São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2001

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DISCO/CRÍTICA

"Uma Idéia de Café" faz homenagem a Armando Albuquerque

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"A gente sai dum café... e logo surge uma idéia." Era assim que Armando Albuquerque (1901-86) explicava o título de "Uma Idéia de Café", para piano solo, composta em 1928 -dois anos depois da inaugural "Pathé-Baby" e quase 50 anos antes de "Sonho III" (1974), sua última peça para piano, dedicada ao "aluno e amigo" Celso Loureiro Chaves. Agora, no ano de seu centenário, o amigo e aluno (seu sucessor no departamento de música da UFRGS, em Porto Alegre) homenageia o mestre com uma gravação definitiva, um disco "independente" no sentido mais forte da palavra.
Armando Albuquerque está para a música de sua cidade como Mário Quintana para a poesia ou Erico Verissimo para o romance: confunde-se com a própria alma das ruas. O fato de que nem mesmo lá sua arte seja bem conhecida não muda nada. A cidade chega a si em composições como "Outono" (1941) ou "Tocata" (1948), escritas num estilo que esse homem modestíssimo e original descrevia como a reunião de "pedacinhos de música".
"Peça para Piano 1964", o tour de force do disco, leva a um extremo o impulso antigo de escrever formas livres -música gerada a partir de si, coincidindo a cada momento com sua expressão. Harmonias basicamente tonais, com expansão de acordes e encadeamentos. Ritmos e texturas cambiantes, num caleidoscópio sonoro.
Só num caso ele se permitiu escrever sem fraturas. Foi na "Evocação de Augusto Meyer" (1970), composta após a morte do grande poeta e crítico. Um lá agudo pontua o tempo fatidicamente. A música cresce, depois se esvai. Uma última figura desenha um esboço sonoro de Meyer, um farrapo magro cortando o teclado, até desaparecer nas profundezas. Armando Albuquerque chega aqui ao que de mais fundo a música pode chegar. Evocou um homem; e escreveu a morte.
Ninguém que o tenha conhecido esquece de sua própria figura, os cabelos brancos lisos e longos, a voz nunca mais que um sussurro, a imaginação mais livre do que a de qualquer aluno. Num país de tão pouca memória, esse disco resgata, com a devida distinção e a devida dose de simpatia também, a presença musical e humana de um dos nossos maiores compositores.


Uma Idéia de Café
    
Artista: Armando Albuquerque
Distribuição: independente
(cglchave@portoweb.com.br) Quanto: preço não definido
Lançamento: hoje e amanhã, no Instituto Goethe em Porto Alegre (av. 24 de Outubro, 112), às 20h, entrada franca




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