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São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

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TEATRO

Companhia do Latão discute erotização mercantil da sociedade em seu novo espetáculo

Notícias do subterrâneo

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Os atores Helena Albergaria e Emerson Rossini em "Mercado do Gozo"


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A Companhia do Latão está entrando em uma zona ambígua. "Mercado do Gozo", o novo espetáculo, é considerado pelo grupo de São Paulo a sua dramaturgia mais "estranhável" em seis anos de criação teatral.
Eleita personagem principal, a narrativa é colocada em suspeição o tempo todo. Por vezes uma cena refuta ou complementa a outra, entre a libertinagem e a inocência, proporcionando um prisma diferente ao espectador.
No entanto, o que deve causar mais estranhamento ao público do Latão é o tratamento do tema da montagem, em temporada no teatro Cacilda Becker, em São Paulo, a partir de sexta-feira.
Tão caro ao perfil do grupo empenhado em refletir questões sociopolíticas do Brasil e do mundo contemporâneos, desta vez o conflito de classes é representado como pano de fundo da história do herdeiro de uma fábrica que chafurda nos bordéis e no ópio.
A ação se passa na São Paulo de 1917, curiosamente a três meses da Revolução Russa. A burguesia industrial emergente enfrenta as primeiras reivindicações do proletariado. Greve geral. "Abaixo esta República/ De cartaz e lantejoulas/ Em que as leis são ficções/ E cada governante/ Um bufo de comédia", brada um operário.
Cansado da "insuportável vida burguesa", o jovem Burgó (Emerson Rossini) rejeita sua condição, aproveita o vácuo da morte do pai, que lhe deixou a fábrica de tecidos, e vai ao submundo tentar retomar o gosto pela vida.
O cafetão Bubu (Ney Piacentini), o dono do opiário, Papoula (Beto Mattos), a prostituta Rosa Bebé (Helena Albergaria), as operárias Getúlia (Victória Camargo) e Cafifa (Izabel Lima), enfim, todos, como Burgó, de certa forma atravessam crise de identidade.
São personagens descritos como tipos negativos, coagidos, desenganados pela história e pelo modo como vêem a si mesmos.
A dramaturgia coletiva do Latão, com texto final de Márcio Marciano e Sérgio de Carvalho, também os diretores, pega atalho na estrutura convencional do barão que visita a ralé e discute a representação do desejo e a hegemonia estética das mercadorias, mal-estares que seduzem as sociedades atuais. Vive-se uma época em que mercadoria tornou-se sinônimo de prazer individual, instantâneo, devidamente associado a um bem econômico. Posse.
"A mercadoria opera muito por produção do desejo. Ela se mantém em aberto, à espera de um satisfação abstrata, promessa do valor de uso, do gozo a cada relação. Daí a erotização do mundo mercantil, presente também na indústria cultural", diz Carvalho.
Segundo Marciano, 41, a peça quer mostrar o processo de teatralização do desejo para tentar alcançar um recuo crítico. A intenção é que o espectador não naufrague no mar do hedonismo.
Aliás, o espectador, a quem o Latão sempre solicitou imaginar a ação, tem o seu próprio papel colocado sob suspeita. Logo na primeira cena, no lado externo do teatro, ele é tratado como figurante de um filme que está sendo rodado, sobre a história de uma prostituta libertária. Mas a peça não é sobre o burguês diletante do gozo? E cadê os grevistas?
As respostas virão do olhar produtivo do público, como diz Marciano. Um olhar que os artistas do Latão pretendem crítico e prazeroso na construção recíproca do espaço imaginário.

O MERCADO DO GOZO. Dramaturgia da Cia. do Latão. Direção: Márcio Marciano e Sérgio de Carvalho. Com: Beto Mattos, Emerson Rossini, Helena Albergaria, Izabel Lima, Martin Eikmeier, Ney Piacentini e Victória Camargo. Quando: estréia sex., às 21h; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até outubro. Onde: teatro Cacilda Becker (r. Tito, 295, SP, tel. 0/xx/ 11/3864-4513). Quanto: R$ 10.


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