São Paulo, sábado, 13 de maio de 2000


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LIVRO/LANÇAMENTO

"Eu não sou nada, o Egito é tudo", diz Christian Jacq

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO EGITO

Luxor, 40 graus. Seguido por jornalistas dos principais órgãos de imprensa do mundo, um senhor de cabelos grisalhos, roupa cáqui, óculos e lenço no pescoço aponta para um vale que rasga a paisagem do deserto egípcio e diz em francês: "Foi aqui que tudo começou". Não se tratava de nenhuma descoberta arqueológica. O anfitrião era o "escriba" Christian Jacq. O lugar para o qual direcionava o indicador é o chamado Vale dos Reis.
Esse é o cenário da mais recente mina de ouro do dublê de egiptólogo e escritor francês, que apenas com sua série de romances "Ramsés" já vendeu mais de 5 milhões de livros em 29 países (250 mil deles no Brasil).
Na nova empreitada, a série de quatro livros "A Pedra da Luz", cujo primeiro volume, "Nefer, o Silencioso" (R$ 38, 462 págs.), foi recentemente publicado no país pela Bertrand Brasil, Jacq deixa de lado a história dos grandes faraós e se volta para seus coadjuvantes.
Desta vez, ele coloca a lupa em um episódio pouco conhecido da história do Egito. Emaranhada em um respeitável acervo de cacoetes de best sellers rasos, está a história de uma confraria de sacerdotes e artesãos que trabalhavam em uma vila chamada de "O Lugar da Verdade".
O objetivo dessa sociedade secreta era o de construir e ornamentar as "moradas eternas dos faraós" no Vale dos Reis.
A combinação de frases como "seu coração estava cheio de ódio, um ódio que crescia a cada dia e que era dirigido a essa maldita confraria que o humilhara" com episódios históricos já se mostrou palatável ao gosto de milhares de brasileiros, que estão empurrando o primeiro volume da série para o alto da pirâmide de livros mais vendidos.
Foi para falar de "Nefer, o Silencioso" que o doutor em egiptologia pela prestigiada universidade francesa Sorbonne reuniu em Luxor desde repórteres do "The New York Times" e do "Libération" até correspondentes das redes de TV CNN e BBC.
A Folha estava lá e, em meio a jantares com dançarinas do ventre, cobras dançantes e camelos, falou com Jacq sobre assuntos como Paulo Coelho e egípcias loiras. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - Quais as fronteiras entre o real e o imaginário nos livros da série "Ramsés" e agora em "A Pedra da Luz"?
Christian Jacq -
O quadro histórico é real. O lugar do romance e seus personagens são reais, além dos detalhes da vida cotidiana. O egiptólogo, que sou eu, trabalha muito. Então, o romancista, eu também, pergunta ao egiptólogo se pode incluir as coisas que gostaria. Há espaço para a ficção e para a realidade.

Folha - Alguns estudiosos da história egípcia acham que os fatos devem ser contados sem adição de elementos romanescos. Outros, acreditam que esse é um jeito de atrair pessoas que não leriam nada sobre o assunto. O que o sr. acha dessas duas formas de pensar?
Jacq -
Quando escrevo trabalhos sobre a história egípcia, eu simplesmente descrevo fatos que encontro na pesquisa com documentos. Quando eu escrevo um romance, pego esses documentos e dou vida aos seus personagens.
Eles falam de acordo com a história do Egito. Mas mesmo a egiptologia, para ser sincero, é, por vezes, romanceada. Muitos estudiosos tratam, por exemplo, Ramsés 2º como se fosse pai de 110 filhos. "Filho real" era uma espécie de título honorário, não significa que fossem filhos verdadeiros.

Folha - Mas por que o sr. criou uma personagem loira? Havia loiras no Egito antigo?
Jacq -
Havia no vale conhecido como o "Lugar da Verdade" uma mulher que tinha o poder de enxergar o futuro. Os documentos tratam ela como a "mulher sábia". Ela era uma pessoa extraordinária e sabemos, pelas inscrições, que ela foi mulher de Nefer, o Silencioso (personagem central do primeiro volume de "A Pedra da Luz"). Não há muitos rastros das características deles na história. Mas conheço os textos medicinais e sei que ela era uma sacerdote.

Folha - Mas ela era loira?
Jacq -
Não havia nenhuma loira no Egito Antigo. Todas tinham cabelos negros. Mas o nome dela, em egípcio, era Clara. Por isso eu a criei assim. Os três principais personagens dos meus romances foram Nefer, Clara e Paneb.
Cada um ganha um volume. O quarto, "the last, but not the least" (o último, mas não o menos importante), e isso é Shakespeare, é dedicado ao Lugar da Verdade. Só nele os leitores encontrarão a solução dos mistérios.

Folha - O sr. é muito esquemático. Cada capítulo tem matematicamente seis páginas. Por quê?
Jacq -
Tento criar uma unidade de ação. Trabalho um pouco como um cenógrafo. Eu visualizo uma cena e depois tento traduzi-la em palavras. Cena por cena.

Folha - Mas por que traduz de seis em seis páginas, sem nunca quebrar essa fórmula?
Jacq -
Não há nada de voluntário nisso. É o acaso.

Folha - Por que acredita que seus livros, sucessos em todo o mundo, nunca foram publicados no Egito, nem traduzidos para o árabe?
Jacq -
Pois é (silêncio). Espero que em breve possa ajudar os egípcios a descobrirem a riqueza de seus passados. Depois que meu primeiro livro sair aqui no Egito, outros devem ser publicados. Tinha escrito muitos livros antes, muitos livros serão descobertos depois (risos).

Folha - O que o sr. pensa de Paulo Coelho?
Jacq -
Eu o conheço pessoalmente. Estivemos em um debate na França sobre best sellers.

Folha - O sr. gosta dos livros dele?
Jacq -
Eu gosto. Mas são diferentes dos meus. Tratam dele mesmo. Eu não. Falo sobre o Egito. Eu não sou nada, o Egito é tudo.

Folha - E o que é ser um best seller?
Jacq -
É tudo graças a Deus, é uma fatalidade.

Folha - Graças a que Deus?
Jacq -
Aos deuses egípcios, claro (risos).


O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite da editora Bertrand Brasil

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