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São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

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CINEMA

Em documentário, Marina Person tenta desvendar a figura do cineasta paulista Luís Sérgio Person, morto em 1976

"Person" busca o pai por trás do cineasta

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Person" é um filme sobre duas pessoas que carregam esse sobrenome -o cineasta paulista Luís Sérgio Person (1936-1976) e sua filha Marina, 34, diretora do documentário, que tem pré-estréia hoje, no Museu da Imagem e do Som (SP), e será exibido pela TV Cultura, no sábado (21h).
Para não escamotear do espectador que a morte do pai (aos 40 anos, num acidente automobilístico) é seu ponto de partida, Marina abre o filme com um diálogo em que relembra, com a ajuda de sua mãe, a também cineasta Regina Jeha, o momento exato em que recebeu a notícia do acidente ao qual Person não sobreviveu.
"Eu queria fazer um filme pessoal, uma viagem minha de descobrimento, de procurar saber mais quem era meu pai e, ao mesmo tempo, um processo de desconstrução de um mito", diz Marina à Folha, explicando o projeto do filme, iniciado em 1998.
O mito ao qual Marina se refere é o do cineasta que realizou grandes obras, como "São Paulo S/A" (1965) e "O Caso dos Irmãos Naves" (1967), e o do homem de presença notável e comportamento desafiador.
"Como não tive a convivência com ele, só sabia os grandes acontecimentos, os grandes feitos. Cresci ouvindo histórias sensacionais. Tentei raspar um pouco desse verniz e descobrir algo além da exaltação", afirma a diretora.

Trajetória
Para reconstruir a trajetória pessoal e profissional de Person, Marina entrevistou 16 artistas que conviveram com ele, registrou conversas suas com a mãe e a irmã, Domingas, 31, remexeu o baú familiar de fotos, cartas e imagens em super-8 e reuniu extratos dos filmes de Person.
No apanhado da obra do cineasta, entram até mesmo seus filmes irrealizados, como "SSS contra a Jovem Guarda".
As imagens (sem som) em que se avista Roberto Carlos em um show, depois preparando-se para uma entrevista sobre o filme, ao lado do Tremendão Erasmo Carlos, da Ternurinha Wanderléa, de Jorge Benjor e da dupla de roteiristas, Jô Soares e Jean-Claude Bernardet, correspondem ao registro dos bastidores da preparação do longa e a um esboço do que Person pretendia filmar.
Tratando da jovem guarda, o cineasta imaginou consolidar seu nome com um filme de apelo popular, para viabilizar, em seguida, projetos mais autorais, como "O Caso dos Irmãos Naves" (1967).
Para a câmera de Marina, Bernardet relata como uma desavença em torno de um detalhe do figurino (a largura do cinto), surgida entre Roberto Carlos e a produção do longa, fez o projeto ser abandonado.

Amargura
Do abortado "A Hora dos Ruminantes", é o próprio Person quem fala, numa entrevista conduzida pela atriz Joana Fomm para o programa "Luzes, Câmera" (Cultura), do qual Person foi o convidado, no mês anterior à sua morte.
A referência a "A Hora dos Ruminantes" é indireta: "[Eu] Me lancei a fazer uma chanchadinha campestre ["Panca de Valentes" (1968)]. É um filme precário. A comédia que saiu da amargura, porque não consegui fazer o filme que era a continuidade da minha obra, "A Hora dos Ruminantes'".
Nas conversas com os contemporâneos de Person, Marina achou por vezes "difícil" contornar a tendência dos entrevistados ao "elogio rasgado".
"Em geral, todos tendem a falar bem de pessoas mortas. No caso do papai, isso se multiplicou", diz. A diretora sequer completa a frase, porque é desnecessário descrever o impulso dos entrevistados de ressaltar as qualidades do amigo morto diante da filha que pouco o conheceu.
No entanto muitas "coisas lindas que foram ditas" sobre Person estão ausentes do documentário. Foram cortadas na edição, para preservar a intenção da diretora de ter "um filme afetuoso, mas sem exageros".

Publicidade
O que se ressalta de Person no filme são coisas como a entrega do cineasta à sua atividade. "Ele não desvinculava o cinema da vida", diz o diretor Carlos Reichenbach, ex-aluno de Person, para relembrar a decisão do diretor de fechar sua agência de produção de filmes publicitários no momento em que ela prosperava.
Person havia iniciado o negócio num momento de crise financeira e teria percebido que o sucesso como publicitário o tornaria cada vez mais distante do cineasta que desejou ser.
Encerrados os depoimentos e as imagens de arquivo em "Person", Marina surge com a mãe, a irmã e um cão num trilho ferroviário coberto por um túnel. É talvez seu jeito de dizer que a vida tem essas zonas de luz e sombra que cada um atravessa, para seguir em frente, com sua companhias palpáveis e impalpáveis.


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