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TEATRO
Abertura para o capitalismo e influência norte-americana colocam em xeque tradição secular de encenadores em Moscou
Crise de identidade abala cenário russo
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU
Nem tudo são flores no teatro
russo, onde elas colorem os espaços públicos durante o verão e ramalhetes chegam aos atores ao final das apresentações. Flores levadas por um público que, quando gosta, aplaude de forma cadenciada; quando não, levanta-se
em cena aberta, dá as costas para
o palco e vai embora sem culpa.
Está em crise a secular relação
palco-platéia no país de Stanislavski (1863-1938), cujo método
de ator tornou-se paradigma. Não
se trata de anúncio da enésima
crise do teatro, morre-não-morre,
mas exposição de incômoda fratura nestes anos 2000 de ostensiva
abertura para o capitalismo.
Concomitante às dezenas de
outdoors que tomam quarteirões
inteiros, a Moscou com cerca de
200 salas virou alvo dos musicais
norte-americanos. Está em cartaz
"Cats", que chegou depois de
"Chicago", malsucedida temporada de dois anos atrás.
Esse processo de globalização
alinharia a cena atual a um gosto
médio que incomoda. "Vivemos
tempos difíceis de tentações. Primeiro, houve a construção do socialismo. Agora, do capitalismo.
Surgiu um novo espectador, que
não entende o teatro feito de verdade. Encara-o como se fosse
uma moda e está pronto a pagar
muito porque trabalha em grandes escritórios e não se importa se
o que assiste é vulgar", diz o diretor Valery Fokin, responsável pelo Centro Meyerhold de Teatro.
Um luxo essa crise da tradição,
se comparada a pouco mais de 60
anos do moderno teatro brasileiro. Em 2006, serão completados
dois séculos e meio da primeira
ajuda oficial às artes cênicas na
Rússia, fomento perpetuado ao
longo da história.
"O teatro de repertório recebe
ajuda estatal, mas temos muitos
"teatros mortos" que também recebem. O público vai a esse teatro
morto, oferece flores, finge que o
teatro está vivo", diz Fokin.
Segundo o crítico e professor da
Escola de Arte Dramática de Moscou, Vidmantas Silyunas, essa
abertura de janela para o mundo
trouxe "perigos". "Muitos diretores começaram a ir a festivais internacionais e a trabalhar não para a sua platéia, mas para a estrangeira", diz Silyunas. "São espetáculos que poderiam ser assinados
por um diretor de qualquer país,
menos por um russo", completa.
A crítica Marina Zayonts discorda: "Para muitos diretores, a
queda da Cortina de Ferro serve
justamente para conhecer linguagens inovadoras praticadas lá fora, como a apropriação do vídeo.
O problema são alguns diretores
recém-formados que apresentam
esses mesmos procedimentos técnicos fáceis, acostumando o público a esses truques".
Para quem vê de fora, o público
mantém-se rigoroso, apesar de
tudo. "Ele não se deixa enganar",
diz o inglês Declan Donnellan, diretor de "As Três Irmãs", de Tchecov, que passou pelo 6º Festival
Internacional de Teatro Tchecov.
Integrante da comitiva brasileira no evento, que vai até o final do
mês, o diretor Antônio Araújo, do
grupo Teatro da Vertigem, tem o
teatro contemporâneo russo em
alta conta, desde que apresentou
"O Livro de Jó" em Moscou, em
1998. Como Araújo, que é professor da USP (Universidade de São
Paulo), a maioria dos encenadores daqui desenvolve projetos pedagógicos. Entre os principais, estão Yuri Lyubimov, Anatoli Vasiliev, Piotr Fomenko, Kama Ginkas, Lev Dodin e Fokin (1946).
Os jornalistas Valmir Santos e Mario
Vitor Santos viajaram a convite do 6º
Festival Internacional de Teatro Tchecov
e da Funarte
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