São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 2000

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Cantor descobre Joaquim Nabuco



CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Escravidão e identidade nacional são os temas que dominam a maioria das canções de "Noites do Norte", o primeiro álbum com composições inéditas de Caetano Veloso desde "Livro" (97).
O cantor diz que não tinha noção de como seria o disco quando entrou no estúdio. "Só pensava nos sons: queria fazer experimentações com o modo de gravar a voz com percussão", afirma Caetano, em "entrevista/release" divulgada anteontem pelo site Globo.com (www.globo.com).
A leitura casual de uma obra do abolicionista Joaquim Nabuco contagiou o compositor. Impressionado pelo estilo e pela atualidade da visão do pernambucano, Caetano decidiu musicar um texto da autobiografia "Minha Formação", que caracteriza a escravidão como um traço nacional e duradouro do Brasil. Assim nasceu a canção que dá título ao disco.
O tema da escravidão desdobra-se nas duas faixas seguintes. Em arranjo de seu filho Moreno Veloso, Caetano resgata a figura da princesa Isabel, no samba-de-roda "13 de Maio". Depois vem "Zumbi", canção composta por Jorge Ben ainda nos anos 70. "Um caso espetacular de saúde cultural", elogia Caetano, homenageando mais uma vez o mestre do samba-rock, cujas canções vem gravando há décadas.
Outra homenagem, embora carregada de ambiguidade, está no rock "Rock'n'Raul". A letra de Caetano, que toca na questão da identidade nacional e do colonialismo cultural, descreve o irreverente roqueiro baiano como alguém com "uma vontade "fela-da-puta" de ser americano".
"Não desaprovo Raul, um dos meus artistas favoritos", afirma Caetano, observando que, apesar de muitos de seus colegas de geração não terem essa mesma identificação com os norte-americanos, "é difícil querer exigir que essa vontade não apareça".
Um terceiro e último tributo incluído no disco já vem expresso no próprio título da canção "Michelangelo Antonioni", que homenageia o cineasta.
"Tenho com o cinema italiano uma dívida imensa, que venho pagando pouco a pouco", explica Caetano, que retoma nessa gravação o universo lírico de seu CD lançado no ano passado, "Omaggio a Federico e Giulietta" -homenagem ao cineasta Federico Fellini e à atriz Giulietta Masina.
Com participações de Lulu Santos e Zélia Duncan, no samba-reggae "Cobra Coral" (poema de Waly Salomão musicado por Caetano), e de Dudu Nobre, tocando cavaquinho, no samba-canção "Meu Rio", "Noites do Norte" retoma também um hábito do Caetano dos anos 70: o de coordenar pessoalmente as gravações, dispensando a colaboração de um produtor. "Só que eu produzi mais do que produzia naquela época. Decidi mais como queria que as coisas fossem. É um disco mais meu, mais feito por mim."




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