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CARLOS HEITOR CONY
Poetas românticos e sonhos complicados
Nos tempos românticos, as donzelas eram pálidas e os poetas gostavam delas e dos cemitérios. Aparentemente, uma coisa devia ter com a outra, pois as
donzelas, além de pálidas, eram fracas de peito e de carne. Apesar
de puras como os lírios do vale, não resistiam à menor cantada e,
de duas, uma: antes que a família descobrisse que estavam grávidas, entravam para o convento ou ficavam tuberculosas, como a dama das Camélias e a Mimi Poisin, da ópera de Puccini.
Algumas preferiam o suicídio, como Ana Karenina, Ema Bovary
e a madame Butterfly, do mesmíssimo Puccini, que tinha o seu
forte em mulheres fracas do peito e da carne -como foi dito acima.
No Brasil, o romantismo foi curiosamente paradoxal -o que
deve ser pleonasmo, pois todo paradoxo é curioso. Movimento importado, como as tesourinhas Sollingen, as máquinas Singer e os
bondes da Light, o romantismo
deu a volta por cima em nossas
plagas, sobretudo em seus representantes mais categorizados. Absorveu a nossa paisagem, nossas
palmeiras, nossos sabiás, nossas
borboletas e até mesmo, num
exagero que quase lhe foi fatal, os
nossos índios e índias.
Contudo o veio principal do romantismo europeu continuou
com suas pálidas donzelas e seus
cemitérios igualmente pálidos
-não sei se os cemitérios são pálidos, mas devem ser, os muros
são pintados de branco e a maioria dos túmulos tem a palidez dos
mármores.
Byron, de um lado, e Victor Hugo, de outro, foram os gigantes
que fizeram a cabeça de todos os
românticos, os bons, os ruins e os
mais ou menos. Houve gente que
levou donzelas (nem todas pálidas, algumas até que exuberantes) para fornicar nos cemitérios,
em cima das campas, à Byron
mesmo, embora seja difícil imaginar o poeta-lorde, com sua manca perna, trepando com alguém
em situação tão desconfortável.
E havia os suicídios, à Werther.
Não incluí Goethe na lista dos gigantes aí de cima porque, afinal,
ele escreveria o ""Fausto" e mudaria de grau e de gênero. Os bons
românticos morreriam cedo, e
Goethe morreu bem velho. Mas,
no Brasil, quem passava de certa
idade tinha de ser clássico ou parnasiano. Álvares de Azevedo
morreu com 20 anos e deixou-nos
sua lira obviamente dos 20 anos.
Casimiro de Abreu morreu com
21, chorando as saudades que tinha da aurora de sua vida que os
anos não mais traziam, quando
ele adormecia sorrindo e despertava a cantar.
Castro Alves foi embora aos 24
anos e, de todos os românticos, foi
o mais viril, porque a verdade é
que os seus colegas de movimento
eram frouxos. Álvares de Azevedo
morreu sem ter conhecido mulher
e Casimiro de Abreu não era fanático. Fagundes Varela, outro
romântico maior, não chegou aos
40, morreu aos 34. E o mais velho
de todos, Gonçalves Dias, estava
morre-não-morre aos 41 anos e o
navio em que viajava ajudou-o a
ir desta para melhor, naufragando na costa do Maranhão natal,
sem que ouvisse os sabiás cantando nas palmeiras de lá.
Na Academia, há a Sala dos
Poetas Românticos. Lá estão os
bustos de Casimiro de Abreu, de
Castro Alves, de Fagundes Varela, de Álvares de Azevedo e de
Gonçalves Dias, sendo que este
tem, além do busto, um pedaço
da proa do ""Vile de Boulogne", o
navio que o levou para o fundo
das águas.
Os parnasianos não gostavam
dos românticos, zombavam deles,
mas foram pagos na mesma moeda porque os modernistas, de 22
em diante, também caíram em cima deles, e todos, parnasianos e
românticos, saíram de moda. E,
como quem bate leva, os modernistas também passaram de moda e somente alguns se habilitaram a ser eternos -até que as
coisas novamente mudem, pois
mudar é preciso, ainda que seja
para pior.
Dito tudo o que disse, confesso
que admiro os românticos, embora prefira mulheres sanguíneas e
não aprecie os cemitérios. De todos os movimentos literários que
tivemos -todos importados, é
bom repetir-, o romantismo foi
o que mais se adaptou à nossa
gente e ao nosso cenário. O classicismo foi um absurdo geográfico e
cultural, não fazia sentido imitar
Virgílio ou Camões em terras de
um mundo novo. O parnasianismo foi uma reação aos excessos
do romantismo, mas também cometeu excessos, da mesma forma
que os modernos, reagindo aos
parnasianos, criaram o poema-piada, que nem é poema nem
chega a ser piada. Tornaram-se
modernosos, como os abajures art
nouveau e as eletrolas pé de palito
em pau-marfim.
Suspeito que esteja hoje com a
cachorra, falando mal de tudo e
de todos, mas é que estou me preparando para fazer uma palestra
sobre o romantismo e tive um sonho complicado. Havia uma
criança correndo atrás das borboletas de asas azuis e, no horizonte,
boiando num rio, a copa de uma
palmeira levava um homem e
uma mulher que se amavam. Para piorar, em cima de outra palmeira cantava um bem-te-vi (não
temos sabiás aqui na Lagoa) e de
uma casa distante vinha a voz do
Agnaldo Timóteo berrando com
seu vozeirão o ""Tão longe, de
mim distante", do Carlos Gomes.
Tamanho contexto tinha de resultar num péssimo texto. Daí
que me prometi melhores sonhos e melhores leituras.
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