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Novo livro do escritor inglês é um dos favoritos
para levar o Booker Prize
A telepatia de Ian McEwan
Protagonista de "Atonement" é menina inventiva
que reconstrói o mundo que vê
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Briony tem 13 anos e está com o
dedo no queixo, olhando para o
chão. Na casa em que vive, no interior da Inglaterra dos anos 30,
não há muito o que fazer senão
pensar, imaginar, fantasiar.
Briony quer ser escritora e passa
os dias a criar mundos imaginários a partir de cenas cotidianas.
"Atonement" (Expiação), o oitavo romance do escritor inglês
Ian McEwan, propõe uma reflexão sobre o ato de construir histórias, no geral, e sobre a literatura
inglesa, em particular.
A ação principia quando Briony
tenta encenar com os primos um
texto que escreveu. Surge a primeira decepção, pois percebe que
entre construir uma história e ser
compreendida há um grande passo. A peça fracassa, e Briony tem
também a primeira revelação, ao
perceber que não é só ela que se
sente dividida entre um mundo
interior e uma aparência exterior.
Sua imaginação extraordinariamente ativa também faz com que
ela cometa o que parece ser uma
grande injustiça ao interpretar à
sua maneira uma correspondência interceptada entre sua irmã e o
amante. Inocente, ele acaba preso
por estupro por culpa dela.
Briony passa o resto da trama
buscando reparar o mal que fez. O
livro se desloca para, primeiro, o
ano de 1940, com a Segunda
Guerra em curso na Europa, e, depois, para 1999, em Londres.
Reencontramos aí Briony, agora uma escritora reconhecida,
mas doente, aos 77 anos. Percebe-se então que o livro nada mais é
do que o testamento da própria
protagonista e que o relato faz
parte da tentativa de expiar sua
culpa. É assim que Briony se revela, ressalta McEwan, como sendo
Deus do próprio destino.
Toda a narrativa pode ser então
questionada, e sua veracidade, colocada em cheque.
O livro está sendo considerado
pela crítica como um dos principais favoritos deste ano para levar
o Booker Prize (leia abaixo). McEwan já ganhou esse prêmio uma
vez, em 98, com "Amsterdã".
Ao Brasil, "Atonement" só chegará no primeiro semestre de
2002, pela Companhia das Letras,
com o título "Reparação". Leia
abaixo os principais trechos da
entrevista que McEwan deu à Folha, por telefone, de Oxford.
Folha - O livro trabalha em especial com duas ações: testemunhar e
imaginar. Acha que a literatura é
construída sobre ambas?
Ian McEwan - Sim, no caso específico do livro, ambas se chocam
na cabeça de Briony e fazem parte
de suas principais dúvidas: será
que só ela é capaz de criar mundos e será que só ela tem dentro de
si uma outra vida, diferente da
que mostra ao mundo "real"? Mas
o romance também é sobre a incompreensão, sobre o preço que
pagamos à vida toda por pequenos enganos de interpretação, pequenos lapsos de comunicação,
que nem sempre são explícitos.
Quanto à literatura em geral,
acho que ela consiste nisso, em
viajar a outras consciências.
Folha - Por que escolheu uma menina como protagonista, não um
menino?
McEwan - Briony sempre apareceu para mim como uma garota.
Pela forma como pensa, pela maneira como manipula a sua imaginação, ela já nasceu em minha cabeça como uma menina. Também me inspirei na observação de
minhas duas afilhadas.
Folha - Falando em referências
familiares, seu pai, que aparece no
livro, lutou na Segunda Guerra. Como o conflito o inspirou?
McEwan - Meu pai foi ferido na
retirada das tropas britânicas de
Dunquerque. Coloquei-o no livro
como uma homenagem. Quanto
à guerra em geral, eu sou de uma
geração que cresceu num período
de paz na Inglaterra. Mas as batalhas sempre estiveram presentes
em nossa imaginação, nas conversas dos adultos. Foram formadoras da idéia que eu viria a ter do
mundo nas décadas seguintes.
Folha - Briony busca reparar o
mal que fez no princípio. Mas isso
soa contraditório, pois como ela
pode expiar sua culpa e ao mesmo
tempo ser a autora desse roteiro?
McEwan - O problema de Briony
é uma metáfora que uso para refletir sobre o ato de contar uma
história, sobre a literatura. O personagem mostra de que maneira
a imaginação pode se transformar
em uma força bastante destrutiva.
Sim, Briony nunca irá se redimir,
reparar seu erro, se ela for, ao
mesmo tempo, Deus nessa história. Mas o que importa é sua tentativa e a estratégia que ela escolhe
para alcançar sua reparação.
Briony passeia nas mentes dos
outros, sonda suas consciências.
Folha - Alguns críticos apontam
que o livro principia muito lento,
descritivo, impressionista. O que
pensa disso?
McEwan - Tenho me surpreendido quando leio resenhas que dizem isso. Penso o contrário, o livro traz elementos de suspense
desde o princípio. Mas é verdade
que tenho uma preocupação
grande com o ritmo, e o fato de os
acontecimentos se precipitarem
abruptamente em determinado
momento é intenção calculada.
Folha - Você acredita que vai ganhar o próximo Booker Prize?
McEwan - Acho que há uma possibilidade de eu vencer. Apostei
com Peter Carey. Quem ganhar
paga um jantar para o outro. Mas,
se nenhum de nós vencer, vamos
jantar do mesmo jeito.
ATONEMENT. De: Ian McEwan.
Inglaterra, 2001. Editora: Jonathan Cape.
Preço: 8,49 libras (372 págs.). Onde
encomendar: www.amazon.co.uk e
www.waterstones.co.uk
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