São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 2000

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"Não adianta só sonhar", diz Ice Blue

DA REDAÇÃO

O quinto disco do Racionais MCs vai marcar um novo momento na carreira do grupo, com shows mais bem produzidos -que passam a incorporar cenários- e um envolvimento ainda maior com a questão social, a exemplo dos trabalhos que o grupo vem fazendo com crianças na região da Cohab Adventista, nas bordas da zona sul paulistana -onde nasceram e moraram até 98 Ice Blue e Mano Brown.
A repercussão do último CD, lançado pelo selo Cosa Nostra (do próprio grupo) e distribuído nacionalmente pela Sony Music (onde Primo Preto dirige o selo Black Groove), ampliou o público para além das periferias e atraiu o fã da classe média -a "playboyzada" criticada nas músicas. (IV)

Folha - É muito claro nas letras do Racionais o discurso de classe, com críticas frequentes ao que vocês chamam de "playboyzada". Não há incômodo em essa parcela de público estar mais e mais nos shows?
Ice Blue -
O rap passa a realidade de quem o conduz. A "playboyzada" gosta do que é bom e quer ouvir as melhores músicas. Não tem como obrigar os caras a não gostarem. Uma coisa é gostarem da música, outra coisa é você ser relacionado com eles.

Folha - Isso muda o discurso do Racionais para o próximo disco?
Ice Blue -
Não, não muda o discurso. A música tá aí. Compra quem quiser, mano. Muitas vezes você xinga um playboy porque ele tem uma Mercedes na garagem, e ele acha que playboy é o vizinho dele, que tem duas. Cada um sabe o que faz. O Racionais tá aí pra bater de frente com as coisas com que a gente não concorda. Se o cara vai num evento de rap que antigamente ele teria medo de ir, tá quebrando uma barreira.

Folha - O público tem essa visão?
Ice Blue -
O bagulho é simples: com o rap a gente conseguiu fazer o moleque da favela não ter vergonha mais da roupa que veste, de falar onde mora, de ser preto. O Racionais nunca vai abandonar a periferia, nunca vai deixar de falar o que fala, porque os problemas estão todos aí. Mas a gente também já sabe que muita coisa tem que ser feita e só vai ser feita com dinheiro também. Hoje não adianta: a rapaziada não tá preocupada com discurso.

Folha - Mas o rap também é discurso. Ele não funciona mais?
Ice Blue -
O pessoal quer ver as coisas na prática. Não tem como falar pro moleque sair do crime se você não tem nada pra oferecer pra ele. Tem que oferecer alguma coisa em troca. Só que pra isso tem que ter dinheiro. A proposta do Racionais pros próximos anos é essa: fazer na prática. Porque o discurso já tá feito. Agora tem que conseguir trazer recursos pra criar escolas de computação, fazer os cursos na periferia, melhorar as escolas. E isso exige dinheiro. Não adianta só ficar sonhando.


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