São Paulo, sábado, 13 de maio de 2000


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"A FORMA DA ÁGUA"

Estréia da série define as manias de Montalbano

MAURÍCIO SANTANA DIAS
DA REDAÇÃO

"D esta vez , não tinham sido apenas o cheiro e a maneira de falar de sua terra a tomar conta dele, mas a imbecilidade, a selvageria, o horror." Esta é uma das passagens finais do romance policial "A Forma da Água". E é contra a imbecilidade e o horror que se insurgem os livros do escritor Andrea Camilleri, o novo "caso" da literatura italiana.
Diretor de teatro e televisão, Camilleri, um dos raros comunistas convictos, começou quase aos 70 anos a escrever uma série de "gialli" que já vendeu mais de 2 milhões de exemplares na Europa e agora começa a ser publicada no Brasil. "A Forma da Água" é o primeiro do ciclo de aventuras do comissário Salvo Montalbano, desde já incluído no seleto grupo dos detetives Maigret, Nero Wolfe e Pepe Carvalho.
Montalbano, cujo nome é uma declarada homenagem a Manuel Vásquez Montalbán, mestre espanhol dos romances policiais, é um tipo cético e cordial, de meia-idade, que não acredita na bondade dos homens (sobretudo de advogados, deputados e empresários), mas guarda para si alguns princípios inabaláveis.
Suas histórias se passam todas na cidade imaginária de Vigàta, uma transposição ficcional de Porto Empedocle, cidade da Sicília onde nasceu Camilleri. Essa geografia imaginária, reiterada livro a livro, ajuda a dar mais credibilidade e espessura existencial a Montalbano, que, de resto, como bom solteirão, cultiva uma série de hábitos: passear pelo cais, nadar, assistir à TV descalço, comer bem e ler bons livros -principalmente os dos grandes sicilianos, como Pirandello e Sciascia, sempre citados.
Ao contrário da maioria dos romances "noir", geralmente sombrios e cheios de violência, os livros de Camilleri são comedidos na descrição do sangue e transcorrem numa clareza meridiana.
A trama de "A Forma da Água" é muito bem montada, o ritmo da narrativa é ágil e os diálogos têm uma coloquialidade convincente. Aliás, uma das virtudes do autor é sua habilidade em mesclar o dialeto da Sicília com o italiano, o que infelizmente se perde na tradução.
Mas se engana quem espera encontrar nos seus livros aquele sul da Itália tradicional e "típico", barulhento, com um mafioso e uma "mamma" em cada esquina. Estamos em plenos anos 90, em que os criminosos já não têm nenhum código de honra (a famosa "omertà") e a corrupção é capilar, metastásica.
Ao final da novela, Montalbano chega a entender perfeitamente o que se passou: um crime sem assassino, a encenação de uma morte que de fato aconteceu. Mas aí já é tarde demais: a decifração do enigma não chega a anular o mal, "a selvageria, o horror".


Livro: A Forma da Água
   
Autor: Andrea Camilleri
Tradutora: Joana Angélica d'Avila Melo
Editora: Record
Quanto: R$ 20 (144 págs.)


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