São Paulo, Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MusicClub lança 29 CDs da cantora
Meu nome é Gal

da Reportagem Local

Por algum tempo e apesar da má vontade das gravadoras brasileiras, a coleção completa da cantora baiana Gal Costa -em seu conjunto um dos maiores furacões da moderna discografia nacional- está de volta em CD.
Quem reagrupa a discografia -com 29 títulos- é o MusiClub, clube de venda de CDs por correio que em 1999 assumiu deveres de catálogo das gravadoras (todas mais -ou só?- preocupadas com padres e bundas), promovendo relançamentos fundamentais e garantindo um mínimo de dignidade ao comércio de discos.
O trabalho é meticuloso -embora sem qualquer luxo, os encartes têm informações mínimas e as capas não são adulteradas- e inclui a recuperação de 12 títulos fora de catálogo, inclusive os de sua explosiva fase tropicalista.
Dois títulos, a trilha do filme "Gabriela" (83) e "Rio Revisited" (87), contêm só participações de Gal -são, na verdade, álbuns de Tom Jobim. Os demais, a quem tenha a obsessão e o dinheiro de colecionar Gal, constituem uma montanha-russa das mais emocionantes (acompanhe o roteiro ao redor da página). Ouvidos em conjunto, esclarecem muito sobre o que aconteceu com Gal ao longo de três décadas e lá vai.
Começa no pré-tropicalismo de "Domingo" (67), estréia dela e de Caetano Veloso, ainda como cantores de bossa nova, e cai logo então no oceano tropicalista, de que Gal se fez a principal intérprete.
A persona, obtida da série de LPs perfeitos formada por "Gal Costa" (69) -os últimos eflúvios da tropicália-, "Gal" (69) -o refluxo atormentado por guitarras-, "Legal" (70) e "Fatal" (71) -a resistência, durante o exílio de Caetano e Gilberto Gil-, é de uma roqueira emepebista, desabalada no canto, mas também no entusiasmo de cantar e de criar.
As equipes de criação e/ou inspiração eram de arrasar, com maestros (Rogério Duprat), produtores (Manoel Barenbein, Roberto Menescal), compositores exclusivos (Caetano, Gil, Jorge Ben, Roberto e Erasmo Carlos, Jards Macalé), poetas (Waly Salomão), músicos (Jards Macalé, Lanny Gordin), pedras do arquivo musical nacional (Luiz Gonzaga, Geraldo Pereira, Ismael Silva).
Na volta do exílio, Caetano e Gil assumiram controle (ainda que indireto e, muitas vezes, levado a cabo pelo produtor Perinho Albuquerque, comum ao núcleo baiano) da produção de Gal, secundando-a em obras-primas como "Índia" (73), "Cantar" (74), "Gal Canta Caymmi" (76, seu primeiro LP tipo songbook), "Caras & Bocas" (77), "Água Viva" (78), mais os comunitários "Temporada de Verão ao Vivo na Bahia" (74) e "Doces Bárbaros" (76).
Aí se arquitetava a diva de dotes descomunais que abrilhantava Lupicinio Rodrigues ("Volta", 73, "Um Favor", 74), João Donato ("A Rã", 74), Cartola ("Acontece", 74), até Bob Dylan e Duke Ellington (nas versões "Negro Amor" e "Solitude", ambas 77).
"Tropical" (79) é o início da era da Gal superstar pop-MPB. Contém a segunda versão de "Meu Nome É Gal" (original de 69), aquela do duelo com a guitarra. Segue-se "Aquarela do Brasil" (80), disco-songbook para Ary Barroso, em que a "Gal tropical" se faz mais baiana que nunca.
Por essa época, Caetano mirava o funk, Gil, o reggae, e o burocrata Mariozinho Rocha (hoje condutor das trilhas sonoras de novelas da Globo) tomava conta da moça.
A série seguinte -Gal de início entre musa carnavalesca e diva brega (em "Fantasia", 81, e "Minha Voz", 82), depois indefinida (em "Baby", 83), então de franca cantora pop-brega ("Profana", 84, "Bem Bom", 85, "Lua-de-Mel Como o Diabo Gosta", 87)- foi de ascensão da burocracia.
No fim dessa fase, Gal estava inteira nos braços de (ex-) músicos com mais jeito de executivos que de artistas (Miguel Plopschi, Michael Sullivan, Paulo Massadas). O sucesso era grande, mas seus efeitos colaterais também seriam.
Ficou calada entre 87 e 90 e voltou retomando a mítica associação com Waly Salomão, em "Plural" (90), mais virtuoso que comercial. Manteve essa tez no vigoroso "Gal" (92) e em "O Sorriso do Gato de Alice" (93, desenvolvido pelo dândi pedante multinacional Arto Lindsay).
Daí caiu em projetos-clichê -"Mina d'Água do Meu Canto" (95), dedicado às obras de Caetano e de Chico Buarque, "Acústico MTV" (97), de delicadas releituras de canções da fase enfant terrible, e o redundante "Gal Costa Canta Tom Jobim" (99). Interposto aí o esforçado mas híbrido demais "Aquele Frevo Axé" (98), que obteve gélida acolhida.
A intérprete vem soberba, mas é pacífico que haja perdido algo pelo caminho -possivelmente o entusiasmo em cantar.
Especular sobre razões é apenas especular. Mas uma senha artística parece até óbvia: cercada até o início dos 80 pelos mais audaciosos artistas e criadores que o Brasil conhecia, a partir daí -Elis Regina havia morrido, Maria Bethânia também estava preguiçosa (está menos hoje em dia)- fez lá seus pactos com os diabos oligárquicos do sistema fonográfico.
Até aí tudo bem, mas ao fazê-lo parece não ter percebido que estava se afastando dos artistas, se aproximando das ratazanas. Ligou antenas nos 90, mas só em parte. Vive hoje puxada de lá e puxada de cá, ainda sob moderada vontade artística.
Não é uma sentença -talvez seja natural assim. Sua contribuição -nos 60 e 70 quase sem máculas, mas também em diversas passagens intermitentes daí em diante- não é, de qualquer maneira, menos que monumental.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


O MusiClub (tel. 0/xx/11/3037-2600) vende os 29 discos da coleção Gal Costa por correio, por preços entre R$15,15 e R$ 19,95; 12 dos títulos só estão disponíveis via MusiClub.

Texto Anterior: Texto é lido hoje no Teatro Augusta
Próximo Texto: Vídeo lançamentos: Rebeldes com causa
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.