São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

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TEATRO

"ANTIGA"

Em montagem, espectador peregrina por instalações e por performances, guiado por uma banda adolescente

Peça faz busca pela juventude perdida

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Talvez a grande angústia da geração perdida seja a de perder a juventude. "Antiga", de Dionisio Neto, é um belo exemplo disso. Há cinco anos, com a "trilogia do rebento", Dionisio se impunha como esperança dessa geração. Ator endossado pelos maiores diretores da safra anterior -Antunes Filho, José Celso, Gerald Thomas-, soube igualmente fazer com que se escutasse atentamente sua prosa torrencial.
Na estréia de "Antiga", sua platéia estava presente, querendo matar a saudade da multimídia tribal de "Opus Profundum" e a fábula beat de "Perpétua". Dionisio tem ainda o direito de ser arrogante, sua principal qualidade e defeito, mas dá sinais de saber que não poderá mais ficar só nisso.
O público ávido de modernidade encontrará uma peregrinação por instalações e performances, guiada pela adolescente banda ao vivo. Quando surge Capricórnio, o bode a ser sacrificado na orgia rave, no desempenho aeróbico do autor-protagonista -que arranca um dente a frio, gargareja álcool e clama por Mustafá, seu alter ego perdido-, tudo leva a crer que estamos diante de um ritual autocelebrativo.
Porém os que estiverem apenas à espera de uma outra dose podem se sentir incomodados. O espetáculo se limita a um espaço essencial, um gramado artificial ao qual adereços são trazidos por um contra-regras andrógino, eficiente mecanismo para caracterizar o sufocante ambiente novo-rico (minimalismo kitsch seria um rótulo tentador, se ele já não sofresse por excesso de rótulos).
Tenta-se então contar uma história. Não há, porém, a prometida forma "clássica", com começo, meio e fim. A fábula confusa é costurada por clichês de melodrama -incestos disfarçados, pai reconhecendo o filho no antagonista, nada que não seja dispensável- e não é tanto sobre uma "imagem que perdeu seu herói", mas sobre um herói que tenta transcender a imagem.
Quase como uma autocrítica, a musa Gertrúria surge com o rosto coberto por sua própria foto na capa do "The New York Times Magazine". Quase aderindo à personagem, versão feminina do narcisismo de Dionisio, a fulgurante beleza de Djin Sganzerla é um verniz que a desobriga de ser profunda, mas que não deveria condená-la a isso. Ainda mais por ter a seu lado Helena Ignez, mãe na vida e na fábula, que mantém intacta a beleza mais profunda da musa do cinema novo, como comprova a citação cinematográfica habilmente inserida na trama.
Dionisio encontra José Rubens Chachá em um aperto de mão que remete a Gerald Thomas, não tanto como um pai corrupto, mas como um futuro possível. Espera-se que sim: Chachá já transcendeu há muito a avidez pela fama e mantém a juventude dos melhores tempos do teatro do Ornitorrinco, em pausas brechtianas impagáveis, como a que sucede a declaração de amor de seu pretendente a genro.
Como todo clichê, é falsa a afirmação de que os jovens podem, mas não sabem, e os velhos sabem, mas já não podem. Chachá e Helena provam que ainda podem tudo (e é pelo desempenho deles que o espetáculo escapa de ser apenas regular). Djin e Dionisio mostram que sabem não ter tanto poder. O que falta agora é o diretor-autor-protagonista criar distanciamento suficiente para enxugar meia hora de espetáculo, sacrificando cenas e frases de efeito em inglês que acabam diluindo as histórias.
Um dia Dionisio vai perceber que o que há de antigo nele é esse apego a ser inovador, esse anseio constante pela transgressão que o absolve de sua época. Um dia vai relativizar sua genialidade, deixar-se dirigir e ficar assim mais apto para avaliar sua contribuição. Um dia, em suma, Dionisio Neto perderá o medo de envelhecer. Enquanto isso, enjoy the party, cara.


Antiga
   
Texto e direção: Dionisio Neto
Com: Helena Ignez, Dionisio Neto e José Rubens Chachá
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611)
Quando: de qua. a sáb., às 20h30; dom., às 19h30, até 16/12
Quanto: R$ 12
Patrocinador: Departamento de Formação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura




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