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"O MITO DA DESTERRITORIALIZAÇÃO"
Autor põe geografia da pós-modernidade em questão
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A ciência que está com a bola da vez é a geografia. O geógrafo gaúcho Rogério Haesbaert
escreveu um excelente livro, com
linguagem límpida e raciocínio
didático. Trata-se de "O Mito da
Desterritorialização", em que
aborda a ideologia europocêntrica da desterritorialização, essa palavra bitelona bolada por Henri
Lefebvre que se espraiou pelo
mundo afora com a dupla Guatarri e Deleuze, ganhando um significado polissêmico e, por vezes,
anfibiológico, ambíguo e confuso.
Estudioso, o professor Haesbaert teve a pachorra de submeter
a um crivo crítico e hermenêutico
cada autor que fez uso do conceito de desterritorialização na contemporaneidade sem perder de
mira o que há de mistificatório
nos discursos que pontificam o
fim do Estado-nação, das fronteiras, da espacialidade e até mesmo
do contorno material geográfico.
Esses discursos pós-modernos
não são politicamente inocentes,
pois são urdidos a partir dos núcleos cêntricos do capitalismo.
Sob os apupos do neoliberalismo, a ideologia do ciberespaço,
alicerçada na idéia de que o capital não tem pátria e de que o mundo já não é físico, não quadra com
a verdade, aliás incontestável,
posta em relevo pelo autor: não há
homem sem chão, não há população sem território. "O mito da
desterritorialização é o mito dos
que imaginam que o homem pode viver sem território, que a sociedade pode existir sem territoriedade, como se o movimento de
destruição de territórios não fosse
sempre, de algum modo, sua reconstrução em novas bases."
Múltiplo
Com o olhar primeiramente
educado nos pampas do Rio
Grande do Sul, antes de se tornar
expoente do saber geográfico,
Haesbaert reivindica a multiterritoriedade, ou seja, a existência de
múltiplos territórios acessíveis a
todo tipo de gente, incluindo
sem-tetos e sem-terras.
Para além do humanismo, existe nesse livro a compreensão lúcida do que se passa na geopolítica
comandada pelos países do Primeiro Mundo, que estão de olho
gordo num treco obsceno e espúrio chamado "flexibilidade territorial", de que faz parte o processo internacional privatizante de
alguns territórios dotados de recursos naturais estratégicos.
É uma pena no entanto que esse
geógrafo culto e de cabeça interdisciplinalizada, ainda não se tenha dado conta, tal-qualmente
aconteceu com Milton Santos, da
contribuição científica da "escola
da biomassa" (representada pelo
geólogo Marcelo Guimarães e pelo J. W. Bautista Vidal) para o entendimento da questão territorial
sob o ângulo energético e ecológico. Hoje o mapa-múndi, com o
inelutável declínio da energia fóssil que deu poder e fortuna à Inglaterra e aos EUA, deve ser visto
e analisado pela clivagem geográfica entre as regiões frias, temperadas e as regiões intertropicais.
Caducou a distinção geográfica
entre hemisfério Sul e hemisfério
Norte, assim como entre países
socialistas e países capitalistas.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais) e autor do livro "A Salvação da Lavoura" (Casa Amarela)
O Mito da Desterritorialização
Autor: Rogério Haeshaert
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 49 (400 págs.)
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