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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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CRÍTICA

Família é uma obsessão televisiva

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Família é assunto caro à ficção e ao público televisivos. O atual sucesso da novela das oito tem tanto a ver com, digamos, a diversidade e veemência dos comportamentos desviantes quanto com o fato de eles emergirem de núcleos familiares relativamente plausíveis.
Ao contrário do cinema, que de certa forma privilegiou (e ainda privilegia) o casal, a TV prefere deter-se no ambiente doméstico e nas relações entre pais & filhos. Nos EUA, de "Papai Sabe-Tudo" a "Dallas", os seriados de televisão sempre empenharam-se em fazer sua parte na disseminação do jeito norte-americano de viver.
E continuam se empenhando, na verdade. Só que agora, em vez das famílias felizes, ajustadas, o truque é mostrá-las do avesso, como se vê em "Six Feet Under", que estreou no último domingo no canal de TV paga Warner. Produzida pela mesma HBO que inovou o mundo das séries com "A Família Soprano" e "Sex and the City", a série gira em torno de uma família proprietária de uma funerária em Los Angeles. As duas primeiras temporadas, de 2001 e 2002, receberam diversos Emmys.
A família Fisher encaixa-se perfeitamente naquilo que os norte-americanos gostam de chamar de "dysfunctional family", ou seja, uma família que não funciona bem, problemática, onde vicejam os mais variados problemas e patologias. Em outras palavras, o oposto da família dos anos 50, plenamente confortável com o sistema.
O pai, Nathaniel, fuma escondido (o tabagismo nos EUA é considerado um problemão) e morre disso: ao se abaixar para acender um cigarro enquanto dirigia, seu carro (um rabecão) é abalroado por um ônibus. À morte do patriarca, segue-se a exibição dos esqueletos escondidos no armário de cada um: a mãe é adúltera, o irmão mais velho é um fracassado e incapaz de manter um relacionamento amoroso estável, o do meio é gay e esconde o namorado, a filha consome drogas.
Ao contrário do período da Guerra Fria, onde o exibido na ficção tendia a idealizar as benesses do capitalismo norte-americano e, portanto, as famílias em tudo deveriam estar de acordo com a moralidade que sustentava tal modelo, hoje a crítica aos modelos e valores tradicionais parece dar o tom nas séries mais adultas e modernas, seja pela proposição de formatos alternativos até o exame às vezes obsessivo do fracasso pessoal e familiar.
Ainda que, na maioria das vezes, a crítica não saia da superfície e tudo, ao final, reitere a preeminência da família (mesmo torta) sobre outros grupamentos sociais, a necessidade de escrutiná-la parece ser uma obsessão da TV.
Em tempo: o apuro da produção, o carisma dos atores e o humor negro de "Six Feet Under" prometem entretenimento bem acima da média.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br


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