São Paulo, segunda, 13 de abril de 1998

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Público ensaia vaia, mas ovaciona Bob Dylan

MARCELO OROZCO
do "NP"

Bob Dylan acaba de tocar pela primeira vez no Brasil. Qualquer um que tenha visto um show dele no país antes de 1998 esteve diante de um espectro. Desta vez, veio um homem com vida e um vigor renovado, como se viu sábado à noite no Sambódromo do Rio.
Vivo, mas nenhum Mick Jagger saracoteante. Os 56 anos de idade e o físico inchado pesam, ainda mais após um problema cardíaco quase fatal ano passado.
Tanto que, ao usar uma de suas marcas registradas, a gaita, em "It's All Over Now Baby Blue", Dylan jogou seu violão para o lado em vez de tocar simultaneamente como em tempos de fôlego maior.
Mesmo aí, há uma diferença enorme para o Dylan arqueado que "estreou" no Brasil em 1990. O de agora pode não ser um atleta, mas está bastante empolgado para arriscar um ou outro jogo de pernas nos solos de guitarra.
A banda ajuda. Além do cantor, um quarteto de guitarra (Larry Campbell), baixo (Tony Garnier), steel guitar (Bucky Baxter) e bateria (David Kemper) unido, bem ensaiado, tocando um perto do outro como num palco de bar.
Já se percebe isso na primeira das 11 músicas do show de uma hora, "To Be Alone with You". O que era um country-rock lépido no álbum "Nashville Skyline" (69) tornou-se um rock'n'roll de acordar público, arrancando um "até que ele não é chato, não" de uma garota na pista.
Claro que, em se tratando de Dylan, não se agrada a todos o tempo todo. O transe pulsante de "Cold Irons Bound" (do álbum "Time Out of Mind", do ano passado) e o rock básico de "Silvio" ainda seguraram a atenção.
Mas o público se dispersou em conversas durante as três músicas acústicas. Entre o blues rural tradicional "Cocaine", cover do Reverend Gary Davis, e "Tangled Up in Blue", alguns focos de apupos nasciam nas arquibancadas do Sambódromo.
O ensaio de vaia sumia rápido. Inofensivo para quem já trocou provocações pesadas com platéias hostis ao trocar o folk pelo rock no meio dos anos 60.
Dylan recuperou o público em "Stuck Inside the Mobile with the Memphis Blues Again". Um fã invadiu o palco e o ele parou de cantar por alguns versos. Retomou na frase exata e foi ovacionado.
No encerramento, baixou o menino roqueiro em Dylan em "Highway 61 Revisited". Ele desandou com solos sujos de uma simplicidade quase punk por vários compassos desse blues-rock. Final apoteótico.
Antes disso, uma garota na platéia, insatisfeita com a parte acústica, perguntou a seu grupo de amigos se eles preferiam Dylan ou Eric Clapton (ainda o parâmetro de blues acústico para muitos). Ela preferia Clapton. Entre os ternos Giorgio Armani desse e o chapéu e terno de caubói de Bob, a resposta sopra diferente para cada um.



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