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FERNANDO GABEIRA
Perdido em Seattle, no meio da confusão
Se estivesse em Seattle, durante
as manifestações de trabalhadores e entidades ambientais, talvez
tivesse um pouco de inveja da certeza dos jovens anarquistas que
quebraram lojas e da certeza da
polícia que os reprimiu. Para os
anarquistas, o processo de globalização é um monstro destruidor;
para os policiais, era apenas a encarnação do bem. Para mim, o
buraco é mais embaixo.
O ensaio da "Time" desqualifica os argumentos dos manifestantes, comparando-os aos operários que quebravam as máquinas na Revolução Industrial. Reduziu os conflitos a uma contradição entre o progresso e o atraso.
E acusa a esquerda norte-americana de trair seus sonhos de um
mundo mais justo, de mais distribuição de renda nos países pobres.
Para o ensaísta da "Time", o
processo de globalização permitiu
aos trabalhadores do Terceiro
Mundo um salário baixo, mas
muito melhor do que ficar à margem do mercado de trabalho.
O ensaio ignora dois aspectos
importantes: a luta pelas cláusulas sociais e ambientais no Terceiro Mundo não se pode calar. Ela
existe no interior dos nossos países e, na verdade, recebe um impulso positivo desse protesto contra os rumos do processo de globalização.
E os protestos norte-americanos
já obtiveram algumas vitórias
parciais, levando multinacionais
como a Nike a assinar compromissos de não explorar o trabalho
infantil nem aviltar a mão-de-obra local.
Digo que me sentiria perdido
em Seattle porque a exploração
política que Clinton fez dos protestos foi boa talvez para alavancar a campanha de Gore, que precisa dos sindicatos e dos ecologistas para vencer. No entanto, a
maneira como o candidato formulou sua plataforma, prometendo sanções comerciais contra
os países do Terceiro Mundo, acabou revelando um aspecto também considerável dessa insistência nas cláusulas ambientais e sociais: há um protecionismo escondido sob as bandeiras de proteção
ao meio ambiente e aos trabalhadores do Terceiro Mundo.
Se os americanos querem mesmo fazer avançar as cláusulas sociais e ambientais aqui no Brasil,
por exemplo, o pior que poderiam
fazer seria aplicar sanções comerciais, fortalecendo o lado protecionista escondido embaixo da
saia vermelha e verde.
O que as pessoas que lutam por
isso no Brasil precisam é de pressão política e ajuda concreta para
que esses problemas sejam resolvidos. Por exemplo: o Brasil tem
um projeto para acabar com o
trabalho infantil. Já conseguiu reduzir para 2 milhões o número
dessas crianças exploradas.
O que fazer para acelerar esse
processo? Seria possível até estabelecer um plano, com uma data
de conclusão. Se os norte-americanos falassem essa língua e quisessem colaborar concretamente,
creio que fortaleceriam o lado solar dessas reivindicações a favor
dos trabalhadores e do meio ambiente.
O que o ensaio da "Time" pede
à esquerda, em nome do progresso, é que defenda a globalização
com destruição ambiental e exploração do trabalho infantil,
porque esse ainda é o caminho
único de melhorar a vida das pessoas.
Tanto os trabalhadores como os
ambientalistas aprenderam a ver
o mundo com todas as suas interligações. É possível pedir simultaneamente respeito às cláusulas
sociais e ambientais e melhorar a
vida das pessoas.
Os anarquistas quebrando lojas
acabaram fortalecendo essa idéia
que alguns veículos norte-americanos transmitiram -a de desesperados quebrando máquinas na
Revolução Industrial.
Perdida no meio da confusão,
havia muita gente com críticas à
globalização que não podem
mais ser respondidas com a arrogância de sempre, estampando o
rótulo de dinossauros.
Os dinossauros classificados pelos pensadores neoliberais estão
nas ruas, protestando. Foi talvez
a maior manifestação da história
moderna mobilizada pela Internet.
Em Minas, dizia-se que certas
pessoas são loucas, mas não rasgam dinheiro. Os manifestantes
de hoje podem ser chamados de
retrógrados pela "Time", mas é
preciso reconhecer que não dispensam os computadores e usam
uma nova maneira de se comunicar, que pode fazer da própria
"Time", ela sim, um autêntico dinossauro.
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