
Em 1768 o todo-poderoso ministro do rei dom José 1º cria a Real Mesa Censória, instituição formada por leigos e religiosos que passou a regulamentar as perseguições oficiais. "A censura ganha um tom político. Persegue não mais o cristão-novo, mas os maçons, que representavam a trama de algo secreto contra o governo, os teóricos da Ilustração, como Voltaire, e os jesuítas, grandes inimigos de Pombal."
Essa nova censura, mais política do que religiosa, se estenderia ao Brasil, que só deixou de espelhar as práticas censoriais portuguesas depois de 1808, com a abertura dos portos e o nascimento oficial da imprensa no país.
Os próximos grandes capítulos da história da mordaça no Brasil viriam junto aos grandes acontecimentos nacionais. Exemplo: o artigo "Sob o Signo da Censura", da historiadora Ana Luiza Martins, mostra como um mês depois da Proclamação da República, em 1889, já existe um decreto restringindo a atuação da imprensa. "Havia um medo muito grande da revanche dos monarquistas."
Outro momento de destaque nessa linha do tempo seria 1923. Nesse ano é decretada a chamada Lei Adolfo Gordo (que leva o nome do senador paulista). Mecanismo de cerceamento da atuação da imprensa, a lei tinha como alvo principal os anarquistas e comunistas (e o PCB havia nascido só dois anos antes). Os comunistas continuariam a ser perseguidos até 1983. (CASSIANO ELEK MACHADO)


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