São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2010

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"A câmera nunca consegue captar todo o sentimento"

Tailandês Weerasethakul diz que sempre sai frustrado de seus processos de criação

Diretor premiado em Cannes é homenageado em Buenos Aires em evento que também acontece em São Paulo

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

No canto da biblioteca do museu portenho em que o cineasta Apichatpong Weerasethakul, 40, fala à Folha, um ruído que parece vir dos livros o intriga.
Entramos no mundo de fantasia do tailandês, em que princesas se entregam a bagres galanteadores e filhos mortos visitam os pais em pele de macaco.
Seu cinema de tempos dilatados, paisagens sonoras e contemplação paciente foi reconhecido com o prêmio máximo em Cannes e agora é homenageado na capital argentina no Festival 4+1, que acontece simultaneamente em outras quatro cidades, São Paulo incluída.
Apichatpong diz que sempre sai frustrado de seus processos de criação. "A câmera nunca consegue captar todo o sentimento." E o 3-D, diz, não é remédio para essa incompletude. "Não acredito nisso. O cinema é 2-D, achatado, e temos de aceitar isso, tirar o máximo possível daí."
Em seu caso, isso significa inscrever em duas dimensões histórias de fantasmas e fábulas budistas que ouvia na infância, sem deixar fora do quadro os melodramas e filmes de terror que marcaram sua formação. Para alguns, o resultado é de um hermetismo inócuo. Mas não peça explicações a ele: "Isso me incomoda. Quando explico, acho que crio um muro, um caminho de interpretação. Não quero destruir a magia, impor minha experiência. Alguns jornalistas dizem que é difícil reportar sobre os meus filmes. É difícil escrever sobre sentimentos".
Sentimentos cujo registro ele compara a páginas de um diário. "Fazer filmes é uma performance. Em si, eles são apenas uma documentação disso. O prazer é filmar, imaginando como transmitir sensações à plateia naquela caverna moderna."

HOMEM E ÁGUA
Quando puser ponto final, em 2011, na turnê mundial de promoção de "Tio Boonmee que se Lembra de Suas Vidas Passadas" (premiado em Cannes), Apichatpong vai rodar um curta para um canal francês sobre o cotidiano de um hotel ribeirinho. Será um ensaio para o próximo longa.
No diário, guardará impressões acerca da relação entre homem e água, tendo como pano de fundo o rio Mekong, no Sudeste asiático.
Também tem no baú o roteiro de "Ecstasy Garden" (jardim do êxtase), em que uma máquina ligada ao cérebro das pessoas as transporta para realidades paralelas.
Acaba a entrevista. E o casal anglófono que passeava pela loja de souvenirs fazendo falar os livros da biblioteca, do outro lado da parede, nem suspeita da magia que emprestou a Apichatpong.


O jornalista LUCAS NEVES viajou a convite da organização do Festival 4+1


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