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BADEN POWELL
Evangélico, músico não diz mais "saravá"
da Reportagem Local
Idiossincrático, Baden Powell
hoje desdenha, em parte, parte de
sua obra. Convertido evangélico,
diz que não toca mais alguns dos
afro-sambas que fez com Vinicius
de Moraes, como "Canto de Iemanjá", pela identificação que
guardam com o candomblé.
Ao ver a capa de um dos poucos
títulos seus em catálogo no Brasil
em CD, com uma moça sorridente ocupando a capa, esbraveja:
"Não sei o que é isso. Nunca vi esse disco na minha vida".
Trata-se de uma das capas com
que foi lançado "Love Me with
Guitars" (69). E este é, com "La
Grande Reunion" (74, um disco
gravado em parceria com o violinista Stephane Grappelli), um dos
únicos títulos originais em catálogo no Brasil. Foram relançados,
de forma precária e semi-independente, pelo selo Imagem.
Leia a continuação de sua entrevista, em que fala sobre seu relacionamento com os afro-sambas.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Folha - De onde vem o lado
afro dos afro-sambas?
Baden Powell - Já está na veia.
Afro é todo o Brasil. Está dentro
da gente. Eu e Vinicius gostávamos. Nessa época eu estava estudando os cantos gregorianos, os
modos litúrgicos. Fazia composições em cima deles, quando estudava com Guerra Peixe (arranjador e regente do LP "Os Afro-Sambas", de 66). Os cantos africanos são idênticos aos gregorianos,
é impressionante.
Não sei por que é assim, parei de
estudar isso. Porque sou evangélico agora. Os caras pensam que fizemos música para macumba,
candomblé. Não tem nada disso,
não. É coisa de cultura.
Folha - Qual era sua religião
na época?
Baden - Não, não tem nada a
ver. Podia ser o que fosse. Vinicius era ateu. Não precisa ficar
embaixo da macumba para poder
tocar violão. Tem é que estudar,
não pense que vai tomar duas garrafas de cerveja e sair tocando violão. Não vai acontecer nada.
Sempre tive uma simpatia por
aquele negócio de macumba, candomblé. Como todo católico, né?
Daí nasceram os cantos que comecei a fazer com berimbau. Fiz
um exame com Guerra Peixe com
um canto gregoriano, vi que parecia um canto de sereia do mar. Aí
virou "Canto de Iemanjá". É uma
imagem que existe no Japão, na
China, há mais de 10 mil anos.
Afro-samba é um tipo de música que existe no Brasil, como o
samba lento, o samba-canção, o
samba de Carnaval, o samba-choro, o samba-lamento... Esse último é ligado ao afro-samba, que
tem aquela escuridão do afro, o
lamento. Ficou esse estigma, mas
nossos afro-sambas não inventaram nada. Agora estou fazendo
um outro estudo sobre cantos
gregorianos, para uma série de
músicas evangélicas.
Folha - Aí entra o afro de algum jeito também? Sua religião
não gosta muito disso.
Baden - Tem de entrar. Eu não
tenho religião.
Folha - Você disse que era
evangélico.
Baden - Sou evangélico. Minha
religião é Cristo. A briga dos evangélicos é com o candomblé mesmo, não com a música. Você pode
tocar o que quiser.
Folha - Por que você virou
evangélico?
Baden - Por quê? Sabe por que
eu fiquei evangélico? Porque quis
saber demais. Assim como fui à
procura dos afros, continuei querendo a sabedoria. Quando cheguei lá num ponto de sabedoria,
vi que esse negócio de candomblé
é uma grande mentira. Aí parei.
Folha - Você gravaria os afro-sambas hoje em dia?
Baden - Gravo. Só alguns não
posso gravar, né? O "Samba da
Bênção", por exemplo. Não digo
mais saravá. Posso tocar o "Samba da Bênção", mas não falo saravá, porque é um louvor a satanás.
Folha - Critica quem o faz?
Baden - Não, meu filho. Não
critico, não. Isso é uma questão de
sabedoria. Não posso louvar, mas
posso falar sobre o caso e tudo.
Está entendido? "Berimbau" e
"Consolação" são afro-sambas,
posso fazer. "Canto de Iemanjá",
não, estaria contribuindo para
uma coisa errada. A música, se
existe, ela existe, não tem problema. Posso tocar no violão, mas
não é o caso. Não é proibido, interditado, nada disso. Posso até
falar muito bem, mas não louvo.
Folha - Você conhece as gravações dos afro-sambas por Paulo
Bellinati e Mônica Salmaso?
Baden - Conheço. Muito bom,
muito bom. Eles exaltaram, isso aí
faz parte da literatura brasileira.
Não pertenço à religião deles, isso
é uma coisa separada. O que não
pode é dividir, ser isso aqui e ir
também na macumba.
Folha - Qual é seu ritmo atual
de composição?
Baden - Tenho composto pouco e gravado pouco. Não estou me
situando para que lado vai a música. Esse negócio de fundo de
quintal está esquisito. Como
compositor, conheço muito bem
meu país. Nada me surpreende,
mas é uma pena. O CD que foi feito aqui, com meus filhos (em 95,
pela Cid), me deixou uma espinha
atravessada na garganta. Não gostei, não está bom. Erraram a capa.
É mal gravado, malfeito, mal dirigido, mal tudo. Aí fui ao Japão e
gravei outro para lavar a alma.
Folha - Por que você está gravando discos com seus filhos?
Baden - Porque é minha obrigação ensinar os bichinhos a engatinhar, né? Tocam bem, merecem.
Folha - Você trabalhou pouco
com Tom Jobim e João Gilberto.
Baden - Sim. Nem tinha como.
Tom Jobim era compositor, eu
também. João Gilberto é violonista, eu também. Trabalhei muito
com Tom em bastidores, na casa
dele, escrevendo arranjos. Amizade, tive muita. Sou amigo do João.
Ele dificilmente sai, falamos umas
duas vezes por ano. Tenho muito
poucos amigos músicos. Minha
atividade é um pouco solitária.
Folha - Houve períodos com
parceiros definidos, como Vinicius e Paulo César Pinheiro.
Baden - Sim. A gente precisa de
letras. O compositor sabe a música que é para ser instrumental e a
que é para ser cantada. Quando é
para ser cantada, a gente procura
um letrista que seja parceiro e
amigo, que tenha uma grande intimidade. Senão, não sai legal.
Folha - Como é esse disco que
você está gravando?
Baden - É um disco de estúdio
sobre as composições de João
Pernambuco, o Sesc pediu. Mas
preciso acabar essa entrevista.
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