São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2005

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CINEMA

Livro clássico do diretor francês agrupa aforismos

"Notas sobre o Cinematógrafo" reúne teorias de Robert Bresson

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando ainda era um jovem e aguerrido crítico de cinema, François Truffaut sentenciou: Robert Bresson é um gênio condenado a não fazer escola. Truffaut, o primeiro a admitir, não poderia estar mais enganado: o exemplo e a influência de Bresson só fizeram crescer, subterraneamente, com o tempo. Graças, em boa medida, ao livro clássico "Notas sobre o Cinematógrafo".
Afinal, se Bresson fez escola (Aki Kaurismaki, Bruno Dumont e os irmãos Dardenne estão aí para provar), não foi apenas porque criou um dos estilos mais originais do cinema. Foi um dos raros cineastas a conseguir reunir, em um todo coerente, teoria e prática. Um feito e tanto se considerarmos que toda a teoria de Bresson se encontra nas cento e poucas páginas de "Notas", aparentemente dispersa em aforismos.
Espécie de diário de bordo do cineasta, "Notas" está para o cinema mais ou menos como os "Pensamentos" de Pascal estão para a filosofia. A escrita de Bresson revela-se, no papel, tão minuciosa e econômica quanto na tela. De fato, seu livro, em que sentenças desconexas acabam por formar uma teoria sistemática, lembra seus filmes, em que as imagens são sempre destituídas de seu valor absoluto para só se revelarem no contato com outras, um pouco como as palavras.
Adotando o termo "cinematógrafo" (a invenção dos Lumière), em contraposição a cinema, visto como sinônimo de "teatro filmado", Bresson começou por depurar de seu estilo todo e qualquer ranço e afetação teatrais. Buscando no automatismo da vida uma oposição à exteriorização teatral, ele cria seus "modelos", seres autômatos cuja exterioridade mecanizada (à custa de repetição e comedimento) preservaria uma interioridade virgem, pura. A interação da mecanicidade dos modelos, exercida em gestos e palavras, com a mecanicidade do próprio cinematógrafo, faria surgir a emoção (uma revelação) na interação das imagens. Uma arte do despojamento: ao contrário do teórico André Bazin, que defendia o cinema como uma arte impura, capaz de englobar todas as outras, Bresson buscava a pureza, e nessa busca acabou por definir não apenas a modernidade do cinema mas também sua maturidade enquanto arte audiovisual.
Uma das passagens mais inspiradas de "Notas" é aquela em que Bresson defende seu princípio de não-redundância na relação som/imagem em aforismos assim: "Imagens e sons como pessoas que se encontram ao longo do caminho e não podem mais se separar". Uma das citações prediletas de Godard. Um som não pode socorrer uma imagem, dizia Bresson na entrevista que deu a Godard em 1966, na "Cahiers du Cinéma". Bresson estava então ansioso para terminar suas "Notas". E Godard para lê-las.


Notas sobre o Cinematógrafo
Autor: Robert Bresson
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 30 (144 págs.)



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