São Paulo, domingo, 13 de junho de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

No ardor da partida

Com mais seis meses de mandato no comando do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo faz um balanço de sua gestão e conclui: "Ser presidente é uma fria"

Lalo de Almeida/Folhapress
O mandatário palmeirense assiste a jogo em sua casa

Antes de entrar no carro, Luiz Gonzaga Belluzzo avisa ao repórter Diógenes Campanha: "Não posso conversar agora, porque preciso ler algumas coisas da aula que vou dar." Presidente do Palmeiras e também um dos mais conceituados economistas do país, ele pega a estrada rumo a Campinas (93 km de SP), onde, às quartas-feiras, leciona na Facamp, faculdade privada da qual é um dos fundadores.

Naquele mesmo dia, 2 de junho, o Verdão enfrentaria o Flamengo no Pacaembu, pelo Campeonato Brasileiro. O papel de presidente do clube se sobrepõe ao do aplicado professor: o telefone toca sem parar e Belluzzo não consegue estudar.

São 9h25 da manhã quando o Nextel chama pela primeira vez. O motorista Wagner Tamborim, 46, que trabalha com ele há dez anos, faz as vezes de secretário: atende a todas as ligações, quase sempre de pessoas do clube ou jornalistas.

"Eles vão perder", diz Belluzzo ao assessor Helder Bertazzi, que ligou para falar que a oposição do Palmeiras poderia ir à Justiça contra a construção da nova arena do clube. "Vou seguir a orientação do Mino Carta [diretor da revista "Carta Capital", da qual Belluzzo é consultor editorial]: colocar alguns deles [da oposição] numa jaula e exibir pelo mundo como atração exótica." Até chegar a Campinas, são mais quatro telefonemas. Em 1h30 de viagem, o xerox do "Tratado sobre a Moeda", de John Keynes, que Belluzzo iria repassar para a aula, ganha a atenção do professor por menos de dois minutos.

Tem sido assim desde que ele assumiu o comando do Palmeiras, em janeiro de 2009. "Não consigo me livrar. É isso o dia inteiro." Já trocou três vezes de celular, porque torcedores descobriram o número e ligavam em horários inapropriados. "Estou precisando trocar de novo." Checa a caixa postal. "Tá vendo? Era um cara recomendando jogador, dizendo que não-sei-quem tem que jogar com não-sei-quem."

Na véspera, Belluzzo havia ido ao treino do time, ficou na friagem e pegou uma gripe. Ainda jantou com um atacante, sondado para fazer companhia ao ex-cruzeirense Kléber, que acaba de voltar à equipe. Conta que barganhou o vinho chileno do restaurante em que se realizou o encontro. "Cobram R$ 280 por uma garrafa que custa R$ 78! Briguei, aí fizeram por esse preço", diz. "O Brasil ficou caro, por causa do câmbio e da roubalheira."

Na administração do Palmeiras, se orgulha de ter quitado R$ 12 milhões em impostos atrasados. As contas do clube, diz, são rejeitadas porque "a gente passou a publicar tudo no balancete". "O segredo, como dizia o velho Ulysses [Guimarães], é não roubar e não deixar roubar. É fundamental no futebol hoje em dia. Agora, é pena que a gente tenha que dizer isso."

"Seu Wagner", como chama o motorista, diz que sua empregada ligou. Luiza, 18, a filha mais nova do professor, quer sair à noite. Ele liga de volta: "Não vai, não!" As baladas dos filhos (o outro é Carlos, 21) preocupam mais que as dos atletas. "Jogador é adulto. Balada de filho é um negócio complicado, vai até de madrugada." Antes da aula, ele revisa trechos de seu livro "Depois da Queda", que vai citar em sala. "Fernando Henrique tinha razão. Você esquece o que escreveu."

Mesmo na faculdade, o futebol não sai de cena. No seminário sobre Keynes, que Belluzzo dá para 20 docentes da Facamp, uma coordenadora pede que autografe uma camisa do Palmeiras -e ainda leva o marido, corintiano, para ver a aula. Na saída, assina uma para o pai de um estudante. Outro aluno aproveita: "Assina o meu caderno, para dar sorte!"

Na estrada para SP, o celular, desligado na aula, traz de volta a vida dura do clube. Ele passa boa parte da viagem discutindo um ato de indisciplina de um funcionário. "Não tem um dia que não tenha um problema. Onde é que vamos parar?"

É dia de jogo e o natural seria que Belluzzo fosse ao estádio do Pacaembu, onde o Verdão enfrentaria o Fla. A gripe o faz desistir. Ele chega em casa, deixa suas coisas e vai para um bistrô em frente ao prédio em que mora, em Pinheiros. Janta filé mingon com fondue de roquefort e pera assada e bebe vinho sul-africano. Volta ao apartamento e liga a TV no pay-per-view do Brasileirão. "Começo [a ver partidas] às 19h30 e vou até a meia-noite. Já indicamos jogadores ao Palmeiras, que observamos em jogos da Série B."

Os valores dos direitos de transmissão são causa de divergência dos clubes com a TV Globo. "É como disse o [ex-governador, presidenciável e palmeirense José] Serra: o Banco Central não é a Santa Sé. E a Globo também não. Reconhecemos o que ela faz pelo futebol, mas temos o desejo de melhorar nossos patrocínios." Antes do jogo, pensa em desligar o celular. "Daqui a pouco começam a ligar os palmeirenses criticando a escalação."

A TV ainda exibe Atlético-PR e Botafogo. Belluzzo começa a disparar críticas. "Mas esse cara é sem vergonha! Ou está na gaveta ou é ruim mesmo!", diz, sobre o juiz do jogo. Em 2009, depois que o árbitro Carlos Eugênio Simon anulou um gol do Palmeiras contra o Fluminense, Belluzzo o chamou de "vigarista, safado e crápula" e prometeu dar "uns tapas no vagabundo". "Acho que o Simon quis dar uma ajeitada pro Fluminense. Mas não quer dizer que esteja comprado. Comprar é um mito, mas sempre tem muita interferência [sobre os árbitros]."

Comenta a escalação da seleção brasileira para a Copa: "Não sou o Dunga, nem gostaria de ser, mas eu convocaria o Ganso e o Ronaldinho. Mas não podemos dizer que a seleção é fraca."

Em meio à terceira queda de treinador do Palmeiras em 12 meses, Belluzzo diz que a contratação para o banco tem que ser feita com "cautela". Não sabe por que Muricy Ramalho, que chegou em julho de 2009 como tricampeão brasileiro, fracassou (caiu em fevereiro). "É um dos melhores caras que conheci no futebol. Falaram que não deu certo porque era bambi, são-paulino. Nada disso, ele é profissional!" Já Vanderlei Luxemburgo, demitido em 2009, "não tem clima para voltar".

O Palmeiras entra em campo. O dirigente cruza as pernas, apoia um dos braços no sofá, leva a outra mão ao queixo. E gesticula a cada jogada errada. "Por que "catso" esse cara vira para trás toda hora? P.q.p., vira pra frente!" Mastiga pastilhas Tic-tac, que tira do bolso do blazer. ""Vââmo'!!" Bate na perna. "Pega a bola, seu bestalhão!". No intervalo, o celular. "É torcedor. Haja saco!"

Grita, via TV, com o técnico. Diz que um atleta "parece jogador de [pelada entre] casados e solteiros". Aos 42 minutos do segundo tempo, fica em silêncio no gol da vitória do Flamengo.

Depois do apito final, Belluzzo engole a sexta pastilha e pega o jornal para fazer contas da classificação do time. Seu mandato termina em janeiro e ele não tentará a reeleição. "A primeira coisa que vou fazer é viajar para a Europa ou para a praia com uma mala de bons livros."

Não vê a hora de voltar a "torcer relaxado". "Os amigos falam que vou acabar tendo um troço. Mas não vou, porque ponho tudo para fora." Um dia desses, perguntou ao goleiro Marcos, jogador mais popular do elenco do Palmeiras, se ele vai ser técnico ou presidente do clube quando pendurar as luvas. "Ele disse que ser presidente é uma fria. E é mesmo."

BELLUZO DISSE

"O segredo [para administrar um clube], como dizia o velho Ulysses [Guimarães, ex-deputado], é não roubar e não deixar roubar. É fundamental no futebol hoje em dia. Agora, é pena que a gente tenha que dizer isso"

"Comprar [juízes] é um mito, mas sempre tem muita interferência [sobre os árbitros]"


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