São Paulo, terça, 13 de outubro de 1998

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Qualquer coisa é melhor que a Embrafilme

RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília

De 1969 a 1990 reinou a Embrafilme. A Lei do Audiovisual, de 93 para cá. Entre as duas formas de envolvimento do Estado com a produção de filmes, a polêmica Lei Sarney (86) e a espalhafatosa administração do primeiro secretário de Cultura do governo Collor (90-92), o cineasta Ipojuca Pontes.
Desses modelos de gestão e fomento do negócio cinematográfico, técnicos em Brasília, produtores e cineastas parecem ter chegado, nestes anos de governo Fernando Henrique Cardoso, a um arquétipo: qualquer coisa é melhor que a Embrafilme e a política de laissez faire absoluto de Ipojuca, o secretário que acabou com a Embrafilme e a Lei Sarney, em 90, e sentenciou: "Agora, o mercado define o que quer". A anemia do mercado brasileiro de cultura é endêmica o bastante para esboroar pretensões desse tipo.
Em 91, com os escândalos de corrupção apontando no horizonte e a necessidade de se recompor com os formadores de opinião, Collor refez a Lei Sarney e batizou-a de Lei Rouanet -nome de Sérgio Rouanet, sucessor de Ipojuca.
Aceitando que o cinema é uma cultura produzida em moldes industriais muito particulares, Itamar Franco (92-94), sucessor de Collor, criou uma legislação só para o cinema, a Lei do Audiovisual.
O governo FHC manteve e aperfeiçoou as duas leis, ambas baseadas na "tax deduction" norte-americana de incentivo ao mecenato e à filantropia cultural pela dedução de parte do investimento feito no Imposto de Renda.
Em síntese: o governo faz a sua parte ao aceitar a renúncia fiscal e estabelecer regras claras para a elaboração de projetos para os quais os produtores têm de procurar investidores no mercado.
O governo define se os projetos têm "justificação", "viabilidade" e "sustentação". O Ministério da Cultura não se mete no mérito.
A Lei do Audiovisual permite às empresas abater no IR 100% do investimento feito em produções cinematográficas -até o total de 3% do imposto devido.
Se o empresário investir por meio da Lei do Audiovisual e da Lei Rouanet, combinando as duas, ele pode abater até 4% do IR devido. Até novembro do ano passado, esse percentual chegava a 5% -foi reduzido em uma política de ajuste fiscal por conta da crise asiática.
O limite de investimento captado no mercado para um filme pode chegar a R$ 3 milhões.
Do primeiro ano do governo FHC, em 95, até o final de setembro deste ano, foram captados no mercado para investimento no cinema, pela Lei do Audiovisual, R$ 223,825 milhões. Foram produzidos 58 filmes (leia quadro ao lado). Ano passado, quando a produção chegou a 21 filmes, a captação bateu em R$ 99,8 milhões, mais de dez vezes o valor que a Embrafilme investia anualmente.
Em 98, ficaram prontos 12 filmes. A distribuição precária, a falta de espaço para exibição e a crise estão brecando o ritmo de produção.
Enquanto viveu, a Embrafilme funcionou com um orçamento médio anual de cerca de US$ 12 milhões -desse total, entre US$ 8 milhões e US$ 9 milhões (70%) eram investidos na produção de filmes. Nos anos 70 e 80, os filmes custavam entre US$ 500 mil e US$ 600 mil. A empresa lançava anualmente, em média, 25 filmes.
A ausência de critérios minimamente objetivos para definir a concessão de financiamentos fez da "Embra" uma repartição esquizofrênica. A fama dos tempos do Cinema Novo, em alguns casos, e o trânsito fácil entre a burocracia da administração cultural ajudavam a escalar os cineastas com acesso prioritário ao financiamento.
"Houve um cineasta que fez uma cena e ameaçou se matar se não saísse dinheiro para seus filmes", contou à Folha, em 94, o ex-diretor Ivan Ízola. A maioria das produções era deficitária e nada impedia que os produtores de prejuízos assinassem novos contratos.
Só o Estado arcava com os prejuízos. Com a Lei do Audiovisual, o investidor também perde -embora, em alguns casos, o seu prejuízo possa corresponder exatamente ao que ele abate no IR.



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