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Chegou a hora da verdade para o cassino global
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Entrevista? Sem gravador.
Tudo bem, se você guardar tudo na cabeça. Pode publicar,
mas em "off".
Eu quebrei a Tailândia, é verdade; mas perdi muita grana
na Rússia também... sempre me
perguntam isso.
Chame-me por apelido; eu
posso ser o "Grande Tubarão",
o "Especulador do Futuro" ou o
"serial killer" das nações emergentes, mas não diga meu nome. Se disser, eu acabo com você... Vamos a isso.
Como é que se pode acreditar
no mito de uma felicidade econômica geral do mundo capitalista, se todo o sistema sempre
foi baseado na diferença, no
vender e comprar, na competição?
A gente fez o mundo acreditar
que a vida humana podia ser
igualada pelo mercado, organizando tudo com sua mão invisível. Esse mito da globalização
da vida existe desde sempre.
Kant falou nisso, até o Dante
falou nisso. Poetas e filósofos...
Se o homem não se une politicamente, por que se uniria economicamente?
Veja agora a Europa também
entrando nessa mitologia,
achando que o "euro" vai fazê-
los irmãos. A dificuldade de encontrar uma "arquitetura global" para a economia, como estão dizendo, é que ninguém
manda em ninguém.
Quem chefiaria essa nova arquitetura? Os USA, claro, pensa-se logo; mas toda a "arquitetura americana" sempre foi de
submissão e de poder.
Além disso, não há líderes
mais. Onde há um Churchill? O
Clinton virou um "pato manco". Há pouco tempo, o Japão
quis fazer um FMI solitário na
Ásia. Pois o Rubin e o Summers
não foram lá correndo, para
impedir esse fortalecimento regional do Japão?
Foram. Jogaram areia. Você
não viu o Rubin fazendo uma
autocrítica da urgência norte-
americana em abrir mercados,
comparando-a aos erros do
Vietnã?
Guerra e economia. A dificuldade toda está nisto: como homogeneizar como hegemonia?
Como cristalizar um sistema de
força com aparência de qualidade?
No lero-lero político, nos editoriais de jornais, nos discursos
da ONU, é fácil falar em "interesses gerais da humanidade".
Ficou muito claro na reunião
do FMI que estão escamoteando o conceito de "poder político" nisso tudo.
Com a queda do socialismo,
surgiu um "oba, vai começar a
internacional capitalista", com
a mesma fome de conquista que
um trotskista teria há 50 anos.
Isso sem maldade nenhuma,
"na boa", meu amigo, porque
os USA acham que democracia
é isto: todo mundo vendendo e
comprando.
Esse "direito igual para todos" parece a história dos remadores do "Ben-Hur" quando, no meio da tempestade, o
comandante gritou para os escravos acorrentados no remo:
"Força, força, que estamos todos no mesmo barco!"
A ideologia liberal enfatiza a
igualdade para manter as diferenças, para ocultar o desnível
de oportunidades.
A ideologia liberal é importante para sacar a solução para
o mundo, pelo fato de que ela
separa a ordem jurídico-política dos fatos sociais.
Aí, fica esta divisão esquizofrênica entre World Bank e
FMI: o primeiro, bancando o
mocinho, e o outro, o bandido.
Para eles, a democracia é uma
espécie de superestrutura que
flutua em cima do "livre mercado".
Nestes anos todos, inclusive
nas bobagens do Fukuyama,
achava-se que a política tinha
sido superada, era o "fim da política". A economia ia substituí-
la... ah!... ah!...
Essa era a utopia liberal. De
certa forma o próprio Clinton
está pegando as rebarbas desta
loucura; está havendo um visível ataque à idéia de liderança
política acima da economia.
Os republicanos são boçais,
mas expressam nitidamente as
verdadeiras intenções do capitalismo. Quando todos gritam
aqui no FMI por uma solução
global para o mundo, isso significa: "Precisamos mudar para
deixar tudo exatamente como
sempre foi, como a contabilidade americana quer".
Ou você, meu caro argentino... ah... brasileiro... acha que
existe meio capitalismo, meio
lucro, meia competição? Isso é
papo furado.
Esta crise está mostrando que
não somos iguais não. A única
novidade é que, agora, a morte
dos fracos pode criar um problema para o sistema.
Este é o dilema: os países ricos
precisam de países que possam
comprar seus produtos. Não
basta a Indonésia fabricar tênis
Nike com salário escravo; é preciso que a Indonésia compre tênis também.
A miséria, meu caro, não é
uma falha, é uma produção. Os
países emergentes não podem
morrer, mas também não podem viver muito bem, senão
precisarão mais de nós.
Os sinais de uma nova divisão
mundial já estão no ar. A Rússia vai derivar para um meta-
fascismo disfarçado de comunismo nostálgico.
A Malásia já começou o nacionalismo moralista, colocando o Ibrahim na cadeia por crime de viadagem e fechando o
fluxo de capitais.
Aliás, muita gente inteligente,
como o Paul Krugman, está falando em controle de fluxos de
capitais, nem que seja temporariamente.
Uma coisa é certa: não dá para seguir a política pura do
FMI, tipo "abrir mais ainda",
desregular mais ainda e mostrar as contas todas.
É como sugerir água para salvar o afogado. O FMI provou
que era um Midas ao contrário:
tudo que tocou virou merda.
Quem está por cima da carne
seca e que provavelmente vai
emergir é a China, meu amigo,
pois aprenderam com a traição
do Ocidente ao Gorbatchev e
com a queda da URSS.
Lá, é repatriamento de capitais ou tiro na nuca... A China é
a única "terceira via" que rolou: controle político fechado
da economia aberta.
Até gente como um ex-presidente do FED já está dizendo o
seguinte: "Como podemos culpar esses países emergentes que
estão criando limites ao capital
volátil, especialmente se esses
limites podem ajudar a estabilizar sua economia?"
Quem diz isso é o Paul Volcker, não é o Mahatir da Malásia não... Sabe o que está acontecendo no mundo: é a irrupção
da verdade, meu caro jornalista!
E a verdade é sempre revolucionária, como dizia o Maiakovski... Ou então, isso que está
acontecendo é o que o Camdessus chamou de "blessing in disguise", ou seja, uma "benção
disfarçada".
Chega de enrolação... Temos
de controlar o capitalismo global... Aliás, o "Financial Times"
disse que eu, pedindo controle
para o capitalismo, sou como
um "serial killer" que diz à polícia: "Prendam-me, antes que eu
mate de novo!" Boa essa, não?
Agora, tudo isso que eu falei
vai em "off", vê lá hein... Senão
eu acabo contigo...
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