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Em série de concertos, pianista atualiza obra de Schubert
Portuguesa Maria João Pires comanda, na Espanha, "Schubertíade", que dá às partituras do austríaco toques de jazz e de ritmos tribais; 5 brasileiros participam
ALVARO MACHADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Soteropolitanos sortudos.
Tornaram-se vizinhos de Maria João Pires que, há um ano,
após "grande decepção em sua
vida artística" e um infarto do
miocárdio, mudou-se de Lisboa
para Lauro de Freitas, ao norte
de Salvador.
Assim, uma das maiores pianistas da atualidade, raridade
nos palcos europeus, aparece às
vezes em concertos com a Sinfônica da Bahia e adapta o projeto educacional e musical que
criou em Portugal, o Centro de
Estudos de Belgais, para crianças capoeiristas de um bairro
carente, inicialmente reformando-lhes a casa e "organizando o lanche".
Espanhóis ainda mais afortunados. Assistem, de hoje a domingo, no impressionante palácio de El Escorial, nas cercanias de Madri, à "Schubertíade", tríade de espetáculos cênico-musicais concebidos por
Maria João, com a participação
de cinco brasileiros entre 17 nomes. A série integra um programa "transdisciplinar" batizado
de Art Impressions, que, além
da linguagem inovadora, reveste-se de "missão ética" ao abordar o tema da "transmissão entre gerações, culturas e indivíduos, num mundo dominado
por um neoliberalismo avassalador, com conseqüências de
miséria e regressão moral".
Discurso duro para o melódico Schubert, que soará em
abordagens clássicas, por Maria João e seu parceiro em piano a quatro mãos, o baiano Ricardo Castro, além de quarteto
de cordas, mas também jazzificado (pelo pianista português
Bernardo Sassetti), em forma
de pantomima (com ator e músicos sob a direção de Márcio
Aurélio) e revisitado por três
novos compositores-sensação
no universo da erudita.
O niteroiense André Mehmari transformou a "Viagem de
Inverno" em "Canção de Verão"; o japonês Dai Fujikura
desconstruiu o quarteto "A
Morte e a Donzela"; e, com ritmos tribais, o sul-africano Bongani Ndodana-Breen converteu "Truta" em "Peixe da África
Austral".
A ousadia mariajoanina não
pára por aí: propõe Jussara Silveira cantando lieder sem empostação lírica -porém com o
"saber dizer" próprio dessa intérprete, elemento tão caro à
tradição musical vienense. Foi
ouvindo Chico Buarque pelo
timbre de Jussara que a pianista encontrou "a voz popular de
Schubert".
Chamou então o violonista e
articulista da Folha Arthur
Nestrovski para dar letras novas a seis canções de 200 anos,
que passaram a ecoar Jobim e
Caymmi. "A incomparável
MPB é a melhor escolha para
representar hoje o lado popular de Schubert, que, de compositor da intimidade, presta-se
agora a um movimento de expansão, podendo sua alma ser
encontrada em qualquer lugar
do mundo", diz a pianista. Sua
"Schubertíade" tem turnês
previstas na Alemanha e na
América Latina no ano que
vem.
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