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"UM ASSASSINATO, UM MISTÉRIO E UM CASAMENTO"
Twain instiga o leitor em novela inédita
RODRIGO MOURA
DA REPORTAGEM LOCAL
O leitor , ao ler uma resenha, tem o direito (ou é obrigado a) de conhecer o desfecho do
livro comentado? Na prosa de ficção, de hoje ou de 125 anos atrás,
vale mais o acontecimento que
encerra a trama ou os sucessivos
passos que levam a ele? E o estilo,
é possível dissociá-lo do enredo?
Perguntas como essas, em que
pese sua pertinência maior ou
menor para a crítica em si, são colocadas com maestria por "Um
Assassinato, um Mistério e um
Casamento", novo livro de Mark
Twain (1835-1910). Novo?
Escrita em 1876, mesmo ano de
"As Aventuras de Tom Sawyer", a
novela que a Objetiva publica
agora (no mesmo ano em que
chega pela primeira vez ao leitor
norte-americano) apareceu como
projeto abortado para a revista
"Atlantic Monthly".
Twain sugeriu ao editor William Dean Howells que outros escritores americanos (Henry James e Bret Harte, entre vários) escrevessem contos para a revista a
partir de um esqueleto de sua própria autoria.
Enquanto Twain se questionava
sobre interromper ou não sua
obra-prima "As Aventuras de
Huckleberry Finn", pela qual havia perdido o interesse, o projeto
perdeu fôlego e nunca se concretizou. Mas o fato é que "Um Assassinato, um Mistério e um Casamento" foi escrito como parte
desse projeto. De sua feitura até
hoje, uma série de disputas sobre
o espólio de Twain impediu sua
publicação para um público leitor
mais amplo.
No prefácio a esta primeira edição (o livro só foi publicado antes
em 1945, em tiragem de 16 exemplares que pretendia estabelecer
direitos autorais para os editores),
o humorista Roy Blount Jr. questiona se a narrativa reflete realmente os "mais profundos interesses" de Twain. Parece que sim.
À trama: John Gray é um fazendeiro de Deer Lick, um pequeno
vilarejo mítico no Missouri. Tem
uma filha, Mary, a qual pretende
casar com um rico e qualificado
pretendente. Jubiloso porque vai
conquistar uma velhice mais segura com o genro, fica sabendo,
numa das várias peripécias da trama, que seu abonado irmão pretende deixar, por meio de um testamento, toda a fortuna à sobrinha. Em dúvida entre casar e não
casar a filha, uma vez que poderia
arranjar um pretendente ainda
mais rico, sai para uma volta pelas
pradarias de sua propriedade.
No meio do caminho, se encontra com "um jovem, com menos
de 30 anos, pela aparência, vestido numa roupa fora do comum,
estirado no chão sobre a neve.
Imóvel. Evidentemente, estava...
sem sentidos".
Acordado por Gray, o personagem-surpresa se revela um nobre
francês e vai protagonizar, mais
ou menos, os três acontecimentos
que compõem o título do livro.
Na novela, aparece, mais uma
vez e como sempre em Twain, a
descrição de um centro moral da
sociedade norte-americana, então centenária e envolvida com
uma decisiva eleição presidencial,
e algumas de suas questões mais
prementes: dinheiro, casamento e
relação com o elemento estranho.
Twain escreve em "Como Contar uma História", citado no prefácio de Blount Jr.: "A história humorística digressiva e desconjuntada termina com um chiste, um
ponto, um fecho ou o que se queira chamá-lo. Então o ouvinte deve
ficar alerta, pois em muitos casos
o contador desvia a atenção desse
chiste lançando-o de uma maneira cuidadosamente casual e indiferente, fingindo não saber que é
um chiste".
O chiste que encerra "Um Assassinato, um Mistério e um Casamento" é um lance inesperado
de metalinguagem: Twain responsabiliza um outro escritor,
transformando-o em personagem, pelo mistério que cerca o
aparecimento do personagem-surpresa na cidadezinha.
Na dúvida, melhor manter sua
identidade oculta, mas a língua falada por ele e a francofobia de
Twain dão as pistas. E os caminhos que levam a essas pistas, o
melhor da experiência de ler um
novo e surpreendente Twain.
Um Assassinato, um Mistério e um Casamento
A Murder, a Mistery and a Marriage
Autor: Mark Twain
Tradutora: Ana Maria Machado
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 16,90 (108 págs.)
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