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LIVRO/LANÇAMENTO
"Eu não sou nada, o Egito é tudo", diz Christian Jacq
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO EGITO
Luxor, 40 graus. Seguido por
jornalistas dos principais órgãos
de imprensa do mundo, um senhor de cabelos grisalhos, roupa
cáqui, óculos e lenço no pescoço
aponta para um vale que rasga a
paisagem do deserto egípcio e diz
em francês: "Foi aqui que tudo começou". Não se tratava de nenhuma descoberta arqueológica. O
anfitrião era o "escriba" Christian
Jacq. O lugar para o qual direcionava o indicador é o chamado Vale dos Reis.
Esse é o cenário da mais recente
mina de ouro do dublê de egiptólogo e escritor francês, que apenas
com sua série de romances "Ramsés" já vendeu mais de 5 milhões
de livros em 29 países (250 mil deles no Brasil).
Na nova empreitada, a série de
quatro livros "A Pedra da Luz",
cujo primeiro volume, "Nefer, o
Silencioso" (R$ 38, 462 págs.), foi
recentemente publicado no país
pela Bertrand Brasil, Jacq deixa de
lado a história dos grandes faraós
e se volta para seus coadjuvantes.
Desta vez, ele coloca a lupa em
um episódio pouco conhecido da
história do Egito. Emaranhada
em um respeitável acervo de cacoetes de best sellers rasos, está a
história de uma confraria de sacerdotes e artesãos que trabalhavam em uma vila chamada de "O
Lugar da Verdade".
O objetivo dessa sociedade secreta era o de construir e ornamentar as "moradas eternas dos
faraós" no Vale dos Reis.
A combinação de frases como
"seu coração estava cheio de ódio,
um ódio que crescia a cada dia e
que era dirigido a essa maldita
confraria que o humilhara" com
episódios históricos já se mostrou
palatável ao gosto de milhares de
brasileiros, que estão empurrando o primeiro volume da série para o alto da pirâmide de livros
mais vendidos.
Foi para falar de "Nefer, o Silencioso" que o doutor em egiptologia pela prestigiada universidade
francesa Sorbonne reuniu em Luxor desde repórteres do "The New
York Times" e do "Libération" até
correspondentes das redes de TV
CNN e BBC.
A Folha estava lá e, em meio a
jantares com dançarinas do ventre, cobras dançantes e camelos,
falou com Jacq sobre assuntos como Paulo Coelho e egípcias loiras.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Quais as fronteiras entre o
real e o imaginário nos livros da série "Ramsés" e agora em "A Pedra
da Luz"?
Christian Jacq - O quadro histórico é real. O lugar do romance e
seus personagens são reais, além
dos detalhes da vida cotidiana. O
egiptólogo, que sou eu, trabalha
muito. Então, o romancista, eu
também, pergunta ao egiptólogo
se pode incluir as coisas que gostaria. Há espaço para a ficção e para a realidade.
Folha - Alguns estudiosos da história egípcia acham que os fatos
devem ser contados sem adição de
elementos romanescos. Outros,
acreditam que esse é um jeito de
atrair pessoas que não leriam nada
sobre o assunto. O que o sr. acha
dessas duas formas de pensar?
Jacq - Quando escrevo trabalhos
sobre a história egípcia, eu simplesmente descrevo fatos que encontro na pesquisa com documentos. Quando eu escrevo um
romance, pego esses documentos
e dou vida aos seus personagens.
Eles falam de acordo com a história do Egito. Mas mesmo a egiptologia, para ser sincero, é, por vezes, romanceada. Muitos estudiosos tratam, por exemplo, Ramsés
2º como se fosse pai de 110 filhos.
"Filho real" era uma espécie de título honorário, não significa que
fossem filhos verdadeiros.
Folha - Mas por que o sr. criou
uma personagem loira? Havia loiras no Egito antigo?
Jacq - Havia no vale conhecido
como o "Lugar da Verdade" uma
mulher que tinha o poder de enxergar o futuro. Os documentos
tratam ela como a "mulher sábia".
Ela era uma pessoa extraordinária
e sabemos, pelas inscrições, que
ela foi mulher de Nefer, o Silencioso (personagem central do primeiro volume de "A Pedra da
Luz"). Não há muitos rastros das
características deles na história.
Mas conheço os textos medicinais
e sei que ela era uma sacerdote.
Folha - Mas ela era loira?
Jacq - Não havia nenhuma loira
no Egito Antigo. Todas tinham
cabelos negros. Mas o nome dela,
em egípcio, era Clara. Por isso eu a
criei assim. Os três principais personagens dos meus romances foram Nefer, Clara e Paneb.
Cada um ganha um volume. O
quarto, "the last, but not the least"
(o último, mas não o menos importante), e isso é Shakespeare, é
dedicado ao Lugar da Verdade. Só
nele os leitores encontrarão a solução dos mistérios.
Folha - O sr. é muito esquemático.
Cada capítulo tem matematicamente seis páginas. Por quê?
Jacq - Tento criar uma unidade
de ação. Trabalho um pouco como um cenógrafo. Eu visualizo
uma cena e depois tento traduzi-la em palavras. Cena por cena.
Folha - Mas por que traduz de seis
em seis páginas, sem nunca quebrar essa fórmula?
Jacq - Não há nada de voluntário
nisso. É o acaso.
Folha - Por que acredita que seus
livros, sucessos em todo o mundo,
nunca foram publicados no Egito,
nem traduzidos para o árabe?
Jacq - Pois é (silêncio). Espero
que em breve possa ajudar os
egípcios a descobrirem a riqueza
de seus passados. Depois que meu
primeiro livro sair aqui no Egito,
outros devem ser publicados. Tinha escrito muitos livros antes,
muitos livros serão descobertos
depois (risos).
Folha - O que o sr. pensa de Paulo
Coelho?
Jacq - Eu o conheço pessoalmente. Estivemos em um debate
na França sobre best sellers.
Folha - O sr. gosta dos livros dele?
Jacq - Eu gosto. Mas são diferentes dos meus. Tratam dele mesmo. Eu não. Falo sobre o Egito. Eu
não sou nada, o Egito é tudo.
Folha - E o que é ser um best seller?
Jacq - É tudo graças a Deus, é
uma fatalidade.
Folha - Graças a que Deus?
Jacq - Aos deuses egípcios, claro
(risos).
O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite da editora Bertrand Brasil
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