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"A TRAVESSIA"/"O COLOSSO"
Em dois volumes, obra conta a trajetória do conde Francesco, patriarca da família
Biografia evoca o passado dos Matarazzos
Arquivo pessoal
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A família de Francesco Matarazzo na Villa da Avenida, em 1906 |
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ele ergueu um império industrial e o expôs ao risco de desabamento. Foi chamado de
monge capitalista pela atividade
filantrópica, mas na política se entusiasmou com o fascismo. Patriarca dedicado ao clã, colocou a
família na rota da desagregação.
Multifacetado e complexo até o limiar do contraditório, esse é o
conde Francesco Matarazzo
(1854-1937) que emerge da biografia de Ronaldo Costa Couto.
Referência empresarial na primeira metade do século 20, Matarazzo é pouco conhecido das novas gerações. Todos sabem quem
é o roqueiro Supla, seu tetraneto,
e muitos ouviram falar da neta
Maria Pia, que comandou o império já decadente. Quanto às Indústrias Matarazzo, nascidas em
1911, ainda evocam um passado
de grandeza, mesmo para quem
não testemunhou seu apogeu. A
figura do conde, porém, andava
distante, e Costa Couto tem o mérito de resgatá-la.
Em dois volumes, "Matarazzo"
remonta à Itália de meados do século 19, anterior à unificação e
atolada na crise econômica causadora da migração que teve no
Brasil um de seus principais destinos. Com pouco dinheiro no bolso, mas em situação mais confortável do que a da maioria de seus
conterrâneos, Francesco chega
em 1881, aos 27 anos, e segue de
trem para Sorocaba, no interior
de São Paulo. É lá, na Manchester
Paulista, referência ao berço da
industrialização britânica, que o
futuro magnata começa a montar
seu império, a princípio como comerciante, vendendo banha, negócio a que a família se dedicava
na Castelabatte natal ("conhecia
bem homens e porcos", anota
Costa Couto).
Matarazzo não tardaria a entrar
na produção. Em 1883, monta
uma fabriqueta. "Permita que eu
a batize com o pomposo nome de
fábrica. Merece-o: essa é a origem
da minha posição atual", diria
Francesco em 1926, quando já
construíra uma das maiores fortunas do Brasil e do mundo.
O pequeno negócio tinha a marca do empresário criativo. Com
uma prensa de madeira inspirada
na usada na extração de óleo de
oliva na Itália, Matarazzo revolucionou a produção de banha. Esboçava-se aí o empreendedor
schumpeteriano, aquele que se
destaca por promover mudanças
tecnológicas e organizacionais,
conforme descrição do economista Joseph Schumpeter.
A transferência para São Paulo
se dá em 1890, um ano após a proclamação da República. No encilhamento que se seguiu, Matarazzo preferiu andar na contramão:
enquanto indústrias brotavam
como cogumelos no terreno da
especulação financeira, ele desimobilizou o capital industrial e
investiu no comércio. Quando a
bolha estourou, provocando quebradeira, Francesco Matarazzo se
encontrava em saudável situação
econômica.
Começou, então, a vertiginosa
expansão. Aproveitando-se da carência nacional, passou a produzir amplo leque de produtos,
substituindo importações. Nos
anos 20, consolidado seu poderio,
Matarazzo revelou-se um líder
empresarial.
A oportunidade surgiu quando
uma valorização cambial prejudicou a indústria nacional, favorecendo o comércio. Com o choque
de interesses, o setor produtivo
não podia mais ser representado
pela associação comercial. Assim,
com Matarazzo à frente, surgiu,
em 1928, o Ciesp (Centro das Indústrias de São Paulo).
Ao morrer, em 1937, Matarazzo
deixou uma fortuna estimada em
mais de US$ 10 bilhões. Embora
fosse quantia para não desapontar nenhum herdeiro, quase todos
reclamaram. A origem da discórdia foi o processo de sucessão. Depois da morte em acidente de Ermelino, o filho eleito para sucedê-lo, Francesco insistiu na solução
centralizadora e impôs o nome de
Chiquinho. O resultado foi "a
fragmentação do frágil e belo cristal familiar", nas palavras de Costa Couto. "O talentoso e amoroso
patriarca conduziu o processo de
sucessão de forma demolidora
para a harmonia familiar."
De qualquer maneira, os filhos
tiveram o seu quinhão, além do título de conde, uma cortesia do ditador Benito Mussolini, de quem
Matarazzo era admirador. O de
Francesco fora concedido pelo rei
Vitório Emanuelle 3º, em 1917,
por serviços patrióticos prestados
durante a Primeira Guerra Mundial. Quanto ao dos filhos, data de
1926, quando "il Duce" já mandava e desmandava na Itália.
Fruto de cinco anos de pesquisas, "Matarazzo" não é isento de
problemas. Biografia autorizada,
não consegue dissimular o enfoque quase institucional. Quanto à
linguagem coloquial, que o autor
usou com sucesso em "História
Indiscreta da Ditadura e da Abertura", não funciona para narrar
uma saga. O efeito negativo é potencializado pelos trocadilhos,
sempre indesejáveis ("a banha
[de porco, que trouxera da Itália]
afunda no mar que banha o Rio").
A intercalação de muitas entrevistas, a maioria apenas exploratória, também não contribui para
prender o leitor.
Oscar Pilagallo, jornalista, é autor da
série "A História do Brasil no Século 20"
(Publifolha), entre outros livros
Matarazzo: A Travessia (1º
vol.)/O Colosso (2º vol.)
Autor: Ronaldo Costa Couto
Editora: Planeta
Quanto: R$ 49,90 (cada um; 336 págs. o
1º vol./408 págs. o 2º vol.)
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