|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Qualquer coisa é melhor que a Embrafilme
RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília
De 1969 a 1990 reinou a Embrafilme. A Lei do Audiovisual, de 93 para cá. Entre as duas formas de envolvimento do Estado com a produção de filmes, a polêmica Lei
Sarney (86) e a espalhafatosa administração do primeiro secretário de Cultura do governo Collor
(90-92), o cineasta Ipojuca Pontes.
Desses modelos de gestão e fomento do negócio cinematográfico, técnicos em Brasília, produtores e cineastas parecem ter chegado, nestes anos de governo Fernando Henrique Cardoso, a um arquétipo: qualquer coisa é melhor
que a Embrafilme e a política de
laissez faire absoluto de Ipojuca, o
secretário que acabou com a Embrafilme e a Lei Sarney, em 90, e
sentenciou: "Agora, o mercado define o que quer". A anemia do mercado brasileiro de cultura é endêmica o bastante para esboroar pretensões desse tipo.
Em 91, com os escândalos de corrupção apontando no horizonte e
a necessidade de se recompor com
os formadores de opinião, Collor
refez a Lei Sarney e batizou-a de
Lei Rouanet -nome de Sérgio
Rouanet, sucessor de Ipojuca.
Aceitando que o cinema é uma
cultura produzida em moldes industriais muito particulares, Itamar Franco (92-94), sucessor de
Collor, criou uma legislação só para o cinema, a Lei do Audiovisual.
O governo FHC manteve e aperfeiçoou as duas leis, ambas baseadas na "tax deduction" norte-americana de incentivo ao mecenato e
à filantropia cultural pela dedução
de parte do investimento feito no
Imposto de Renda.
Em síntese: o governo faz a sua
parte ao aceitar a renúncia fiscal e
estabelecer regras claras para a elaboração de projetos para os quais
os produtores têm de procurar investidores no mercado.
O governo define se os projetos
têm "justificação", "viabilidade" e
"sustentação". O Ministério da
Cultura não se mete no mérito.
A Lei do Audiovisual permite às
empresas abater no IR 100% do investimento feito em produções cinematográficas -até o total de 3%
do imposto devido.
Se o empresário investir por
meio da Lei do Audiovisual e da
Lei Rouanet, combinando as duas,
ele pode abater até 4% do IR devido. Até novembro do ano passado,
esse percentual chegava a 5% -foi
reduzido em uma política de ajuste
fiscal por conta da crise asiática.
O limite de investimento captado
no mercado para um filme pode
chegar a R$ 3 milhões.
Do primeiro ano do governo
FHC, em 95, até o final de setembro deste ano, foram captados no
mercado para investimento no cinema, pela Lei do Audiovisual, R$
223,825 milhões. Foram produzidos 58 filmes (leia quadro ao lado).
Ano passado, quando a produção
chegou a 21 filmes, a captação bateu em R$ 99,8 milhões, mais de
dez vezes o valor que a Embrafilme
investia anualmente.
Em 98, ficaram prontos 12 filmes.
A distribuição precária, a falta de
espaço para exibição e a crise estão
brecando o ritmo de produção.
Enquanto viveu, a Embrafilme
funcionou com um orçamento
médio anual de cerca de US$ 12
milhões -desse total, entre US$ 8
milhões e US$ 9 milhões (70%)
eram investidos na produção de
filmes. Nos anos 70 e 80, os filmes
custavam entre US$ 500 mil e US$
600 mil. A empresa lançava anualmente, em média, 25 filmes.
A ausência de critérios minimamente objetivos para definir a concessão de financiamentos fez da
"Embra" uma repartição esquizofrênica. A fama dos tempos do Cinema Novo, em alguns casos, e o
trânsito fácil entre a burocracia da
administração cultural ajudavam a
escalar os cineastas com acesso
prioritário ao financiamento.
"Houve um cineasta que fez uma
cena e ameaçou se matar se não
saísse dinheiro para seus filmes",
contou à Folha, em 94, o ex-diretor
Ivan Ízola. A maioria das produções era deficitária e nada impedia
que os produtores de prejuízos assinassem novos contratos.
Só o Estado arcava com os prejuízos. Com a Lei do Audiovisual, o
investidor também perde -embora, em alguns casos, o seu prejuízo possa corresponder exatamente ao que ele abate no IR.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|