São Paulo, terça, 13 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chegou a hora da verdade para o cassino global

ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas

Entrevista? Sem gravador. Tudo bem, se você guardar tudo na cabeça. Pode publicar, mas em "off".
Eu quebrei a Tailândia, é verdade; mas perdi muita grana na Rússia também... sempre me perguntam isso.
Chame-me por apelido; eu posso ser o "Grande Tubarão", o "Especulador do Futuro" ou o "serial killer" das nações emergentes, mas não diga meu nome. Se disser, eu acabo com você... Vamos a isso.
Como é que se pode acreditar no mito de uma felicidade econômica geral do mundo capitalista, se todo o sistema sempre foi baseado na diferença, no vender e comprar, na competição?
A gente fez o mundo acreditar que a vida humana podia ser igualada pelo mercado, organizando tudo com sua mão invisível. Esse mito da globalização da vida existe desde sempre.
Kant falou nisso, até o Dante falou nisso. Poetas e filósofos... Se o homem não se une politicamente, por que se uniria economicamente?
Veja agora a Europa também entrando nessa mitologia, achando que o "euro" vai fazê- los irmãos. A dificuldade de encontrar uma "arquitetura global" para a economia, como estão dizendo, é que ninguém manda em ninguém.
Quem chefiaria essa nova arquitetura? Os USA, claro, pensa-se logo; mas toda a "arquitetura americana" sempre foi de submissão e de poder.
Além disso, não há líderes mais. Onde há um Churchill? O Clinton virou um "pato manco". Há pouco tempo, o Japão quis fazer um FMI solitário na Ásia. Pois o Rubin e o Summers não foram lá correndo, para impedir esse fortalecimento regional do Japão?
Foram. Jogaram areia. Você não viu o Rubin fazendo uma autocrítica da urgência norte- americana em abrir mercados, comparando-a aos erros do Vietnã?
Guerra e economia. A dificuldade toda está nisto: como homogeneizar como hegemonia? Como cristalizar um sistema de força com aparência de qualidade?
No lero-lero político, nos editoriais de jornais, nos discursos da ONU, é fácil falar em "interesses gerais da humanidade". Ficou muito claro na reunião do FMI que estão escamoteando o conceito de "poder político" nisso tudo.
Com a queda do socialismo, surgiu um "oba, vai começar a internacional capitalista", com a mesma fome de conquista que um trotskista teria há 50 anos.
Isso sem maldade nenhuma, "na boa", meu amigo, porque os USA acham que democracia é isto: todo mundo vendendo e comprando.
Esse "direito igual para todos" parece a história dos remadores do "Ben-Hur" quando, no meio da tempestade, o comandante gritou para os escravos acorrentados no remo: "Força, força, que estamos todos no mesmo barco!"
A ideologia liberal enfatiza a igualdade para manter as diferenças, para ocultar o desnível de oportunidades.
A ideologia liberal é importante para sacar a solução para o mundo, pelo fato de que ela separa a ordem jurídico-política dos fatos sociais.
Aí, fica esta divisão esquizofrênica entre World Bank e FMI: o primeiro, bancando o mocinho, e o outro, o bandido. Para eles, a democracia é uma espécie de superestrutura que flutua em cima do "livre mercado".
Nestes anos todos, inclusive nas bobagens do Fukuyama, achava-se que a política tinha sido superada, era o "fim da política". A economia ia substituí- la... ah!... ah!...
Essa era a utopia liberal. De certa forma o próprio Clinton está pegando as rebarbas desta loucura; está havendo um visível ataque à idéia de liderança política acima da economia.
Os republicanos são boçais, mas expressam nitidamente as verdadeiras intenções do capitalismo. Quando todos gritam aqui no FMI por uma solução global para o mundo, isso significa: "Precisamos mudar para deixar tudo exatamente como sempre foi, como a contabilidade americana quer".
Ou você, meu caro argentino... ah... brasileiro... acha que existe meio capitalismo, meio lucro, meia competição? Isso é papo furado.
Esta crise está mostrando que não somos iguais não. A única novidade é que, agora, a morte dos fracos pode criar um problema para o sistema.
Este é o dilema: os países ricos precisam de países que possam comprar seus produtos. Não basta a Indonésia fabricar tênis Nike com salário escravo; é preciso que a Indonésia compre tênis também.
A miséria, meu caro, não é uma falha, é uma produção. Os países emergentes não podem morrer, mas também não podem viver muito bem, senão precisarão mais de nós.
Os sinais de uma nova divisão mundial já estão no ar. A Rússia vai derivar para um meta- fascismo disfarçado de comunismo nostálgico.
A Malásia já começou o nacionalismo moralista, colocando o Ibrahim na cadeia por crime de viadagem e fechando o fluxo de capitais.
Aliás, muita gente inteligente, como o Paul Krugman, está falando em controle de fluxos de capitais, nem que seja temporariamente.
Uma coisa é certa: não dá para seguir a política pura do FMI, tipo "abrir mais ainda", desregular mais ainda e mostrar as contas todas.
É como sugerir água para salvar o afogado. O FMI provou que era um Midas ao contrário: tudo que tocou virou merda.
Quem está por cima da carne seca e que provavelmente vai emergir é a China, meu amigo, pois aprenderam com a traição do Ocidente ao Gorbatchev e com a queda da URSS.
Lá, é repatriamento de capitais ou tiro na nuca... A China é a única "terceira via" que rolou: controle político fechado da economia aberta.
Até gente como um ex-presidente do FED já está dizendo o seguinte: "Como podemos culpar esses países emergentes que estão criando limites ao capital volátil, especialmente se esses limites podem ajudar a estabilizar sua economia?"
Quem diz isso é o Paul Volcker, não é o Mahatir da Malásia não... Sabe o que está acontecendo no mundo: é a irrupção da verdade, meu caro jornalista!
E a verdade é sempre revolucionária, como dizia o Maiakovski... Ou então, isso que está acontecendo é o que o Camdessus chamou de "blessing in disguise", ou seja, uma "benção disfarçada".
Chega de enrolação... Temos de controlar o capitalismo global... Aliás, o "Financial Times" disse que eu, pedindo controle para o capitalismo, sou como um "serial killer" que diz à polícia: "Prendam-me, antes que eu mate de novo!" Boa essa, não?
Agora, tudo isso que eu falei vai em "off", vê lá hein... Senão eu acabo contigo...



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.