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MusicClub lança 29 CDs da cantora
Meu nome é Gal
da Reportagem Local
Por algum tempo e apesar da
má vontade das gravadoras brasileiras, a coleção completa da cantora baiana Gal Costa -em seu
conjunto um dos maiores furacões da moderna discografia nacional- está de volta em CD.
Quem reagrupa a discografia
-com 29 títulos- é o MusiClub,
clube de venda de CDs por correio que em 1999 assumiu deveres
de catálogo das gravadoras (todas
mais -ou só?- preocupadas
com padres e bundas), promovendo relançamentos fundamentais e garantindo um mínimo de
dignidade ao comércio de discos.
O trabalho é meticuloso -embora sem qualquer luxo, os encartes têm informações mínimas e as
capas não são adulteradas- e inclui a recuperação de 12 títulos fora de catálogo, inclusive os de sua
explosiva fase tropicalista.
Dois títulos, a trilha do filme
"Gabriela" (83) e "Rio Revisited"
(87), contêm só participações de
Gal -são, na verdade, álbuns de
Tom Jobim. Os demais, a quem
tenha a obsessão e o dinheiro de
colecionar Gal, constituem uma
montanha-russa das mais emocionantes (acompanhe o roteiro
ao redor da página). Ouvidos em
conjunto, esclarecem muito sobre
o que aconteceu com Gal ao longo
de três décadas e lá vai.
Começa no pré-tropicalismo de
"Domingo" (67), estréia dela e de
Caetano Veloso, ainda como cantores de bossa nova, e cai logo então no oceano tropicalista, de que
Gal se fez a principal intérprete.
A persona, obtida da série de
LPs perfeitos formada por "Gal
Costa" (69) -os últimos eflúvios
da tropicália-, "Gal" (69) -o refluxo atormentado por guitarras-, "Legal" (70) e "Fatal" (71)
-a resistência, durante o exílio
de Caetano e Gilberto Gil-, é de
uma roqueira emepebista, desabalada no canto, mas também no
entusiasmo de cantar e de criar.
As equipes de criação e/ou inspiração eram de arrasar, com
maestros (Rogério Duprat), produtores (Manoel Barenbein, Roberto Menescal), compositores
exclusivos (Caetano, Gil, Jorge
Ben, Roberto e Erasmo Carlos,
Jards Macalé), poetas (Waly Salomão), músicos (Jards Macalé,
Lanny Gordin), pedras do arquivo musical nacional (Luiz Gonzaga, Geraldo Pereira, Ismael Silva).
Na volta do exílio, Caetano e Gil
assumiram controle (ainda que
indireto e, muitas vezes, levado a
cabo pelo produtor Perinho Albuquerque, comum ao núcleo
baiano) da produção de Gal, secundando-a em obras-primas como "Índia" (73), "Cantar" (74),
"Gal Canta Caymmi" (76, seu primeiro LP tipo songbook), "Caras
& Bocas" (77), "Água Viva" (78),
mais os comunitários "Temporada de Verão ao Vivo na Bahia"
(74) e "Doces Bárbaros" (76).
Aí se arquitetava a diva de dotes
descomunais que abrilhantava
Lupicinio Rodrigues ("Volta", 73,
"Um Favor", 74), João Donato
("A Rã", 74), Cartola ("Acontece", 74), até Bob Dylan e Duke
Ellington (nas versões "Negro
Amor" e "Solitude", ambas 77).
"Tropical" (79) é o início da era
da Gal superstar pop-MPB. Contém a segunda versão de "Meu
Nome É Gal" (original de 69),
aquela do duelo com a guitarra.
Segue-se "Aquarela do Brasil"
(80), disco-songbook para Ary
Barroso, em que a "Gal tropical"
se faz mais baiana que nunca.
Por essa época, Caetano mirava
o funk, Gil, o reggae, e o burocrata
Mariozinho Rocha (hoje condutor das trilhas sonoras de novelas
da Globo) tomava conta da moça.
A série seguinte -Gal de início
entre musa carnavalesca e diva
brega (em "Fantasia", 81, e "Minha Voz", 82), depois indefinida
(em "Baby", 83), então de franca
cantora pop-brega ("Profana",
84, "Bem Bom", 85, "Lua-de-Mel
Como o Diabo Gosta", 87)- foi
de ascensão da burocracia.
No fim dessa fase, Gal estava inteira nos braços de (ex-) músicos
com mais jeito de executivos que
de artistas (Miguel Plopschi, Michael Sullivan, Paulo Massadas).
O sucesso era grande, mas seus
efeitos colaterais também seriam.
Ficou calada entre 87 e 90 e voltou retomando a mítica associação com Waly Salomão, em "Plural" (90), mais virtuoso que comercial. Manteve essa tez no vigoroso "Gal" (92) e em "O Sorriso
do Gato de Alice" (93, desenvolvido pelo dândi pedante multinacional Arto Lindsay).
Daí caiu em projetos-clichê
-"Mina d'Água do Meu Canto"
(95), dedicado às obras de Caetano e de Chico Buarque, "Acústico
MTV" (97), de delicadas releituras de canções da fase enfant terrible, e o redundante "Gal Costa
Canta Tom Jobim" (99). Interposto aí o esforçado mas híbrido
demais "Aquele Frevo Axé" (98),
que obteve gélida acolhida.
A intérprete vem soberba, mas é
pacífico que haja perdido algo pelo caminho -possivelmente o
entusiasmo em cantar.
Especular sobre razões é apenas
especular. Mas uma senha artística parece até óbvia: cercada até o
início dos 80 pelos mais audaciosos artistas e criadores que o Brasil conhecia, a partir daí -Elis
Regina havia morrido, Maria Bethânia também estava preguiçosa
(está menos hoje em dia)- fez lá
seus pactos com os diabos oligárquicos do sistema fonográfico.
Até aí tudo bem, mas ao fazê-lo
parece não ter percebido que estava se afastando dos artistas, se
aproximando das ratazanas. Ligou antenas nos 90, mas só em
parte. Vive hoje puxada de lá e
puxada de cá, ainda sob moderada vontade artística.
Não é uma sentença -talvez
seja natural assim. Sua contribuição -nos 60 e 70 quase sem máculas, mas também em diversas
passagens intermitentes daí em
diante- não é, de qualquer maneira, menos que monumental.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
O MusiClub (tel. 0/xx/11/3037-2600) vende
os 29 discos da coleção Gal Costa por correio, por preços entre R$15,15 e R$ 19,95; 12
dos títulos só estão disponíveis via MusiClub.
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