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CINEMA - "ROMANCE"
"Matei meu corpo nas filmagens", diz Ducey
FÁTIMA GIGLIOTTI
da Reportagem Local
"Romance", a polêmica iniciativa da diretora francesa Catherine
Breillat que colocou em um liquidificador cinematográfico arte e
sexo explícito, mudou a vida da
jovem atriz Caroline Ducey.
Por sugestão da diretora, Caroline até trocou seu sobrenome artístico, de Trousselard para Ducey. "O nome fui eu que escolhi, é
um personagem de Balzac."
Mas de balzaquiana Caroline
não tem nada. Com seus 23 anos,
alguma experiência em teatro e
dois pequenos papéis em modestos filmes franceses, foi a revelação do cinema do país em 98.
No papel de Marie, protagonizou cenas de sexo explícito, felação e sadomasoquismo incluídos,
e ainda contracenou com Rocco
Siffredi, astro maior do cinema
pornográfico. Deu o que falar.
Depois de "Romance", Caroline
atuou em "La Chambre Obscure", ainda inédito. De Paris, ela falou à Folha, por telefone, sobre o
seu trabalho em "Romance", "um
teste para os meus limites como
atriz". Ela também disse que pensa em viver um ano em outro país.
E coloca o Brasil entre as opções.
Folha - Qual foi sua primeira
impressão ao ler o roteiro?
Caroline Ducey - Até agora eu
acredito que aceitei o papel porque senti que ele era para mim, e
ainda não sei explicar por quê.
Catherine Breillat e eu tivemos
apenas uma reunião. Do filme, eu
só sabia que era um romance sobre uma garota que tinha problemas com o homem pelo qual estava apaixonada. Mas no teste me
emocionei com Marie, minha
personagem, e aceitei o papel.
Depois fui para o hotel, li o roteiro e achei horrível. Eu não esperava aquilo de maneira alguma,
que houvesse sadomasoquismo,
tanta destruição, e que o filme fosse escrito com tanta crueza. Liguei
para o meu agente, e ele me disse:
"É um filme de Catherine Breillat,
ela escreve coisas de maneira
crua, mas o que quer filmar são as
emoções". Então eu decidi seguir
minha primeira impressão.
Folha - E como você se preparou para essas cenas cruas?
Ducey - As filmagens começaram em um mês e, durante esse
tempo, eu não quis ler o roteiro,
ele me assustava. Então coloquei
na personagem só o que eu quis
colocar, ou seja, eu criei uma nova
história para ela. Havia muitas cenas que eu nem queria entender,
eu as considerava simbolicamente, como as de sadomasoquismo.
Folha - Mas isso não criou conflito entre você e Catherine?
Ducey - Não, porque ela está
certa ao dizer que um filme de
amor não deve se deter apenas na
pornografia, mas que a pornografia é importante para trazer a liberdade da nudez.
Folha - Marie, sua personagem, diz no filme que não gosta
de seu corpo. Como você se sente em relação ao seu corpo, totalmente exposto no filme?
Ducey - Eu fui capaz de matar o
meu corpo. Eu tive anorexia
quando garota, não queria deixar
de ser criança. Não sei o que aconteceu, eu apenas fiquei louca.
Por isso não foi difícil me desfazer do meu corpo. Eu aceitei que
ele fosse mostrado e tive de fazer o
medo ir embora.
De certa maneira, eu matei o
meu corpo durante as filmagens,
ele não significava nada para
mim. Depois foi difícil, porque eu
tive de encontrá-lo, fiquei louca
outra vez. Já me recuperei, mas
não terei uma experiência como
essa de novo, pelo menos por enquanto.
Folha - Então as cenas de nudez foram seu maior desafio?
Ducey - Eu tive problemas, mas
porque tinha apenas 21 anos e
precisei tomar decisões que iam
mudar a minha vida. Esse foi o
desafio, saber quais eram os limites do meu trabalho. Para mim, o
importante, na vida, é o que você
faz e, no cinema, é o que você é.
Você é na frente da câmera, e representa na vida.
Entender as diferenças entre a
realidade e a ficção foi um desafio.
Eu só quis fazer um filme honesto, e compreendi que, se eu não
me entregasse ao papel, eu não seria capaz de interpretar.
Folha - E as cenas de sexo explícito, tinham essa "entrega"?
Ducey - Foi um conflito, porque
eu faço uma cena de amor, com
sexo explícito ou não, se ela tiver
sentido. E pornografia não tem
sentido, é apenas para fazer as
pessoas se satisfazerem, e não para elas satisfazerem uma outra
pessoa. Para mim, isso é destrutivo. Mas eu queria testar os meus
limites -e realmente os testei.
Folha - Falando nisso, há três
cenas de felação no filme. Só
uma é de verdade. Por quê?
Ducey - Eu fiz de verdade na
primeira vez porque a diretora
quis que eu fizesse, ela disse que
era necessário -se era ou não, eu
não sei. Depois de provar para
mim mesma que eu era capaz,
não fazia mais sentido repeti-la.
Folha - Isso não é contraditório, num filme que assume a
pornografia explicitamente?
Ducey - Não sei, para mim foi
um teste. Eu acho legítimo tentar.
Se há atores que são abertos para
transar de verdade durante uma
cena, eu sei agora que não sou,
porque não há sentido nisso. Talvez, quando eu for mais velha, eu
mude de idéia. Mas agora eu penso que o amor pode ser simulado;
afinal, estamos falando de cinema. As pessoas transam fora das
telas, mas cinema é ficção, não
precisa ser real. Faz parte da mágica do cinema; ser for real, é um
documentário. Não é ficção.
Folha - A pergunta inevitável:
como foi com Rocco Siffredi?
Ducey - Só descobri quem ele
era horas antes da cena, e ele estava meio perdido também. Éramos apenas dois atores, mas foi
uma crise. Eu quis sair do filme.
Nesse momento, todas as contradições que eu tinha com a personagem explodiram, eu me senti
feia. Mas percebi a tempo que,
quando se quer construir alguma
coisa, é preciso destruir outras, e a
sequência com Rocco é um dos
pontos altos do filme sobre isso.
Folha - Você disse que criou
uma história para Marie, para
interpretá-la à sua maneira.
Ducey - O filme é uma história
de amor. E, no final de tudo, o
sentido pertence ao diretor. Eu
não podia aceitar os personagens
masculinos como eles são mostrados no filme, a serviço da libertação de Marie. Eles não são desenvolvidos, servem apenas a um
ponto de vista feminino do filme.
Mas eu tinha de ver Marie como
alguém que acredita no amor mas
não consegue se libertar para vivê-lo sem os jogos de poder.
Folha - Foi mais fácil filmar
com uma diretora?
Ducey - Sim, porque eu podia
falar de sexo na mesma língua,
trocar com ela. Mas acho que não
é pelo fato de ela ser mulher, é
uma questão de personalidade.
Folha - "Romance" termina
com uma imagem virginal, da
mãe com o filho. Por quê?
Ducey - Catherine adora contradições; para ela a definição do
feminino é a ambiguidade. Eu
não sei se concordo com ela, mas
a cena final é simbólica, como se
acontecesse num pesadelo e a vida fosse uma farsa, tem uma certa
ironia nisso. Eu não queria interpretar a cena final assim, mas fiz
como Catherine quis; há uma
morte simbólica, o filho é a continuidade da vida. Tudo passa.
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