São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novo livro do escritor inglês é um dos favoritos para levar o Booker Prize

A telepatia de Ian McEwan

Protagonista de "Atonement" é menina inventiva que reconstrói o mundo que vê

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Briony tem 13 anos e está com o dedo no queixo, olhando para o chão. Na casa em que vive, no interior da Inglaterra dos anos 30, não há muito o que fazer senão pensar, imaginar, fantasiar. Briony quer ser escritora e passa os dias a criar mundos imaginários a partir de cenas cotidianas.
"Atonement" (Expiação), o oitavo romance do escritor inglês Ian McEwan, propõe uma reflexão sobre o ato de construir histórias, no geral, e sobre a literatura inglesa, em particular.
A ação principia quando Briony tenta encenar com os primos um texto que escreveu. Surge a primeira decepção, pois percebe que entre construir uma história e ser compreendida há um grande passo. A peça fracassa, e Briony tem também a primeira revelação, ao perceber que não é só ela que se sente dividida entre um mundo interior e uma aparência exterior.
Sua imaginação extraordinariamente ativa também faz com que ela cometa o que parece ser uma grande injustiça ao interpretar à sua maneira uma correspondência interceptada entre sua irmã e o amante. Inocente, ele acaba preso por estupro por culpa dela.
Briony passa o resto da trama buscando reparar o mal que fez. O livro se desloca para, primeiro, o ano de 1940, com a Segunda Guerra em curso na Europa, e, depois, para 1999, em Londres.
Reencontramos aí Briony, agora uma escritora reconhecida, mas doente, aos 77 anos. Percebe-se então que o livro nada mais é do que o testamento da própria protagonista e que o relato faz parte da tentativa de expiar sua culpa. É assim que Briony se revela, ressalta McEwan, como sendo Deus do próprio destino.
Toda a narrativa pode ser então questionada, e sua veracidade, colocada em cheque.
O livro está sendo considerado pela crítica como um dos principais favoritos deste ano para levar o Booker Prize (leia abaixo). McEwan já ganhou esse prêmio uma vez, em 98, com "Amsterdã".
Ao Brasil, "Atonement" só chegará no primeiro semestre de 2002, pela Companhia das Letras, com o título "Reparação". Leia abaixo os principais trechos da entrevista que McEwan deu à Folha, por telefone, de Oxford.

Folha - O livro trabalha em especial com duas ações: testemunhar e imaginar. Acha que a literatura é construída sobre ambas?
Ian McEwan -
Sim, no caso específico do livro, ambas se chocam na cabeça de Briony e fazem parte de suas principais dúvidas: será que só ela é capaz de criar mundos e será que só ela tem dentro de si uma outra vida, diferente da que mostra ao mundo "real"? Mas o romance também é sobre a incompreensão, sobre o preço que pagamos à vida toda por pequenos enganos de interpretação, pequenos lapsos de comunicação, que nem sempre são explícitos.
Quanto à literatura em geral, acho que ela consiste nisso, em viajar a outras consciências.

Folha - Por que escolheu uma menina como protagonista, não um menino?
McEwan -
Briony sempre apareceu para mim como uma garota. Pela forma como pensa, pela maneira como manipula a sua imaginação, ela já nasceu em minha cabeça como uma menina. Também me inspirei na observação de minhas duas afilhadas.

Folha - Falando em referências familiares, seu pai, que aparece no livro, lutou na Segunda Guerra. Como o conflito o inspirou?
McEwan -
Meu pai foi ferido na retirada das tropas britânicas de Dunquerque. Coloquei-o no livro como uma homenagem. Quanto à guerra em geral, eu sou de uma geração que cresceu num período de paz na Inglaterra. Mas as batalhas sempre estiveram presentes em nossa imaginação, nas conversas dos adultos. Foram formadoras da idéia que eu viria a ter do mundo nas décadas seguintes.

Folha - Briony busca reparar o mal que fez no princípio. Mas isso soa contraditório, pois como ela pode expiar sua culpa e ao mesmo tempo ser a autora desse roteiro?
McEwan -
O problema de Briony é uma metáfora que uso para refletir sobre o ato de contar uma história, sobre a literatura. O personagem mostra de que maneira a imaginação pode se transformar em uma força bastante destrutiva. Sim, Briony nunca irá se redimir, reparar seu erro, se ela for, ao mesmo tempo, Deus nessa história. Mas o que importa é sua tentativa e a estratégia que ela escolhe para alcançar sua reparação. Briony passeia nas mentes dos outros, sonda suas consciências.

Folha - Alguns críticos apontam que o livro principia muito lento, descritivo, impressionista. O que pensa disso?
McEwan -
Tenho me surpreendido quando leio resenhas que dizem isso. Penso o contrário, o livro traz elementos de suspense desde o princípio. Mas é verdade que tenho uma preocupação grande com o ritmo, e o fato de os acontecimentos se precipitarem abruptamente em determinado momento é intenção calculada.

Folha - Você acredita que vai ganhar o próximo Booker Prize?
McEwan -
Acho que há uma possibilidade de eu vencer. Apostei com Peter Carey. Quem ganhar paga um jantar para o outro. Mas, se nenhum de nós vencer, vamos jantar do mesmo jeito.


ATONEMENT. De: Ian McEwan. Inglaterra, 2001. Editora: Jonathan Cape. Preço: 8,49 libras (372 págs.). Onde encomendar: www.amazon.co.uk e www.waterstones.co.uk



Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Trechos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.