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"Não adianta só sonhar", diz Ice Blue
DA REDAÇÃO
O quinto disco do Racionais
MCs vai marcar um novo momento na carreira do grupo, com
shows mais bem produzidos
-que passam a incorporar cenários- e um envolvimento ainda
maior com a questão social, a
exemplo dos trabalhos que o grupo vem fazendo com crianças na
região da Cohab Adventista, nas
bordas da zona sul paulistana
-onde nasceram e moraram até
98 Ice Blue e Mano Brown.
A repercussão do último CD,
lançado pelo selo Cosa Nostra (do
próprio grupo) e distribuído nacionalmente pela Sony Music
(onde Primo Preto dirige o selo
Black Groove), ampliou o público
para além das periferias e atraiu o
fã da classe média -a "playboyzada" criticada nas músicas.
(IV)
Folha - É muito claro nas letras do
Racionais o discurso de classe, com
críticas frequentes ao que vocês
chamam de "playboyzada". Não há
incômodo em essa parcela de público estar mais e mais nos shows?
Ice Blue - O rap passa a realidade
de quem o conduz. A "playboyzada" gosta do que é bom e quer ouvir as melhores músicas. Não tem
como obrigar os caras a não gostarem. Uma coisa é gostarem da
música, outra coisa é você ser relacionado com eles.
Folha - Isso muda o discurso do
Racionais para o próximo disco?
Ice Blue - Não, não muda o discurso. A música tá aí. Compra
quem quiser, mano. Muitas vezes
você xinga um playboy porque ele
tem uma Mercedes na garagem, e
ele acha que playboy é o vizinho
dele, que tem duas. Cada um sabe
o que faz. O Racionais tá aí pra bater de frente com as coisas com
que a gente não concorda. Se o cara vai num evento de rap que antigamente ele teria medo de ir, tá
quebrando uma barreira.
Folha - O público tem essa visão?
Ice Blue - O bagulho é simples:
com o rap a gente conseguiu fazer
o moleque da favela não ter vergonha mais da roupa que veste, de
falar onde mora, de ser preto. O
Racionais nunca vai abandonar a
periferia, nunca vai deixar de falar
o que fala, porque os problemas
estão todos aí. Mas a gente também já sabe que muita coisa tem
que ser feita e só vai ser feita com
dinheiro também. Hoje não
adianta: a rapaziada não tá preocupada com discurso.
Folha - Mas o rap também é discurso. Ele não funciona mais?
Ice Blue - O pessoal quer ver as
coisas na prática. Não tem como
falar pro moleque sair do crime se
você não tem nada pra oferecer
pra ele. Tem que oferecer alguma
coisa em troca. Só que pra isso
tem que ter dinheiro. A proposta
do Racionais pros próximos anos
é essa: fazer na prática. Porque o
discurso já tá feito. Agora tem que
conseguir trazer recursos pra
criar escolas de computação, fazer
os cursos na periferia, melhorar as
escolas. E isso exige dinheiro. Não
adianta só ficar sonhando.
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