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CINEMA
Filme de Walter Salles deve atingir hoje essa marca de público, com 36 salas, durante a 11ª semana de exibição
1 milhão passa por "Central do Brasil'
FERNANDO OLIVA
da Redação
As catracas de "Central do Brasil" devem ver hoje a passagem do
espectador número 1 milhão. O
filme de Walter Salles comemora o
sucesso de público ao entrar na 11ª
semana de exibição.
Na terça-feira, dia 9, última contagem oficial, batia os 984 mil espectadores, segundo Maurício Ramos, diretor-geral da VideoFilmes, a produtora de Salles.
Como vem fazendo cerca de
3.500 pessoas por dia, sendo 7.000
nos sábados, domingos e feriados,
o grande dia deve ser hoje.
Quando estreou, no dia 3 de
abril, podia ser visto em 36 salas de
cinema espalhadas pelo país. Atingiu o pico de 80 salas, mas há duas
semanas voltou ao número inicial,
em que permanece.
"Carlota Joaquina", de Carla
Camurati, foi visto por cerca de 1,2
milhão de pessoas, de acordo com
sua produtora. "O Quatrilho", de
Fábio Barreto, teve 1,1 milhão de
espectadores, de acordo com o
consórcio Severiano Ribeiro, e
"Tieta", de Cacá Diegues, chegou
aos 600 mil.
Segundo Salles, "Central" teve
custo de US$ 2,9 milhões.
Leia abaixo entrevista concedida
à Folha de Walter Salles, por fax,
dos EUA, onde está telecinando
seu quarto longa, "O Primeiro
Dia". O filme é um episódio da série "2000 Vu Par" (2000 Visto
Por), da TV franco-germânica Arte, projeto internacional sobre a
virada do milênio.
Folha - Em que medida o sucesso
de público é uma preocupação
sua? Durante o processo de filmagem, você pensava em quais cenas, diálogos ou registros agradariam ou causariam estranhamento
ao público brasileiro?
Walter Salles - Em primeiro lugar, sucesso de público não é tudo.
Sou um admirador de "Limite",
de Mario Peixoto. O fato de "Limite" ter sido pouco visto não
torna o filme menos relevante.
Durante todo o processo de preparação só tínhamos uma certeza:
a de que estávamos na contramão
de uma certa tendência do início
dos 90, aquela representada por
Tarantino, Robert Rodrigues.
No sentido contrário, portanto,
de filmes que fizeram sucesso comercial a partir de uma utilização
acrítica e esperta da violência. Como Fernanda Montenegro disse
mais de uma vez, "Central do Brasil" foi feito com honestidade.
Sem cálculo, com integridade de
propósito. E, de alguma forma, a
maneira com que um filme é feito
passa para a película, chega ao público -que é muito mais inteligente e perceptivo do que muita
gente pensa.
Folha - Em algum momento do
percurso você achou que o filme
poderia ter tal sucesso?
Salles - Não, por várias razões.
Antes de "Central do Brasil" ser
filmado, cansei de ouvir que o público brasileiro não queria ver sua
própria imagem no cinema, como
se aquela refletida pela televisão
fosse suficiente, representativa ou
plural. Bem, foi exatamente o
oposto que acabou acontecendo.
O sucesso de público se deu justamente por causa do boca-a-boca.
Folha - O brasileiro se reconhece
nas imagens do cinema nacional?
Salles - Como não se reconhecer em "Vidas Secas" ou "Memórias do Cárcere", "Deus e o
Diabo na Terra do Sol", "São
Paulo S.A." ou "Bye Bye Brasil",
para citar apenas alguns filmes?
Eles permaneceram porque dizem
melhor quem nós somos do que 30
anos de mediocracia televisiva. Já
dizia o velho Godard: a TV fabrica
o esquecimento. Já o cinema,
quando traduz o seu tempo em filmes como esses, adquire um poder de permanência que justifica a
sua própria existência.
Folha - Você acha que o sucesso
de "Central" sinaliza um reconhecimento definitivo do brasileiro, o
fim do preconceito contra o cinema nacional?
Salles - Olha, nós recebemos
mais de mil cartas ou e-mails desde o lançamento. Essas cartas são
quase sempre comoventes e sobretudo consistentes, fazem uma leitura do filme mais densa e vertical
do que alguns artigos publicados
na imprensa.
Pois bem:
ninguém escreveu dizendo
que "Central
do Brasil" acabou com o preconceito que se
tinha contra o
cinema brasileiro. Pelo contrário, as pessoas falam de
reencontro
com o cinema
brasileiro.
Se ainda existe algum preconceito, ele
não está localizado no público. Repare no
estado da exibição hoje no
Brasil. Existiam 5.000 salas nos anos 70,
menos de mil
sobreviveram
ao desgoverno Collor. Dessas, apenas 700 têm condições razoáveis
de som e imagem.
Quando "Central do Brasil" foi
lançado, metade dessas salas estavam com "Titanic". Na semana
seguinte, mais 250 começaram a
exibir "O Homem da Máscara de
Ferro" -80% das salas brasileiras
estavam ocupadas por dois filmes
americanos. Em resumo: sem nenhum maniqueísmo, é mais difícil
conseguir salas para exibição de
um filme brasileiro do que trazer o
público para vê-lo.
Se não houver regulamentação,
não haverá diversidade ou pluralidade temática no futuro.
Folha - Sem o sucesso em Sundance e, principalmente, em Berlim, o sr. acha que "Central" teria a
mesma repercussão aqui no Brasil?
Por que a chancela de festivais estrangeiros ainda é tão relevante?
Salles - A simples chancela de
um festival não garante o sucesso
de um filme nem no Brasil nem em
outras partes do mundo. "As Melhores Intenções", de Billie August, ganhou a Palma de Ouro e só
teve 25 mil espectadores em Paris.
Já "Hana-Bi" venceu o Festival de
Veneza, que é muito menos exposto à mídia francesa, e teve 300 mil
espectadores em Paris, um recorde
para um filme de Kitano.
Por que a diferença? Porque o filme de Kitano encontrou uma ressonância que o manteve em cartaz.
Folha - As diferenças estéticas
em relação ao seus longas anteriores são nítidas. Como aconteceu
essa mudança de registro, que resultou em "Central do Brasil"?
Salles - Sim, há um evidente
processo de aproximação, uma
atração crescente por temas intrinsecamente brasileiros. Simplificando a questão, é como se eu
viesse de uma terra estrangeira para a terra brasileira. Mas, tematicamente, continuo interessado pelas
mesmas coisas que me levaram a
escolher esta profissão há dez
anos: a questão da identidade, as
fronteiras geográficas ou psicológicas, as diversas formas de exílio.
Em "Central do Brasil", o ponto de vista ganha um tom menos
crepuscular. A outra mudança
perceptível é que em "Terra Estrangeira" os personagens são sujeitos da ação, enquanto que em
"Central do Brasil" há a clara sugestão que a ação é necessária, e
que ela traz consigo uma possibilidade libertária.
Na verdade, "Terra" e "Central" são complementares, ambos
têm raiz documental e falam de
momentos específicos do país.
"Terra" está inserido num período caótico da vida brasileira, as
pessoas haviam perdido a possibilidade de decidir sobre o presente e
o futuro, a tônica era a apatia, a desorientação, a negação da identidade. Em
"Central do
Brasil", a mudança é evidente - a
união entre semelhantes, a
vontade dos
personagens
são geradores
de transformação. No final
do filme, Dora
se liberta do
seu cinismo
inicial, de sua
vida mesquinha e apequenada, pega a
estrada, permite-se uma
segunda chance. Josué também reencontra parte da sua família porque
exerce o seu desejo até o fim.
Finalmente, de um ponto de vista puramente formal, estou hoje
basicamente preocupado em fazer
com que a câmera esteja a serviço
dos personagens e da história.
Folha - Você acredita no talento
nato dos brasileiros para atuar. A
própria escolha do Vinícius de Oliveira, apesar das centenas de testes, foi intuitiva, quase casual. Na
sua opinião, de onde viria essa capacidade nata?
Salles - Gosto cada vez mais dos
filmes de Kiarostami, do seu trabalho com não-atores. Por outro lado, sempre me lembro que uma
das lições fundamentais do cinema
novo é de que é necessário colocar
o rosto brasileiro na tela.
Com Sérgio Machado, assistente
de direção e de casting de "Central", partimos à procura de
não-atores ou de atores pouco conhecidos. E em todos os lugares
aonde íamos surgiam pessoas com
uma habilidade incomum, uma
intuição incontestável para o cinema, que eram surpreendentes. Vinham com necessidade de serem
ouvidas, evidenciando o enorme
não-dito que existe no Brasil.
Muitas pessoas que nos escreveram disseram que se emocionaram mais com a segunda leva de
cartas que são ditadas para Dora,
no Nordeste, do que com o final do
filme. Emocionaram-se com esses
rostos brasileiros, que não encontram geralmente representação
em outro lugar.
Folha - Vinícius de Oliveira deve
voltar em algum filme futuro?
Salles - Vinícius é, como Fernanda Montenegro o descreve, um
pequeno guerreiro. Estava à procura de um menino que soubesse o
que era a luta pela sobrevivência,
mas que não tivesse perdido a inocência neste processo. Ele é extremamente talentoso, sério e sólido.
Espero que ele não perca nenhuma
dessas qualidades.
A produtora lhe garante o pagamento dos estudos até a universidade, e estamos sempre em contato. Ele já está trabalhando na TV
educacional Futura.
Folha - Como você explica o fato
de ele ter cruzado seu caminho?
Foi apenas sorte?
Salles - Talvez sorte ou intuição. Mas, por outro lado, se você
não procura com rigor e seriedade,
você não acha. Na época, mais de
1.500 testes já haviam sido feitos e
eu não estava satisfeito, continuava à procura de Josué. Se tivéssemos parado no meio do caminho,
não teríamos encontrado Vinícius
- e vice-versa.
Folha - Você se deprime com a
possibilidade de perder contato
com as pessoas que atravessam
seu caminho? Escalar Socorro Nobre na primeira cena de "Central" é
uma tentativa de evitar isso?
Salles - Sou um admirador de
diretores que trabalham em família, como Cassavetes ou Truffaut.
Gosto desses vasos comunicantes
e gosto também da experiência do
documentário irrigando a ficção.
E, inevitavelmente, vou aprendendo com as pessoas que encontro
no caminho, nessa busca, e me
apego a elas. Isso aconteceu com
pessoas tão importantes e diferentes quanto Frans Krajcberg, Socorro Nobre e Vinícius de Oliveira.
O cinema é uma forma de aprendizado constante, e eu ainda tenho
muito a aprender.
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