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Azarão era na verdade uma barbada
CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Pelo mecanismo tortuoso
do Nobel de Literatura, em
vez de azarão, na verdade a premiação de Gao Xingjian era uma
barbada. Ora, os cinco ganhadores anteriores eram ocidentais; a
literatura chinesa nunca levara
um Nobel; e escritores com um
histórico antitotalitário sempre
têm fortes chances de ganhar o
prêmio. Da lista de favoritos, era
quem corria na frente e levou, embora desconhecido.
O fato de não ser famoso, aliás,
até ajudou. Um dos "princípios"
que parecem reger as indicações é
o de tornar conhecidos nomes
que não soam familiares aos ouvidos do público fora do país natal
do agraciado. Quem conhecia a
sul-africana Nadine Gordimer
antes do Nobel, (91)? Ou a polonesa Wislawa Szymborska (96)?
Mesmo com o prêmio, muita gente segue incapaz de citar de memória um só livro delas.
Em termos ideológicos, Gao
Xingjian é uma versão literata do
rapaz que enfrentou sozinho um
tanque nas ruas de Pequim em
1989. Nunca esteve em paz com o
regime comunista e pode ter cativado a academia sueca com esse
perfil.
Por essa simpatia por democratas, o Nobel premiou o franco-argelino Albert Camus (1957) e o soviético Alexandr Solzhenitsin
(1970). Pela mesma razão cometeu injustiças, como não premiar
o argentino Jorge Luis Borges, que
fez declarações favoráveis à ditadura militar em seu país.
Ou seja, pelo visto, cada vez que
Mario Vargas Llosa fala alguma
coisa contra Fujimori, suas chances de ganhar o Nobel devem aumentar bastante. Seu liberalismo,
por outro lado, não deve ajudar,
porque a Academia sueca também tem uma queda pelo socialismo -vide as premiações do alemão Günter Grass (99) e do português José Saramago (98).
Outras pistas para a bolsa de
apostas do Nobel estão em um
certo equilíbrio geográfico nas escolhas. Os últimos agraciados
eram europeus, logo era provável
que este ano saísse para um asiático. Como o Japão e a Índia já foram premiados, a China, sem nenhum Nobel, com um governo
opressor e situada no Oriente, tinha tudo para levar o prêmio.
Mas quem fica com ele é a França.
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