|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
O ator preferido do cineasta fala à Folha sobre seu novo filme, que estréia em novembro no país
Léaud sobrevive a Truffaut
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Com "Le Pornographe" (O Pornógrafo) -prêmio da crítica internacional em Cannes, que tem
estréia prevista para outubro na
Europa e novembro no Brasil-,
o ator Jean-Pierre Léaud, 57, reergue uma carreira mítica.
Léaud debutou no cinema aos
14 anos, como o garoto Antoine
Doinel, em "Os Incompreendidos", cuja adolescência e idade
adulta seriam acompanhadas em
"Beijos Proibidos", "Domicílio
Conjugal" e "O Amor em Fuga",
todos com referências à vida de
François Truffaut (1932-1984), cineasta que os realizou.
O ator marca também a filmografia de Godard ("A Chinesa"),
Bertolucci ("O Último Tango em
Paris") e Pasolini ("Pocilga").
À morte prematura de Truffaut,
seu tutor no cinema e na vida,
atribui-se o inferno particular em
que Léaud mergulhou. Viu o declínio do entusiasmo e da carreira.
O prestígio da segunda ele retoma
agora, como intérprete do papel-título no filme do canadense Bertrand Bonello, 32.
Em entrevista à Folha, de Paris,
Léaud falou sobre o novo personagem -um cineasta pornô em
busca de reconquistar o filho e a
decência-, mas esquivou-se de
abordar a relação com François
Truffaut.
Folha - O que o atraiu no personagem Jacques, o pornógrafo?
Jean-Pierre Léaud - Nele havia a
possibilidade de exprimir um sofrimento -o de um homem confrontado com a tentativa de manter sua dignidade, a recusa em ser
vulgar, fazendo filmes pornográficos. Foi o que me interessou. E
exigiu de mim grande precisão ao
interpretar. A pornografia é
quando nos calamos e mostramos os órgãos sexuais, algo sem
interesse algum. Para contradizê-la, procurei encontrar dignidade,
profundidade e sofrimento na expressão de palavras muito cruas.
Folha - A "Cahiers du Cinéma" diz
que o sr., além de seu corpo, carrega boa parte da história do cinema.
É um peso ou um prazer?
Léaud - Não me sinto carregando nada, mas trago um sentimento de prazer, uma espécie de força
moral por ter trabalhado em tantos bons filmes. Tento comunicar
esse sentimento com o máximo
de modéstia, embora ele se perceba enquanto trabalho.
Folha - Por isso Bonello diz que
filmá-lo é também assistir ao sr. fazer o seu próprio filme?
Léaud - Minha maneira de trabalhar é muito particular. Quando decido fazer um filme, procuro
decorar o texto. Depois, me ponho sozinho num canto e o repito
para, no momento em que entrar
em cena, achar o tom exato. Há cineastas com quem tive uma proximidade maior, porque eles mesmos estiveram associados à história do cinema. Não foi assim com
Bonello, embora isso não contrarie o fato de que ele possa fazer
um filme muito bom. E fez.
Folha - O sr. se recorda do filme
que fez com Glauber Rocha em 70?
Léaud - Sim, "O Leão de Sete Cabeças". Glauber era um amigo.
Ele passou a ser muito associado à
nouvelle vague, sobretudo por
"Terra em Transe", que considero
o seu mais belo filme.
Folha - O sr. acha que é possível
haver na França outro movimento
da importância da nouvelle vague?
Léaud - Não. A nouvelle vague se
inscreve na história do cinema como um movimento revolucionário do século passado. Hoje há
pessoas que têm nela um ponto
de referência para avançar. O cinema mudará sua técnica e tudo o
mais que queiramos, mas, para os
cineastas, Truffaut e Godard serão sempre uma referência.
Folha - O cinema continua a lhe
interessar, apesar das mudanças?
Léaud - Sim. Ele continua me interessando, até no cerne de suas
mudanças. Eu também mudo.
Folha - Na literatura e na música,
quais são seus autores favoritos?
Léaud - Não escuto música. Vivo
no silêncio total. A literatura que
me interessa é sobre a psicanálise.
Acho, como Lacan, que o inconsciente é construído como uma
linguagem. Cada um tenta dizer
seu texto a partir dessa linguagem
do inconsciente. De tempos em
tempos, escuto um pouco de música e tenho tanto mais prazer em
ouvi-la por não ser um hábito. Tenho interesse em ouvir algo que
Glenn Gould levou 25 anos para
tocar. Traduz uma busca tão profunda, que se pode dizer que chegou ao pé da letra. Assim como,
quando a linguagem vai ao pé da
letra, é por meio de um verdadeiro ator, já que ele se remete à linguagem do inconsciente.
Folha - Truffaut faz falta como cineasta, como amigo ou como pai?
Léaud - Essa é uma pergunta
brutal. A ausência de Truffaut é
espantosa não apenas para mim,
mas para todo o cinema internacional. Ele era um dos melhores
cineastas do mundo e teve sua vida interrompida em plena criatividade. A mim, certamente ele faz
falta como amigo. Mas imagino
que outros também sintam falta
de seus filmes.
Folha - Há chances de o sr. voltar a
filmar com Godard?
Léaud - Não sei. Godard é um cineasta muito misterioso, e seus
filmes têm cada vez menos atores.
Texto Anterior: Erika Palomino: Christian Dior, Gaultier, Chanel, Saint Laurent... Próximo Texto: Artigo: Ator está com a cara de Artaud Índice
|