São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007

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Crítica/"Medos Privados em Lugares Públicos"

Surpreendente, Resnais volta a iluminar o cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nos anos 60, Alain Resnais iluminou o cinema e desesperou seus freqüentadores com os labirintos magníficos que criou em filmes como "O Ano Passado em Marienbad" ou "Muriel". Depois, parece ter caído de moda. A descontinuidade já não era novidade, e Resnais parecia ter perdido a radicalidade.
O próprio cinema moderno, no mais, perdia radicalidade à medida que avançava nos anos 70. Sem a mesma força, abria caminho para a ameaçadora cultura do "blockbuster", que floresceria nos anos 80, levando o cinema americano a uma supremacia como nunca se vira na história do cinema. E a Europa foi banida de nossas telas.
Desde "Meu Tio da América" (1980), os filmes de Resnais (ou qualquer outro bom nome), quando chegavam, se dirigiam para festivais ou para exibições em uma sala solitária, reduzidos ao exotismo. Foi assim com "Smoking/ No Smoking" (1993), exibido na Sala Cinemateca, que desenvolvia em 300 minutos duas séries de histórias possíveis, com dois atores (Sabine Azéma e Pierre Arditi).
A longa introdução é necessária para reatar os fios da produção do diretor no momento em que ele retorna com toda força neste "Medos Privados em Lugares Públicos". A base é a mesma de "Smoking/No Smoking", uma peça do inglês Alan Ayckbourn.
À primeira vista, no entanto, ela parece desprovida do caráter vanguardista do filme de 1993. Lá estão um corretor de imóveis (André Dussolier), a moça que trabalha ao seu lado (Azéma) e a irmã dele (Isabelle Carré); uma cliente do corretor (Laura Morante), seu noivo desempregado (Lambert Wilson) e o garçom (Pierre Arditi) do hotel onde o noivo bebe.
Os primeiros minutos dizem respeito a uma história de desenvolvimento psicológico clássico, com os personagens se mostrando pouco a pouco ao espectador. Algo, porém, soa estranho: o colorido dos cenários, que lembram "Muriel"; certa disposição dos espaços, que descolam não tão sutilmente da vida real.
Aos poucos, esses personagens deixam de ocupar o lugar estático que tinham na narrativa e buscam novas acomodações. O corretor assiste a uma fita pornográfica e tenta assediar a colega de trabalho; sua irmã busca um encontro às escuras e encontra o noivo desempregado; e assim por diante.
O essencial é que essa circulação nos leva de volta ao labirinto, aquele dos anos 60. Hoje ele é mais suave, quase como se fosse disfarçado. Mas está lá: a cada momento nos damos conta de que cada personagem tece, na verdade, seu próprio labirinto. Ele o esconde sob uma identidade, sob a aparência de uma unidade. Mas Resnais parece que vai dispondo espelhos dentro de cada um, enquanto a história se desenvolve, multiplicando-os, tornando-os ao mesmo tempo quebradiços e estilhaçados mas também surpreendentes em sua diversidade e ricos em seus paradoxos.
"Medos Privados..." faz transparecer com clareza a enorme unidade dessa obra sempre diversa e surpreendente que Resnais vem construindo nos últimos 50 anos e que faz dele um dos grandes cineastas de nosso tempo.

MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS


Produção: França, Itália, 2006
Com: Sabine Azéma, André Dussolier
Quando: em cartaz nos cines Reserva Cultural, HSBC Belas Artes e circuito
Avaliação: ótimo



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