São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007

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Crítica/teatro

Diaz coroa processo em "A Gaivota"

Diretor sintetiza trajetória da Companhia dos Atores ao adaptar o clássico texto de Tchecov sobre o choque de gerações

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Gaivota - Tema para um Conto Curto" não é uma montagem da Companhia dos Atores. Apresentada em paralelo com uma minirretrospectiva do grupo, mostra-se claramente como decorrência do método que Enrique Diaz pesquisa com seus atores há quase 20 anos.
Ator-diretor, que encabeça não propriamente criações coletivas, mas espetáculos estruturados pelo processo de criação dos atores, Diaz faz do teatro metalingüístico uma tomada de poder de sua geração, na síntese entre a pesquisa sólida e a iconoclastia libertadora.
"Melodrama", de 1995, não se limitava a um escracho do gênero. Exigia dos atores uma técnica apurada que, com nomes como Augusto Madeira, Drica Moraes e Susana Ribeiro, foi inesquecível. O cenário escasso foi compensado pela dinâmica requintada da luz, além do apuro do canto e da dança.
Este museu imaginário de técnicas de interpretação perdeu o distanciamento histórico com "Ensaio.Hamlet", de 2004. A companhia duelou com seus próprios recursos, em tom de auto-ironia. Bel Garcia expurgou em um monólogo impagável seu preconceito contra a adolescência, para "entrar" na pele-figurino de Ofélia. E, se o "ser ou não ser" saiu pela tangente da técnica formal, poucas foram as montagens que expressaram melhor a questão edipiana de Hamlet.
Se "the play is the thing", como diz Hamlet, no momento em que faz de uma companhia de atores a armadilha para a consciência do rei, a metalinguagem se desdobra em outras obras-primas, como "Gaivota".
Diaz retoma o tema filtrado por Tchecov do choque entre gerações. Bel Garcia, Emílio de Mello, Felipe Rocha, Gilberto Gawronski, Mariana Lima e Isabel Teixeira sobem ao palco, além dele mesmo. A mãe castradora é a atriz consagrada na podridão das velhas convenções; o príncipe suicida é um criador que aspira ao novo e é condenado assim ao fracasso.
Tempos atrás, Diaz deixou de dirigir outra "Gaivota" que, contando com um elenco "all star", estava perto demais da disputa de egos entre gerações.
Agora mais maduro e com um elenco cúmplice, faz da montagem uma comprovação definitiva de seu processo de trabalho. O processo exposto aqui é aquele que Stanislavski criou exatamente para dar conta dos desafios desse conto-em-cena de Tchecov: o subtexto, a memória emotiva e o "se" mágico são somados ao texto original, já que é difícil separar em textos metalingüísticos os personagens e os intérpretes.
Assim, Treplev é Meierhold, na montagem inaugural do Teatro de Arte de Moscou, e é também toda a companhia, que se reveza em todos os papéis, tendo igualmente os estrelismos de Arkadina.
No meio da carreira, com prestígio e desprezo pela fama, ironizando seus orgulhos e suas ingenuidades, a companhia se faz porta-voz geracional. Se algum dia grandes produtores, além do Sesc e da Petrobras, pararem de investir em obviedades para resgatar o teatro experimental do turvo lago no qual se encontra, há de encontrar companhias como esta, que segura a vida nos dentes como quem traz uma flor na boca.

GAIVOTA - TEMA PARA UM CONTO CURTO


Quando: hoje e sáb., às 21h; dom. (último dia), às 18h
Onde: teatro Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195, tel. 3095-9400
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
Avaliação: ótimo



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