|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Livro clássico do diretor francês agrupa aforismos
"Notas sobre o Cinematógrafo" reúne teorias de Robert Bresson
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando ainda era um jovem e
aguerrido crítico de cinema,
François Truffaut sentenciou: Robert Bresson é um gênio condenado a não fazer escola. Truffaut, o
primeiro a admitir, não poderia
estar mais enganado: o exemplo e
a influência de Bresson só fizeram
crescer, subterraneamente, com o
tempo. Graças, em boa medida,
ao livro clássico "Notas sobre o
Cinematógrafo".
Afinal, se Bresson fez escola
(Aki Kaurismaki, Bruno Dumont
e os irmãos Dardenne estão aí para provar), não foi apenas porque
criou um dos estilos mais originais do cinema. Foi um dos raros
cineastas a conseguir reunir, em
um todo coerente, teoria e prática.
Um feito e tanto se considerarmos que toda a teoria de Bresson
se encontra nas cento e poucas
páginas de "Notas", aparentemente dispersa em aforismos.
Espécie de diário de bordo do
cineasta, "Notas" está para o cinema mais ou menos como os "Pensamentos" de Pascal estão para a
filosofia. A escrita de Bresson revela-se, no papel, tão minuciosa e
econômica quanto na tela. De fato, seu livro, em que sentenças
desconexas acabam por formar
uma teoria sistemática, lembra
seus filmes, em que as imagens
são sempre destituídas de seu valor absoluto para só se revelarem
no contato com outras, um pouco
como as palavras.
Adotando o termo "cinematógrafo" (a invenção dos Lumière),
em contraposição a cinema, visto
como sinônimo de "teatro filmado", Bresson começou por depurar de seu estilo todo e qualquer
ranço e afetação teatrais. Buscando no automatismo da vida uma
oposição à exteriorização teatral,
ele cria seus "modelos", seres autômatos cuja exterioridade mecanizada (à custa de repetição e comedimento) preservaria uma interioridade virgem, pura. A interação da mecanicidade dos modelos, exercida em gestos e palavras, com a mecanicidade do próprio cinematógrafo, faria surgir a
emoção (uma revelação) na interação das imagens. Uma arte do
despojamento: ao contrário do
teórico André Bazin, que defendia
o cinema como uma arte impura,
capaz de englobar todas as outras,
Bresson buscava a pureza, e nessa
busca acabou por definir não apenas a modernidade do cinema
mas também sua maturidade enquanto arte audiovisual.
Uma das passagens mais inspiradas de "Notas" é aquela em que
Bresson defende seu princípio de
não-redundância na relação
som/imagem em aforismos assim: "Imagens e sons como pessoas que se encontram ao longo
do caminho e não podem mais se
separar". Uma das citações prediletas de Godard. Um som não pode socorrer uma imagem, dizia
Bresson na entrevista que deu a
Godard em 1966, na "Cahiers du
Cinéma". Bresson estava então
ansioso para terminar suas "Notas". E Godard para lê-las.
Notas sobre o Cinematógrafo
Autor: Robert Bresson
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 30 (144 págs.)
Texto Anterior: Filme sertanejo é grande aposta para o semestre Próximo Texto: Música: Caixa "anos 80" revela repetições do Rei Índice
|