São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2001

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CINEMA

Walter Lima Jr. filma instabilidade nacional

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Só a história de "Inocência" basta para justificar a visita a "Inocência e Delírio - O Cinema de Walter Lima Jr.", ciclo que começa hoje (e vai até 25 de novembro) no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo.
Walter Lima viajou a São Paulo em 1982 para visitar Lima Barreto, diretor de "O Cangaceiro", que estava à morte. Encontrou entre suas coisas o roteiro de "Inocência". Era a adaptação do romance de Taunay feita originalmente por Humberto Mauro, diretor de "Ganga Bruta".
O projeto original, do fim dos anos 40, nunca foi por diante. Mauro deu-o a Lima Barreto como presente de casamento, anos depois. Nunca foi por diante, também. Com o roteiro na mão, Lima Jr. fez essa espécie de filme-resgate, uma das obras-primas do cinema brasileiro dos anos 80.
A expressão obra-prima aplicada a esse filme desprezado por muitos pode soar como exagero. Mas vejamos apenas sua cena final: sobre a cruz no túmulo do médico, Cirino pousa uma borboleta, versão metamorfoseada de Inocência.
Esse momento que marca o encontro post-mortem do jovem casal não tem a menor intenção de nos impressionar e nem está lá para isso. Ele é todo impregnado por uma quase delirante crença no cinema, pela certeza de que as imagens podem mostrar mesmo as coisas menos tangíveis.
Elas apontam também para esse apego à tradição. Não se trata de repetir, mas de constatar que a inovação não aparece do nada. Resgatar Lima Barreto e Humberto Mauro implica, entre outras coisas, afirmar uma história não raro negada, por ignorância, pedantismo ou má-fé.
Mas será possível deixar de ver nesse conto romântico a sombra do cinema fantástico produzido por Wal Lewton nos anos 40?
Porque afirmar uma tradição brasileira não implica negar a estrangeira, longe disso. Mas não deixa de ser uma atitude original num país que valoriza muito mais as rupturas do que a continuidade e se deixa seduzir com mais facilidade pela poeira nos olhos do que por uma mise-en-scène que busca obsessivamente a discrição.
Daí, talvez, "A Lira do Delírio", viagem por um Carnaval em que a mão do cineasta aparece com mais ênfase, ser normalmente seu filme mais admirado, em detrimento, por exemplo, de "Ele, o Boto", que consegue narrar o que parece inenarrável (um boto se transforma em homem e seduz as mulheres de uma vila de pescadores) como se fosse a coisa mais simples do mundo.
O cinema de Lima Jr. conhece toda a instabilidade do cinema brasileiro. Começa no cinema novo, com "Menino de Engenho" (1965), adaptação do romance de José Lins do Rego, passa pelas perplexidades do fim dos anos 60, com "Brasil Ano 2000" (1969), enfrenta os contratempos da co-produção internacional, com "Chico Rei" (1985).
Walter Lima também enfrentará a dura crise do começo dos anos 90 com outra co-produção, "O Monge e a Filha do Carrasco" (1994), falada em inglês, em que a Minas do barroco serve de cenário para o lugar qualquer em que se passa a história do romance de Ambrose Bierce sobre o amor maldito de um religioso pela filha de um carrasco.
E chegará até o momento mais rico da dita Lei do Audiovisual, com "A Ostra e o Vento", outra história de amor impossível (amor de uma menina cujo amante é o vento), brilhante como realização, mas um tanto prejudicada pelo fato de também essa história -no entanto absolutamente brasileira- se passar em lugar nenhum.
O ciclo exibe ao todo dez longas-metragens e dois médias em película, além de uma série de vídeos sobre ou de Walter Lima e se completa com uma oficina sobre realização cinematográfica (entre os dias 14 e 16, das 15h às 18h) e de um encontro com o diretor (dia 14, às 18h).
À parte os filmes, são duas oportunidades preciosas de aprender sobre cinema com um dos mais cultos e sólidos realizadores brasileiros.


INOCÊNCIA E DELÍRIO - O CINEMA DE WALTER LIMA JR. - ciclo de dez longas-metragens e dois médias em película, vídeos, uma oficina e um encontro com o diretor. Quando: de hoje até dia 25. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (rua Álvares Penteado, 112, centro, São Paulo, tel. 0/xx/11/3113-3651 ou 3113-3652). Na internet: www.cultura-e. com.br. Quanto: cinema, R$ 8 e R$ 4; oficina e encontro, R$ 20 e R$ 10; vídeos, grátis.


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