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CINEMA
Walter Lima Jr. filma instabilidade nacional
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Só a história de "Inocência"
basta para justificar a visita a
"Inocência e Delírio - O Cinema
de Walter Lima Jr.", ciclo que começa hoje (e vai até 25 de novembro) no Centro Cultural Banco do
Brasil de São Paulo.
Walter Lima viajou a São Paulo
em 1982 para visitar Lima Barreto,
diretor de "O Cangaceiro", que
estava à morte. Encontrou entre
suas coisas o roteiro de "Inocência". Era a adaptação do romance
de Taunay feita originalmente por
Humberto Mauro, diretor de
"Ganga Bruta".
O projeto original, do fim dos
anos 40, nunca foi por diante.
Mauro deu-o a Lima Barreto como presente de casamento, anos
depois. Nunca foi por diante,
também. Com o roteiro na mão,
Lima Jr. fez essa espécie de filme-resgate, uma das obras-primas do
cinema brasileiro dos anos 80.
A expressão obra-prima aplicada a esse filme desprezado por
muitos pode soar como exagero.
Mas vejamos apenas sua cena final: sobre a cruz no túmulo do
médico, Cirino pousa uma borboleta, versão metamorfoseada
de Inocência.
Esse momento que marca o encontro post-mortem do jovem casal não tem a menor intenção de
nos impressionar e nem está lá
para isso. Ele é todo impregnado
por uma quase delirante crença
no cinema, pela certeza de que as
imagens podem mostrar mesmo
as coisas menos tangíveis.
Elas apontam também para esse
apego à tradição. Não se trata de
repetir, mas de constatar que a
inovação não aparece do nada.
Resgatar Lima Barreto e Humberto Mauro implica, entre outras
coisas, afirmar uma história não
raro negada, por ignorância, pedantismo ou má-fé.
Mas será possível deixar de ver
nesse conto romântico a sombra
do cinema fantástico produzido
por Wal Lewton nos anos 40?
Porque afirmar uma tradição
brasileira não implica negar a estrangeira, longe disso. Mas não
deixa de ser uma atitude original
num país que valoriza muito mais
as rupturas do que a continuidade
e se deixa seduzir com mais facilidade pela poeira nos olhos do que
por uma mise-en-scène que busca
obsessivamente a discrição.
Daí, talvez, "A Lira do Delírio",
viagem por um Carnaval em que a
mão do cineasta aparece com
mais ênfase, ser normalmente seu
filme mais admirado, em detrimento, por exemplo, de "Ele, o
Boto", que consegue narrar o que
parece inenarrável (um boto se
transforma em homem e seduz as
mulheres de uma vila de pescadores) como se fosse a coisa mais
simples do mundo.
O cinema de Lima Jr. conhece
toda a instabilidade do cinema
brasileiro. Começa no cinema novo, com "Menino de Engenho"
(1965), adaptação do romance de
José Lins do Rego, passa pelas
perplexidades do fim dos anos 60,
com "Brasil Ano 2000" (1969), enfrenta os contratempos da co-produção internacional, com
"Chico Rei" (1985).
Walter Lima também enfrentará a dura crise do começo dos
anos 90 com outra co-produção,
"O Monge e a Filha do Carrasco"
(1994), falada em inglês, em que a
Minas do barroco serve de cenário para o lugar qualquer em que
se passa a história do romance de
Ambrose Bierce sobre o amor
maldito de um religioso pela filha
de um carrasco.
E chegará até o momento mais
rico da dita Lei do Audiovisual,
com "A Ostra e o Vento", outra
história de amor impossível
(amor de uma menina cujo
amante é o vento), brilhante como realização, mas um tanto prejudicada pelo fato de também essa história -no entanto absolutamente brasileira- se passar em
lugar nenhum.
O ciclo exibe ao todo dez longas-metragens e dois médias em
película, além de uma série de vídeos sobre ou de Walter Lima e se
completa com uma oficina sobre
realização cinematográfica (entre
os dias 14 e 16, das 15h às 18h) e de
um encontro com o diretor (dia
14, às 18h).
À parte os filmes, são duas
oportunidades preciosas de
aprender sobre cinema com um
dos mais cultos e sólidos realizadores brasileiros.
INOCÊNCIA E DELÍRIO - O CINEMA DE
WALTER LIMA JR. - ciclo de dez longas-metragens e dois médias em película,
vídeos, uma oficina e um encontro com o
diretor. Quando: de hoje até dia 25.
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil
(rua Álvares Penteado, 112, centro, São
Paulo, tel. 0/xx/11/3113-3651 ou 3113-3652). Na internet: www.cultura-e.
com.br. Quanto: cinema, R$ 8 e R$ 4;
oficina e encontro, R$ 20 e R$ 10; vídeos,
grátis.
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