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CINEMA
Em documentário, Marina Person tenta desvendar a figura do cineasta paulista Luís Sérgio Person, morto em 1976
"Person" busca o pai por trás do cineasta
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Person" é um filme sobre duas
pessoas que carregam esse sobrenome -o cineasta paulista Luís
Sérgio Person (1936-1976) e sua filha Marina, 34, diretora do documentário, que tem pré-estréia hoje, no Museu da Imagem e do
Som (SP), e será exibido pela TV
Cultura, no sábado (21h).
Para não escamotear do espectador que a morte do pai (aos 40
anos, num acidente automobilístico) é seu ponto de partida, Marina abre o filme com um diálogo
em que relembra, com a ajuda de
sua mãe, a também cineasta Regina Jeha, o momento exato em que
recebeu a notícia do acidente ao
qual Person não sobreviveu.
"Eu queria fazer um filme pessoal, uma viagem minha de descobrimento, de procurar saber
mais quem era meu pai e, ao mesmo tempo, um processo de desconstrução de um mito", diz Marina à Folha, explicando o projeto
do filme, iniciado em 1998.
O mito ao qual Marina se refere
é o do cineasta que realizou grandes obras, como "São Paulo S/A"
(1965) e "O Caso dos Irmãos Naves" (1967), e o do homem de presença notável e comportamento
desafiador.
"Como não tive a convivência
com ele, só sabia os grandes acontecimentos, os grandes feitos.
Cresci ouvindo histórias sensacionais. Tentei raspar um pouco
desse verniz e descobrir algo além
da exaltação", afirma a diretora.
Trajetória
Para reconstruir a trajetória pessoal e profissional de Person, Marina entrevistou 16 artistas que
conviveram com ele, registrou
conversas suas com a mãe e a irmã, Domingas, 31, remexeu o baú
familiar de fotos, cartas e imagens
em super-8 e reuniu extratos dos
filmes de Person.
No apanhado da obra do cineasta, entram até mesmo seus
filmes irrealizados, como "SSS
contra a Jovem Guarda".
As imagens (sem som) em que
se avista Roberto Carlos em um
show, depois preparando-se para
uma entrevista sobre o filme, ao
lado do Tremendão Erasmo Carlos, da Ternurinha Wanderléa, de
Jorge Benjor e da dupla de roteiristas, Jô Soares e Jean-Claude
Bernardet, correspondem ao registro dos bastidores da preparação do longa e a um esboço do
que Person pretendia filmar.
Tratando da jovem guarda, o cineasta imaginou consolidar seu
nome com um filme de apelo popular, para viabilizar, em seguida,
projetos mais autorais, como "O
Caso dos Irmãos Naves" (1967).
Para a câmera de Marina, Bernardet relata como uma desavença em torno de um detalhe do figurino (a largura do cinto), surgida entre Roberto Carlos e a produção do longa, fez o projeto ser
abandonado.
Amargura
Do abortado "A Hora dos Ruminantes", é o próprio Person
quem fala, numa entrevista conduzida pela atriz Joana Fomm para o programa "Luzes, Câmera"
(Cultura), do qual Person foi o
convidado, no mês anterior à sua
morte.
A referência a "A Hora dos Ruminantes" é indireta: "[Eu] Me
lancei a fazer uma chanchadinha
campestre ["Panca de Valentes"
(1968)]. É um filme precário. A
comédia que saiu da amargura,
porque não consegui fazer o filme
que era a continuidade da minha
obra, "A Hora dos Ruminantes'".
Nas conversas com os contemporâneos de Person, Marina
achou por vezes "difícil" contornar a tendência dos entrevistados
ao "elogio rasgado".
"Em geral, todos tendem a falar
bem de pessoas mortas. No caso
do papai, isso se multiplicou", diz.
A diretora sequer completa a frase, porque é desnecessário descrever o impulso dos entrevistados
de ressaltar as qualidades do amigo morto diante da filha que pouco o conheceu.
No entanto muitas "coisas lindas que foram ditas" sobre Person
estão ausentes do documentário.
Foram cortadas na edição, para
preservar a intenção da diretora
de ter "um filme afetuoso, mas
sem exageros".
Publicidade
O que se ressalta de Person no
filme são coisas como a entrega
do cineasta à sua atividade. "Ele
não desvinculava o cinema da vida", diz o diretor Carlos Reichenbach, ex-aluno de Person, para relembrar a decisão do diretor de fechar sua agência de produção de
filmes publicitários no momento
em que ela prosperava.
Person havia iniciado o negócio
num momento de crise financeira
e teria percebido que o sucesso
como publicitário o tornaria cada
vez mais distante do cineasta que
desejou ser.
Encerrados os depoimentos e as
imagens de arquivo em "Person",
Marina surge com a mãe, a irmã e
um cão num trilho ferroviário coberto por um túnel. É talvez seu
jeito de dizer que a vida tem essas
zonas de luz e sombra que cada
um atravessa, para seguir em
frente, com sua companhias palpáveis e impalpáveis.
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