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TEATRO
DIÁLOGO
Encenadores formados em gerações distintas falam sobre a relação de seus espetáculos com a atual tensão global
Antunes e Araújo interpretam extremismo
VALMIR SANTOS
FREE LANCE PARA A FOLHA
Já que a cortina subiu de vez no
"teatro de operações", após a retaliação dos EUA em território afegão, o momento é oportuno para
sondar como parte da cena brasileira contemporânea dialoga com
a tensão globalizada.
Formados em gerações distintas, Antunes Filho, 70, e Antônio
Araújo, 35, falam à Folha como
assimilaram os últimos acontecimentos internacionais.
Em "Fragmentos Troianos"
(99), Antunes alude à faxina étnica em voga na região dos Bálcãs.
A montagem, aliás, teve sua estréia mundial em Istambul, na
Turquia. A adaptação acentua a
demanda original de "As Troianas", a tragédia que Eurípides escreveu há mais de 2.400 anos, cujo
enredo respinga intolerância, xenofobia, ódio e barbárie ao retratar a tomada de Tróia pelos exércitos grego e aliados.
Uma fala de Andrômaca, uma
das viúvas escravizadas pela guerra, reforça a atualidade: "Homens
da Europa, vós desprezais a África
e a Ásia e chamai-nos bárbaros.
Mas, quando a soberba e a cobiça
vos lançam contra nós, pilhais,
torturais e massacrais. Então,
quem são os bárbaros? Nós ou
vós, gregos, tão orgulhosos da
vossa humanidade?".
Com "Medéia", em cartaz no
Sesc Belenzinho, também um texto adaptado do autor grego Eurípides, o diretor do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc SP pretende
a metáfora da destruição ecológica do planeta por meio da mãe
que pratica o infanticídio, um ato
extremo que sucede a outros.
"[Naquele dia", o Boeing entrou
em meu peito", diz Antunes, sobre os ataques terroristas de exato
um mês atrás. O apelo dramático
da frase expõe sua perplexidade.
Para o diretor Antônio Araújo,
de "Apocalipse 1,11", encenação
que encerra a trilogia do grupo
Teatro da Vertigem em torno da
discussão do sagrado, o fundamentalismo religioso "não explica, por si só, o que está acontecendo no mundo".
Araújo afirma que o espetáculo,
em cartaz no Dops carioca até dezembro, estabelece a convergência de outros "fundamentalismos", como o político e o econômico, "tão burros e cegos quanto,
pois preservam valores e estruturas que não respondem mais à necessidade das sociedades".
Apesar da gênese bíblica implícita no título, os numerais de
"Apocalipse 1,11", dramaturgia de
Fernando Bonassi, remetem ao
massacre de 111 presos da Casa de
Detenção do Carandiru, em 92.
Antes, o Vertigem havia montado
"O Livro de Jó" (95) e "O Paraíso
Perdido" (92).
Responsável por pesquisa ininterrupta sobre técnicas de ator,
Antunes diz que sua abertura para o movimento intuitivo foi determinante na apropriação de temas como a queda do Muro de
Berlim ("Nova Velha Estória", em
91, dois anos após o evento) e a ascensão da direita e do neonazismo na Europa, que provocou estilhaços no Brasil ("Drácula e Outros Vampiros", 96).
Até poucos anos atrás, o encenador tinha preconceito com a intuição, "uma palavra babaca".
"As coisas acontecem por si. Estou sempre ligadão na realidade
do homem do Brasil e de qualquer lugar do mundo, como o
camponês, o retirante, o homem
da cidade. Mas não imponho as
coisas, deixo fluir o sentimento do
mundo, o espírito da época", diz.
Araújo, por sua vez, rejeita a onda apocalíptica. "Ouvi e li muita
gente dizer que chegou o fim. Não
sou movido por essa crença. Quero acreditar que há uma capacidade de resistência, de modificação,
porque, senão, sei lá, vou alugar
um bunker antiatômico ou dar
um tiro na cabeça", diz.
E Gerald Thomas, que acompanhou de perto as consequências
dos ataques ao World Trade Center, anuncia que o seu próximo
espetáculo fará referência aos
atentados. "Deus Ex-Máquina e
os Superex-heróis na Terra de
Viagra Falls", uma produção do
Sesc Rio, com estréia indefinida,
terá como espaço cênico os escombros de um subsolo.
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