São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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LIVROS

Pai-patrão de artistas revê trajetória

Mais célebre executivo de gravadoras do país, André Midani lança livro sobre convivência com estrelas como João Gilberto

O auge da carreira de Midani foi na Phonogram, entre 1968 e 1975, época em que trabalhou com nomes como Gil, Caetano, Gal Costa e Elis


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Houve um tempo em que, além de siglas e cifras, as multinacionais do disco tinham rostos e nomes. No Brasil, esse tempo foi o de André Midani, o mais notório executivo da história da indústria fonográfica no país. Aos 76, ele lança a autobiografia "Música, Ídolos e Poder: do Vinil ao Download", fazendo jus à sua imagem de pai-patrão: revê a sua trajetória como manda-chuva da Odeon (hoje EMI), da Phonogram (hoje Universal) e da Warner sem revelar muitos podres das inúmeras estrelas com quem conviveu. "Não quis contar o baixo astral. Não ia invadir a intimidade dos meus artistas", justifica. O escape não impede que se leiam boas histórias, mas quem fica mais exposto é o próprio Midani. Afinal, a idéia inicial do livro era deixar para os dois filhos um relato sobre sua vida acidentada. Midani nasceu na Síria, mas foi cedo para a França com a mãe, que fugia do pai. Passou por várias cirurgias por causa da poliomielite. E sobreviveu à Segunda Guerra andando pelo campo numa caravana brancaleônica que, vez ou outra, era confundida com nazistas e bombardeada por aliados. Acostumou-se com cadáveres. "A morte não me sensibiliza. Eu fico triste, mas não chama uma emoção profunda."

"Quero viver aqui"
Para se libertar da mãe dominadora e não ser convocado como francês para lutar contra a independência da Argélia, entrou com o pouco dinheiro que tinha num navio rumo à América do Sul. Deslumbrado com a baía de Guanabara, decidiu: "É aqui que quero viver". Dois dias depois, já estava na Odeon, onde se tornaria grande incentivador da bossa nova. Apostou que o Brasil deveria ter uma música feita pelos jovens e para os jovens, e ajudou Dorival Caymmi e Tom Jobim a convencerem Aloysio de Oliveira, o diretor artístico, a deixar João Gilberto gravar "Chega de Saudade", em 1958. "Eu dizia: "Aloysio, é, é, é [isso]", com o fervor de um garoto de 26 anos", lembra. Tal empenho não o poupou, é claro, de sofrer com as idiossincrasias de João. "O que contei [no livro] foi o máximo que me permiti contar. [...] O que eu falo é suficiente, nas entrelinhas, para entender que às vezes era complicado." O auge da carreira foi na Phonogram, entre 1968 e 1975. A gravadora tinha praticamente todos os grandes: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Chico Buarque, Elis Regina, Rita Lee, Jorge Ben e muito mais. "Em algum momento, os artistas, o meio, ou os artistas e o meio, tiveram necessidade de descobrir uma figura, eu diria, paterna. E eu fui o eleito, num processo inconsciente", acredita. Um anúncio da Phonogram ficou célebre: "Só nos falta Roberto Carlos... Mas, também, ninguém é perfeito". Midani não conseguiu o Rei e ainda falou mal dele para Erasmo Carlos, com o objetivo de tirá-lo da sombra do parceiro. "Sempre pensei que Roberto carregava o inconsciente brasileiro. Por esse lado, era o Rei. Mas, pelo não comprometimento com nada [no aspecto político], aí eu dizia: "Pobre do país que tem um rei como Roberto Carlos'", conta.

"Agente da CIA"
A germano-holandesa Phonogram tinha uma postura antiditadura -e chegou a ser cercada pelo Exército. Mesmo assim, parte da intelectualidade via Midani como um enviado do imperialismo para sugar as riquezas culturais nacionais. Glauber Rocha, com uma dose de ironia, chamou-o de "agente da CIA", o serviço de inteligência dos EUA. Curiosamente, foi já na Warner que, por gravar artistas como Banda Black Rio e divulgar os bailes do subúrbio carioca, ganhou a suspeita de receber dinheiro do movimento negro americano e, em conseqüência, um pedido de extradição que não foi adiante. Entre os méritos daqueles anos 70, está o de ter reunido Chico e Caetano para um show que virou disco (1972). "Eram duas crianças, cada um no seu canto, com gente que os adora e adula dizendo [como se fosse para o outro lado]: ""Fdp, vá se f...". Os dois não tomaram parte disso, mas também não telefonavam um para o outro para dizer "vamos fazer algo"." Para não perder os dois e Gil, ele renovou os contratos permitindo que os discos futuros pertencessem aos artistas. Depois, segundo diz, os três revenderam os discos para as companhias. "É de ficar espantado. Até hoje não tive a coragem de sentar com Gil, Caetano e Chico e perguntar: "Caras, por que fizeram isso?" A Folha procurou os três, mas não teve resposta até a conclusão da edição. Dando só palestras e consultorias hoje em dia, Midani lamenta que a "tecnocracia" tenha tomado conta das grandes gravadoras e diz que foi um "grande erro" a luta contra a pirataria virtual. "Em vez de lutar, teria que se juntar. [...] Agora não há mais tempo. Tem que apagar, contabilizar os prejuízos, zerar e continuar."

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER: DO VINIL AO DOWNLOAD
Autor: André Midani
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39,90 (336 págs.)



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