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"A FORMA DA ÁGUA"
Estréia da série define as manias de Montalbano
MAURÍCIO SANTANA DIAS
DA REDAÇÃO
"D esta vez , não tinham sido apenas o cheiro e a maneira de falar de sua terra a tomar
conta dele, mas a imbecilidade, a
selvageria, o horror." Esta é uma
das passagens finais do romance
policial "A Forma da Água". E é
contra a imbecilidade e o horror
que se insurgem os livros do escritor Andrea Camilleri, o novo "caso" da literatura italiana.
Diretor de teatro e televisão, Camilleri, um dos raros comunistas
convictos, começou quase aos 70
anos a escrever uma série de "gialli" que já vendeu mais de 2 milhões de exemplares na Europa e
agora começa a ser publicada no
Brasil. "A Forma da Água" é o primeiro do ciclo de aventuras do
comissário Salvo Montalbano,
desde já incluído no seleto grupo
dos detetives Maigret, Nero Wolfe
e Pepe Carvalho.
Montalbano, cujo nome é uma
declarada homenagem a Manuel
Vásquez Montalbán, mestre espanhol dos romances policiais, é um
tipo cético e cordial, de meia-idade, que não acredita na bondade
dos homens (sobretudo de advogados, deputados e empresários),
mas guarda para si alguns princípios inabaláveis.
Suas histórias se passam todas
na cidade imaginária de Vigàta,
uma transposição ficcional de
Porto Empedocle, cidade da Sicília onde nasceu Camilleri. Essa
geografia imaginária, reiterada livro a livro, ajuda a dar mais credibilidade e espessura existencial a
Montalbano, que, de resto, como
bom solteirão, cultiva uma série
de hábitos: passear pelo cais, nadar, assistir à TV descalço, comer
bem e ler bons livros -principalmente os dos grandes sicilianos,
como Pirandello e Sciascia, sempre citados.
Ao contrário da maioria dos romances "noir", geralmente sombrios e cheios de violência, os livros de Camilleri são comedidos
na descrição do sangue e transcorrem numa clareza meridiana.
A trama de "A Forma da Água"
é muito bem montada, o ritmo da
narrativa é ágil e os diálogos têm
uma coloquialidade convincente.
Aliás, uma das virtudes do autor é
sua habilidade em mesclar o dialeto da Sicília com o italiano, o
que infelizmente se perde na tradução.
Mas se engana quem espera encontrar nos seus livros aquele sul
da Itália tradicional e "típico", barulhento, com um mafioso e uma
"mamma" em cada esquina. Estamos em plenos anos 90, em que os
criminosos já não têm nenhum
código de honra (a famosa
"omertà") e a corrupção é capilar,
metastásica.
Ao final da novela, Montalbano
chega a entender perfeitamente o
que se passou: um crime sem assassino, a encenação de uma morte que de fato aconteceu. Mas aí já
é tarde demais: a decifração do
enigma não chega a anular o mal,
"a selvageria, o horror".
Livro: A Forma da Água
Autor: Andrea Camilleri
Tradutora: Joana Angélica d'Avila Melo
Editora: Record
Quanto: R$ 20 (144 págs.)
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