São Paulo, Terça-feira, 13 de Julho de 1999
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BADEN POWELL
Evangélico, músico não diz mais "saravá"

da Reportagem Local

Idiossincrático, Baden Powell hoje desdenha, em parte, parte de sua obra. Convertido evangélico, diz que não toca mais alguns dos afro-sambas que fez com Vinicius de Moraes, como "Canto de Iemanjá", pela identificação que guardam com o candomblé.
Ao ver a capa de um dos poucos títulos seus em catálogo no Brasil em CD, com uma moça sorridente ocupando a capa, esbraveja: "Não sei o que é isso. Nunca vi esse disco na minha vida".
Trata-se de uma das capas com que foi lançado "Love Me with Guitars" (69). E este é, com "La Grande Reunion" (74, um disco gravado em parceria com o violinista Stephane Grappelli), um dos únicos títulos originais em catálogo no Brasil. Foram relançados, de forma precária e semi-independente, pelo selo Imagem.
Leia a continuação de sua entrevista, em que fala sobre seu relacionamento com os afro-sambas.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Folha - De onde vem o lado afro dos afro-sambas?
Baden Powell -
Já está na veia. Afro é todo o Brasil. Está dentro da gente. Eu e Vinicius gostávamos. Nessa época eu estava estudando os cantos gregorianos, os modos litúrgicos. Fazia composições em cima deles, quando estudava com Guerra Peixe (arranjador e regente do LP "Os Afro-Sambas", de 66). Os cantos africanos são idênticos aos gregorianos, é impressionante.
Não sei por que é assim, parei de estudar isso. Porque sou evangélico agora. Os caras pensam que fizemos música para macumba, candomblé. Não tem nada disso, não. É coisa de cultura.

Folha - Qual era sua religião na época?
Baden -
Não, não tem nada a ver. Podia ser o que fosse. Vinicius era ateu. Não precisa ficar embaixo da macumba para poder tocar violão. Tem é que estudar, não pense que vai tomar duas garrafas de cerveja e sair tocando violão. Não vai acontecer nada.
Sempre tive uma simpatia por aquele negócio de macumba, candomblé. Como todo católico, né? Daí nasceram os cantos que comecei a fazer com berimbau. Fiz um exame com Guerra Peixe com um canto gregoriano, vi que parecia um canto de sereia do mar. Aí virou "Canto de Iemanjá". É uma imagem que existe no Japão, na China, há mais de 10 mil anos.
Afro-samba é um tipo de música que existe no Brasil, como o samba lento, o samba-canção, o samba de Carnaval, o samba-choro, o samba-lamento... Esse último é ligado ao afro-samba, que tem aquela escuridão do afro, o lamento. Ficou esse estigma, mas nossos afro-sambas não inventaram nada. Agora estou fazendo um outro estudo sobre cantos gregorianos, para uma série de músicas evangélicas.

Folha - Aí entra o afro de algum jeito também? Sua religião não gosta muito disso.
Baden -
Tem de entrar. Eu não tenho religião.

Folha - Você disse que era evangélico.
Baden -
Sou evangélico. Minha religião é Cristo. A briga dos evangélicos é com o candomblé mesmo, não com a música. Você pode tocar o que quiser.

Folha - Por que você virou evangélico?
Baden -
Por quê? Sabe por que eu fiquei evangélico? Porque quis saber demais. Assim como fui à procura dos afros, continuei querendo a sabedoria. Quando cheguei lá num ponto de sabedoria, vi que esse negócio de candomblé é uma grande mentira. Aí parei.

Folha - Você gravaria os afro-sambas hoje em dia?
Baden -
Gravo. Só alguns não posso gravar, né? O "Samba da Bênção", por exemplo. Não digo mais saravá. Posso tocar o "Samba da Bênção", mas não falo saravá, porque é um louvor a satanás.

Folha - Critica quem o faz?
Baden -
Não, meu filho. Não critico, não. Isso é uma questão de sabedoria. Não posso louvar, mas posso falar sobre o caso e tudo. Está entendido? "Berimbau" e "Consolação" são afro-sambas, posso fazer. "Canto de Iemanjá", não, estaria contribuindo para uma coisa errada. A música, se existe, ela existe, não tem problema. Posso tocar no violão, mas não é o caso. Não é proibido, interditado, nada disso. Posso até falar muito bem, mas não louvo.

Folha - Você conhece as gravações dos afro-sambas por Paulo Bellinati e Mônica Salmaso?
Baden -
Conheço. Muito bom, muito bom. Eles exaltaram, isso aí faz parte da literatura brasileira. Não pertenço à religião deles, isso é uma coisa separada. O que não pode é dividir, ser isso aqui e ir também na macumba.

Folha - Qual é seu ritmo atual de composição?
Baden -
Tenho composto pouco e gravado pouco. Não estou me situando para que lado vai a música. Esse negócio de fundo de quintal está esquisito. Como compositor, conheço muito bem meu país. Nada me surpreende, mas é uma pena. O CD que foi feito aqui, com meus filhos (em 95, pela Cid), me deixou uma espinha atravessada na garganta. Não gostei, não está bom. Erraram a capa. É mal gravado, malfeito, mal dirigido, mal tudo. Aí fui ao Japão e gravei outro para lavar a alma.

Folha - Por que você está gravando discos com seus filhos?
Baden -
Porque é minha obrigação ensinar os bichinhos a engatinhar, né? Tocam bem, merecem.

Folha - Você trabalhou pouco com Tom Jobim e João Gilberto.
Baden -
Sim. Nem tinha como. Tom Jobim era compositor, eu também. João Gilberto é violonista, eu também. Trabalhei muito com Tom em bastidores, na casa dele, escrevendo arranjos. Amizade, tive muita. Sou amigo do João. Ele dificilmente sai, falamos umas duas vezes por ano. Tenho muito poucos amigos músicos. Minha atividade é um pouco solitária.

Folha - Houve períodos com parceiros definidos, como Vinicius e Paulo César Pinheiro.
Baden -
Sim. A gente precisa de letras. O compositor sabe a música que é para ser instrumental e a que é para ser cantada. Quando é para ser cantada, a gente procura um letrista que seja parceiro e amigo, que tenha uma grande intimidade. Senão, não sai legal.

Folha - Como é esse disco que você está gravando?
Baden -
É um disco de estúdio sobre as composições de João Pernambuco, o Sesc pediu. Mas preciso acabar essa entrevista.


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