São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

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TEATRO

DIÁLOGO

Encenadores formados em gerações distintas falam sobre a relação de seus espetáculos com a atual tensão global

Antunes e Araújo interpretam extremismo

VALMIR SANTOS
FREE LANCE PARA A FOLHA

Já que a cortina subiu de vez no "teatro de operações", após a retaliação dos EUA em território afegão, o momento é oportuno para sondar como parte da cena brasileira contemporânea dialoga com a tensão globalizada.
Formados em gerações distintas, Antunes Filho, 70, e Antônio Araújo, 35, falam à Folha como assimilaram os últimos acontecimentos internacionais.
Em "Fragmentos Troianos" (99), Antunes alude à faxina étnica em voga na região dos Bálcãs. A montagem, aliás, teve sua estréia mundial em Istambul, na Turquia. A adaptação acentua a demanda original de "As Troianas", a tragédia que Eurípides escreveu há mais de 2.400 anos, cujo enredo respinga intolerância, xenofobia, ódio e barbárie ao retratar a tomada de Tróia pelos exércitos grego e aliados.
Uma fala de Andrômaca, uma das viúvas escravizadas pela guerra, reforça a atualidade: "Homens da Europa, vós desprezais a África e a Ásia e chamai-nos bárbaros. Mas, quando a soberba e a cobiça vos lançam contra nós, pilhais, torturais e massacrais. Então, quem são os bárbaros? Nós ou vós, gregos, tão orgulhosos da vossa humanidade?".
Com "Medéia", em cartaz no Sesc Belenzinho, também um texto adaptado do autor grego Eurípides, o diretor do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc SP pretende a metáfora da destruição ecológica do planeta por meio da mãe que pratica o infanticídio, um ato extremo que sucede a outros.
"[Naquele dia", o Boeing entrou em meu peito", diz Antunes, sobre os ataques terroristas de exato um mês atrás. O apelo dramático da frase expõe sua perplexidade.
Para o diretor Antônio Araújo, de "Apocalipse 1,11", encenação que encerra a trilogia do grupo Teatro da Vertigem em torno da discussão do sagrado, o fundamentalismo religioso "não explica, por si só, o que está acontecendo no mundo".
Araújo afirma que o espetáculo, em cartaz no Dops carioca até dezembro, estabelece a convergência de outros "fundamentalismos", como o político e o econômico, "tão burros e cegos quanto, pois preservam valores e estruturas que não respondem mais à necessidade das sociedades".
Apesar da gênese bíblica implícita no título, os numerais de "Apocalipse 1,11", dramaturgia de Fernando Bonassi, remetem ao massacre de 111 presos da Casa de Detenção do Carandiru, em 92. Antes, o Vertigem havia montado "O Livro de Jó" (95) e "O Paraíso Perdido" (92).
Responsável por pesquisa ininterrupta sobre técnicas de ator, Antunes diz que sua abertura para o movimento intuitivo foi determinante na apropriação de temas como a queda do Muro de Berlim ("Nova Velha Estória", em 91, dois anos após o evento) e a ascensão da direita e do neonazismo na Europa, que provocou estilhaços no Brasil ("Drácula e Outros Vampiros", 96).
Até poucos anos atrás, o encenador tinha preconceito com a intuição, "uma palavra babaca". "As coisas acontecem por si. Estou sempre ligadão na realidade do homem do Brasil e de qualquer lugar do mundo, como o camponês, o retirante, o homem da cidade. Mas não imponho as coisas, deixo fluir o sentimento do mundo, o espírito da época", diz.
Araújo, por sua vez, rejeita a onda apocalíptica. "Ouvi e li muita gente dizer que chegou o fim. Não sou movido por essa crença. Quero acreditar que há uma capacidade de resistência, de modificação, porque, senão, sei lá, vou alugar um bunker antiatômico ou dar um tiro na cabeça", diz.
E Gerald Thomas, que acompanhou de perto as consequências dos ataques ao World Trade Center, anuncia que o seu próximo espetáculo fará referência aos atentados. "Deus Ex-Máquina e os Superex-heróis na Terra de Viagra Falls", uma produção do Sesc Rio, com estréia indefinida, terá como espaço cênico os escombros de um subsolo.


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