São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

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"O MITO DA DESTERRITORIALIZAÇÃO"

Autor põe geografia da pós-modernidade em questão

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ciência que está com a bola da vez é a geografia. O geógrafo gaúcho Rogério Haesbaert escreveu um excelente livro, com linguagem límpida e raciocínio didático. Trata-se de "O Mito da Desterritorialização", em que aborda a ideologia europocêntrica da desterritorialização, essa palavra bitelona bolada por Henri Lefebvre que se espraiou pelo mundo afora com a dupla Guatarri e Deleuze, ganhando um significado polissêmico e, por vezes, anfibiológico, ambíguo e confuso.
Estudioso, o professor Haesbaert teve a pachorra de submeter a um crivo crítico e hermenêutico cada autor que fez uso do conceito de desterritorialização na contemporaneidade sem perder de mira o que há de mistificatório nos discursos que pontificam o fim do Estado-nação, das fronteiras, da espacialidade e até mesmo do contorno material geográfico. Esses discursos pós-modernos não são politicamente inocentes, pois são urdidos a partir dos núcleos cêntricos do capitalismo.
Sob os apupos do neoliberalismo, a ideologia do ciberespaço, alicerçada na idéia de que o capital não tem pátria e de que o mundo já não é físico, não quadra com a verdade, aliás incontestável, posta em relevo pelo autor: não há homem sem chão, não há população sem território. "O mito da desterritorialização é o mito dos que imaginam que o homem pode viver sem território, que a sociedade pode existir sem territoriedade, como se o movimento de destruição de territórios não fosse sempre, de algum modo, sua reconstrução em novas bases."

Múltiplo
Com o olhar primeiramente educado nos pampas do Rio Grande do Sul, antes de se tornar expoente do saber geográfico, Haesbaert reivindica a multiterritoriedade, ou seja, a existência de múltiplos territórios acessíveis a todo tipo de gente, incluindo sem-tetos e sem-terras.
Para além do humanismo, existe nesse livro a compreensão lúcida do que se passa na geopolítica comandada pelos países do Primeiro Mundo, que estão de olho gordo num treco obsceno e espúrio chamado "flexibilidade territorial", de que faz parte o processo internacional privatizante de alguns territórios dotados de recursos naturais estratégicos.
É uma pena no entanto que esse geógrafo culto e de cabeça interdisciplinalizada, ainda não se tenha dado conta, tal-qualmente aconteceu com Milton Santos, da contribuição científica da "escola da biomassa" (representada pelo geólogo Marcelo Guimarães e pelo J. W. Bautista Vidal) para o entendimento da questão territorial sob o ângulo energético e ecológico. Hoje o mapa-múndi, com o inelutável declínio da energia fóssil que deu poder e fortuna à Inglaterra e aos EUA, deve ser visto e analisado pela clivagem geográfica entre as regiões frias, temperadas e as regiões intertropicais. Caducou a distinção geográfica entre hemisfério Sul e hemisfério Norte, assim como entre países socialistas e países capitalistas.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais) e autor do livro "A Salvação da Lavoura" (Casa Amarela)


O Mito da Desterritorialização
    
Autor: Rogério Haeshaert
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 49 (400 págs.)



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