São Paulo, Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999


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FERNANDO GABEIRA

Perdido em Seattle, no meio da confusão

Se estivesse em Seattle, durante as manifestações de trabalhadores e entidades ambientais, talvez tivesse um pouco de inveja da certeza dos jovens anarquistas que quebraram lojas e da certeza da polícia que os reprimiu. Para os anarquistas, o processo de globalização é um monstro destruidor; para os policiais, era apenas a encarnação do bem. Para mim, o buraco é mais embaixo.
O ensaio da "Time" desqualifica os argumentos dos manifestantes, comparando-os aos operários que quebravam as máquinas na Revolução Industrial. Reduziu os conflitos a uma contradição entre o progresso e o atraso. E acusa a esquerda norte-americana de trair seus sonhos de um mundo mais justo, de mais distribuição de renda nos países pobres.
Para o ensaísta da "Time", o processo de globalização permitiu aos trabalhadores do Terceiro Mundo um salário baixo, mas muito melhor do que ficar à margem do mercado de trabalho.
O ensaio ignora dois aspectos importantes: a luta pelas cláusulas sociais e ambientais no Terceiro Mundo não se pode calar. Ela existe no interior dos nossos países e, na verdade, recebe um impulso positivo desse protesto contra os rumos do processo de globalização.
E os protestos norte-americanos já obtiveram algumas vitórias parciais, levando multinacionais como a Nike a assinar compromissos de não explorar o trabalho infantil nem aviltar a mão-de-obra local.
Digo que me sentiria perdido em Seattle porque a exploração política que Clinton fez dos protestos foi boa talvez para alavancar a campanha de Gore, que precisa dos sindicatos e dos ecologistas para vencer. No entanto, a maneira como o candidato formulou sua plataforma, prometendo sanções comerciais contra os países do Terceiro Mundo, acabou revelando um aspecto também considerável dessa insistência nas cláusulas ambientais e sociais: há um protecionismo escondido sob as bandeiras de proteção ao meio ambiente e aos trabalhadores do Terceiro Mundo.
Se os americanos querem mesmo fazer avançar as cláusulas sociais e ambientais aqui no Brasil, por exemplo, o pior que poderiam fazer seria aplicar sanções comerciais, fortalecendo o lado protecionista escondido embaixo da saia vermelha e verde.
O que as pessoas que lutam por isso no Brasil precisam é de pressão política e ajuda concreta para que esses problemas sejam resolvidos. Por exemplo: o Brasil tem um projeto para acabar com o trabalho infantil. Já conseguiu reduzir para 2 milhões o número dessas crianças exploradas.
O que fazer para acelerar esse processo? Seria possível até estabelecer um plano, com uma data de conclusão. Se os norte-americanos falassem essa língua e quisessem colaborar concretamente, creio que fortaleceriam o lado solar dessas reivindicações a favor dos trabalhadores e do meio ambiente.
O que o ensaio da "Time" pede à esquerda, em nome do progresso, é que defenda a globalização com destruição ambiental e exploração do trabalho infantil, porque esse ainda é o caminho único de melhorar a vida das pessoas.
Tanto os trabalhadores como os ambientalistas aprenderam a ver o mundo com todas as suas interligações. É possível pedir simultaneamente respeito às cláusulas sociais e ambientais e melhorar a vida das pessoas.
Os anarquistas quebrando lojas acabaram fortalecendo essa idéia que alguns veículos norte-americanos transmitiram -a de desesperados quebrando máquinas na Revolução Industrial.
Perdida no meio da confusão, havia muita gente com críticas à globalização que não podem mais ser respondidas com a arrogância de sempre, estampando o rótulo de dinossauros.
Os dinossauros classificados pelos pensadores neoliberais estão nas ruas, protestando. Foi talvez a maior manifestação da história moderna mobilizada pela Internet.
Em Minas, dizia-se que certas pessoas são loucas, mas não rasgam dinheiro. Os manifestantes de hoje podem ser chamados de retrógrados pela "Time", mas é preciso reconhecer que não dispensam os computadores e usam uma nova maneira de se comunicar, que pode fazer da própria "Time", ela sim, um autêntico dinossauro.


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