|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Black music dá parabéns Atlantic, 50
SYLVAIN SICLIER
do "Le Monde"
"Nós queríamos escutar as
músicas que as outras companhias
não difundiam." O que predispunha um jovem homem saído do
melhor mundo, estudante de filosofia, à adicionar a sua conta bancária um empréstimo de alguns
milhares de dólares para fundar
uma gravadora?
Após duas tentativas inconclusas, a gravadora Atlantic -que
completa 50 anos de existência-
iria se tornar uma das mais importantes gravadoras dos Estados
Unidos, devido, entre outras razões, ao papel que desempenhou
na popularização da música negra
norte-americana. Aparentemente
não seria grande coisa.
Ahmet Ertegun é um dos filhos
de Mehmet Munir Ertegun, diplomata turco que trabalhou nos
EUA, que foi um dos signatários
do Tratado de Versalhes. A mãe de
Ahmet Ertegun adorava tocar piano e cantar. A família vivia em
Washington nos anos 30.
Artes
Que a família, devido a suas origens e sua função, se interessasse
por artes, nada de surpreendente.
Que até sonhasse em se misturar
com aqueles que faziam jazz, sem
deixar de lado o surrealismo francês, também é aceitável. Mas, daí a
se tornar íntima de um meio que
passa suas noites em clubes frequentados por "malandros",
músicos de jazz e garotas eventualmente "perdidas", é outra
história.
A idéia do filho de boa família
junto aos "marginais" agradou a
Ahmet Ertegun, mesmo ela sendo
de certa forma uma interpretação
da realidade: "Nós também éramos estrangeiros na América
branca", traduz.
O que teria incitado um senhor
de 75 anos -nascido em Istambul, em 1923- a passar uma tarde
de domingo em sua casa parisiense lembrando algumas sessões de
gravação e refazendo a história da
Atlantic, mesmo se a nostalgia não
é uma forte característica de sua
personalidade? Nada, mesmo no
melhor dos mundos imagináveis
da indústria do disco.
Um dos fundadores da Atlantic,
Ahmet Ertegun adora encontrar
as pessoas, trocar idéias, explicar
tranquilamente que um quadro
oriental em sua parede lhe lembra
que trocaram, no sul da Turquia,
um domínio otomano, com paisagens de laranjais, pela conservação dos traços originais de sua história arquitetônica.
Poderia-se dizer que esse fundador da Atlantic não tem mais
atualmente as responsabilidades
de outrora. Em um mundo de
multinacionais, a Atlantic não se
distingue verdadeiramente de seus
concorrentes. A maior parte das
gravadoras independentes se tornaram filiais dos grandes grupos,
e a cada ano se processam novas
aquisições e transferências.
Mas, mesmo no tempo em que
era todo-poderoso, Ahmet Ertegun sempre esteve disponível. A
porta de seu escritório vivia aberta. Era fácil encontrá-lo. Bastava
procurar em qualquer lugar onde
se pudesse escutar um pouco de
jazz, blues, soul ou rock.
Homem de muita elegância, esse
senhor culto lê e fala um francês
diferenciado e passa rapidamente
ao inglês quando precisa utilizar
um termo técnico. Quando fala de
seus amigos Mick, Phil ou Eric,
quer dizer Mick Jagger, Phil Collins e Eric Clapton. Fala naturalmente, são seus próximos.
Em 19 de janeiro, Ahmet Ertegun recebeu o título de "Homem do Ano" em uma cerimônia
no Carlton, em Cannes, organizada durante o Midem, a reunião
anual dos profissionais do disco.
Uma recompensa que ajudou a
marcar os 50 anos do selo Atlantic
e a homenagear uma presença
constante em toda a segunda metade do século 20.
"Isto certamente parece um
pouco clichê, mas, quando começamos a Atlantic, era porque queríamos escutar músicas que as outras gravadoras não mostravam
ou mostravam mal", explica Ahmet Ertegun.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a matéria-prima para fabricar
os discos foi severamente racionada. Com o fim da guerra, a América, que não viveu o conflito em seu
território, mas enviou muita gente
para o combate na Europa, sentiu
necessidade de se divertir. Ahmet
Ertegun e seu irmão Nesuhi, cinco
anos mais velho, deram então ao
país o que ele esperava.
Obviamente ocorreram alguns
fracassos no início, mas rapidamente o selo se tornou um reduto
formidável para a música negra
norte-americana, fosse ela soul ou
rhythm'n'blues.
"Como eu vivia nos clubes,
como eu descobrira há pouco o
jazz e depois, graças a meu irmão,
o gospel, tive a intuição de que a
música negra norte-americana iria
deslanchar. Era um mercado que a
maior parte das gravadoras havia
deixado de lado. É claro que havia
Duke Ellington, Louis Armstrong,
Count Basie, mas para a canção
ainda faltava alguma coisa. E uma
boa canção, com uma boa voz que
lhe dê emoção, é um sucesso. Não
sempre, mas frequentemente."
Houve os primeiros grupos vocais, como The Coasters, The Drifters ou The Clovers. Phil Spector,
com seus Shangri-las ou suas Ronettes, e Berry Gordy, com o selo
Tamla Motown, se lembram bem.
Desde então, o selo estava lançado. Ahmet Ertegun sabe bem de
quem se cercar. Sabe também delegar funções para personalidades
fortes, outra característica que o
"business" esqueceu, ao multiplicar as subdireções, nas quais se
repassam as responsabilidades como uma batata quente, mas em
que se reivindica a paternidade
quando surge um sucesso.
Ahmet Ertegun viu o ambiente
evoluir. Seu sentido (inato?) de diplomacia lhe impede de fazer um
julgamento muito severo sobre os
que se tornaram dirigentes da
maior parte das gravadoras.
"Há talvez mais advogados
que em outras épocas e um pouco
menos de gente com ouvido musical", filosofa com um sorriso enigmático.
Se carrega ainda o título de copresidente do grupo Atlantic, Ahmet Ertegun tem atualmente menos controle sobre o selo. Mas
continua a dar palpites sobre certas escolhas e se diz sempre sensível ao surgimento de novas vozes.
"Mas tudo anda muito rápido
atualmente. As gravadoras têm
necessidade de ocupar o mercado.
Assinam-se contratos com os artistas, eles gravam, fazem sucesso
e se passa ao próximo. Mas, quando começamos, também já diziam
que tudo ia rápido demais. Que o
público não tinha tempo de conhecer todos os novos artistas."
Se ele não tem receitas para fabricar um sucesso, Ahmet Ertegun
tem, em contrapartida, algumas
idéias sobre o que faz um bom
produtor.
"É necessário saber dizer não,
saber dizer a um artista que te
apresenta a "obra do século' que
aquilo não vale muita coisa. Mas,
se você vai lhe dizer isso, é bom
que não esteja enganado."
Tradução
Luiz Antonio Del Tedesco
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|