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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Gil e os piratas
A pirataria não pode ser considerada uma espécie de Bolsa Família do entretenimento cultural
QUESTIONADO sobre o alegre e
abrangente consumo de cópias piratas do filme "Tropa
de Elite", o ministro Gilberto Gil
preferiu chamar a atenção para a
complexidade do assunto -a seu ver
"uma equação de muitos termos". A
realidade, segundo Gil, estaria "relativizando o tempo todo a questão da
propriedade intelectual" e o fenômeno da pirataria deveria ser analisado à luz das novas tecnologias e da
existência de camadas da população
com pouco dinheiro para adquirir
bens culturais.
Não há dúvida de que o tema é
cheio de complicações e o mero discurso legalista é insuficiente para
enfrentá-las. Mas, ainda assim, não
é possível deixar de ver na venda
dessas cópias -e de tantas outras, a
céu aberto, nas ruas de nossas cidades- a ocorrência de um roubo, que
nada tem a ver com imaginários Robin Hoods culturais, a retirar arte
dos ricos para distribuir aos pobres.
A pirataria não pode ser considerada uma espécie de Bolsa Família
do entretenimento cultural. Organizada, ela é um comércio ilícito que
beneficia poderes ilícitos, não se
submete a nenhum código de direitos do consumidor, não paga impostos e usurpa o trabalho alheio.
Sintomaticamente, o artista Gilberto Gil está em plena temporada
de um show puxado pela canção
"Banda Larga", que vem embalado
no marketing do Creative Commons. É engraçado um compositor
bem-sucedido como Gil tirar chinfra de "liberou geral" na questão dos
direitos autorais. Mas, na verdade,
ele está abrindo mão de quê? Pelo
que entendi, de nada: apenas de não
ir à Justiça contra pessoas que façam gravações dos shows e as coloquem na internet -o que já ocorreria mesmo. Ou será que o compositor estaria realmente renunciando a
direitos e nos autorizando a copiar
sua obra e vendê-la a preços populares nos barracos da cidade?
Não é demais lembrar que o mesmo Gil preocupado com o acesso dos
mais pobres a DVDs é o ministro à
frente de um órgão que autoriza o
uso de milhões e milhões de reais
em projetos culturais de elite, por
meio das leis de incentivo.
O assunto, obviamente, vai muito
além dos problemas de maior ou
menor poder aquisitivo para consumir cultura. Os novos meios de reprodução e difusão facilitam enormemente a circulação e o compartilhamento informal de produtos culturais. E isso tem produzido uma série de movimentos interessantes
entre artistas e empresários, que
procuram reinventar suas atividades em busca de novos modelos de
negócios.
É nesse contexto que as declarações de Gil -e também de Orlando
Senna, secretário do MinC- ganham mais sentido. Mas seria desejável que ambos apresentassem com
mais clareza seus projetos. Às vezes
tem-se a impressão que há uma política de intenções ousadas e transformadoras no ministério, mas café-com-leite. Não vale. Não chega à
prática. Se o MinC, como diz Senna,
acredita que é preciso "rever todos
os conceitos e parâmetros" relativos
aos direitos autorais, que venha com
uma proposta. Caso contrário, ficamos no reino da retórica e da ambigüidade política.
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